No vestiário da academia onde pratico Pilates há um aviso bem claro para não deixar as roupas lá e usar os armários disponibilizados para este fim.
Mas, como pode ser visto na foto, alguém achou que o aviso não era para ele.
Fico realmente curioso por entender qual é o processo mental do sujeito que lê um aviso claro e inequívoco como este e faz justamente o contrário. Regras são inoportunas por definição. Elas atrapalham as nossas vidas. Por causa das regras, não podemos viver como gostaríamos. Mas as regras também permitem a convivência em sociedade. Delimitam direitos, de modo que dois direitos não colidam entre si.
Mas há pessoas que têm uma estranha conformação cerebral, que permite que as regras sempre tenham exceções que cabem exatamente em suas próprias necessidades.
Não tenho dúvida que, no caso, trata-se de uma pessoa honesta e trabalhadora, que até usa paletó. Um cidadão, enfim. E que certamente tem um bom motivo para não cumprir a regra. Todos temos.
Em 2012 estava em Tóquio a trabalho. Cheguei em um domingo e fui dar uma volta nas proximidades do hotel à tarde. Fui parar na Rua Ginza, o metro quadrado mais caro do Japão. Para minha surpresa, a rua estava fechada para carros e as famílias caminhavam despreocupadas, tomando toda a rua.
Aquela foi uma experiência reveladora para mim, de uma cidade que pode ser mais humana, onde as pessoas se encontram no meio da rua e não apenas em parques fechados. O pôr-do-sol (era inverno, o sol se pôs às 17:00) combinado com aquele cenário de confraternização silenciosa (sim, não havia barulho) passou-me uma ideia da excelência que a civilização humana pode alcançar, no mesmo nível de uma peça de Mozart.
Quando, em 2015, o mesmo experimento social foi iniciado na Paulista, pensei: puxa, poderei ter a mesma experiência aqui mesmo, em São Paulo. Ingenuidade a minha. Fechar a rua aos carros não induz à civilidade, apenas potencializa o tipo de civilização que existe em cada país.
O horário de início era para ser 19:30. Quando deu o horário, o mestre de cerimônias foi ao microfone e avisou que, devido ao congestionamento de São Paulo, muitas pessoas ainda não haviam chegado, então atrasariam “um pouquinho” o inicio da cerimônia.
De fato, congestionamentos em São Paulo no final da tarde são muito raros, imprevisíveis mesmo. E justo hoje ocorreu um. Então, as pessoas foram pegas de surpresa, e ficaram presas no trânsito, sendo impossível chegar na hora.
Claro que trouxas como eu, que preveem que algo tão raro quanto um congestionamento em São Paulo pode ocorrer e saem mais cedo, ficam aguardando feito patetas os que foram pegos “de surpresa”.
Isso é norma no Brasil: não tem nada, nada mesmo, que seja pra valer. É tudo feito para acomodar aqueles que foram “pegos de surpresa”. Quem cumpre a lei ou o horário é otário.
Uma grande “janela partidária” está sendo negociada para anistiar os políticos que querem trocar de partido sem perder os seus mandatos. A partir daí, a lei seria seguida rigidamente. Faltou só aquela piscadinha marota para o interlocutor.
O Brasil é o país da anistia, da lei que não pega, do jeitinho.
Outro dia, foi aprovada lei que anistiou os donos de imóveis que haviam construído de maneira irregular em São Paulo. Deve ser a 595a lei nesse sentido. Quem segue a lei para construção é trouxa.
E Refis então? Basta esperar, virá uma lei para livrar a cara de quem não pagou imposto. Mas será a última, certo? Piscadinha marota.
Os Estados quebrados também têm suas contas “renegociadas”. Mas sabe como é, o STF não vai deixar que “necessidades urgentes da população” não sejam atendidas. Então, a renegociação é só pra inglês ver mesmo.
A lei de responsabilidade fiscal vinha para acabar com os problemas financeiros dos Estados. Mas era uma lei muito dura, não pegou.
O teto de gastos é também uma lei muito dura. Imagine estar impedido de dar aumento real de salário para os funcionários públicos? A lei é importante, mas não pode ser tão draconiana assim. E toca arrumar jeito de flexibilizar.
Corrupto na cadeia? Sem dúvida, mas só depois de passar por todas as chicanas do “Estado Democrático de Direito”. Afinal, somos um país que se dá ao respeito.
Não adianta lamentar, faz parte do DNA do país.
Não levamos nada a ferro e fogo. Nossa independência foi decretada pelo príncipe, e passamos por 3 golpes de Estado sem o derramamento de uma gota de sangue sequer. Deve ser recorde mundial. Ah, ok, teve a Revolução Constitucionalista de 32, em que morreram algo como 5 mil cidadãos. Uma sombra, se comparado aos mais de 500 mil mortos da Guerra de Secessão, por exemplo.
Há quem prefira assim. Afinal, resolver tudo na base do jeitinho tem suas vantagens. Melhor uma vara flexível que verga do que uma rígida que quebra. É um ponto de vista. Mas depois não adianta reclamar que o Brasil não é um país sério.
Os políticos não aportaram por aqui vindos de Marte. Os brasileiros os colocaram lá.
Os mesmos brasileiros que são incapazes de recolher o próprio lixo. Na Sapucaí ou nas ruas das cidades brasileiras.
A noção de bem comum começa com o respeito pelo espaço comum. A sujeira é a manifestação externa de uma doença moral.
A classe política é uma amostra do povo brasileiro. Enquanto o brasileiro não se curar de sua absoluta indiferença pelo bem comum, pode mudar sistema político e financiamento de campanha à vontade. Nada vai mudar.