Boa sorte para todos

Tuíte do Amoedo dizendo que o governo deveria rever sua decisão de baixar o teto dos juros do consignado.

As respostas dividem-se em 4 categorias:

1) Invocação da “consciência de classe”

2) “Obrigar” os bancos a concederem o crédito

3) Dizer que os bancos continuam a ganhar dinheiro com esse teto

4) Usar BB e Caixa para substituir os bancos privados

A primeira é legal, mas não vejo como a “consciência de classe” ajudaria, no caso.

A segunda parece que é contra a Constituição, que define a liberdade de empresa como um dos seus princípios.

A terceira vai meio contra a matemática: com imposto de 46% sobre o lucro (IR + CSLL), uma taxa de 1,7% ao mês gera um lucro líquido de 11,5% ao ano. Com a Selic a 13,75%, melhor deixar o dinheiro no título público mesmo.

O quarto, aí sim, é o uso correto das estatais: dar prejuízo para ajudar o povo. Tomando dinheiro a, no mínimo, 13,75% e emprestando a 11,5%, BB e Caixa estarão cumprindo sua missão social, que é manter os aposentados endividados.

Por fim, uma palavra para o Amoedo: boa sorte para todos.

Escolinha do Professor Raimundo

Daron Acemoglu, em seu clássico Porque as Nações Fracassam (já perdi a conta de quantas vezes citei essa obra aqui), descarta a falta de conhecimento do que é certo ou errado em economia como explicação para as coisas erradas que os governos fazem. Acemoglu desfila alguns exemplos de governantes que, apesar de bem assessorados por acadêmicos reconhecidos, tomaram decisões desastrosas em função de escolhas políticas. Além disso, acrescento eu, há certo tipo de convicção enraizada ideologicamente que ignora as evidências mais comezinhas, preferindo se apegar a esquemas comprovadamente desastrosos, que se justificam pelo desejo de se fazer “justiça social”.

Tendo isso em mente, entende-se porque a sugestão de Amoedo é uma completa idiotice.

Lula não adota “políticas corretas” não porque não as conheça, mas porque ou não quer adotá-las (escolha política) ou simplesmente porque não concorda com elas (convicção ideológica). Imagine tentar convencer Lula a assistir uma “aula” com “professores ortodoxos”.

Mas há outros detalhes que tornam a idiotice realmente completa.

Amoedo caracteriza Haddad como uma espécie de “anteparo ortodoxo” dentro do governo Lula, a penúltima esperança de colocar o governo nos trilhos (a última são Alckmin e Tebet, de quem falaremos em seguida). Como se Haddad não fosse uma extensão de Lula, seu mais fiel escudeiro, e não pensasse exatamente da mesma forma. De onde tiraram a ideia de que Haddad é do mainstream econômico???

Alckmin, por sua vez, teria ideias um pouco melhores. O problema é que o ex-tucano serviu para dar à chapa de Lula aquele ar de frente ampla e, agora no governo, serve para sair naquela foto bem enquadrada tirada pelo Ricardo Stuckert, assumindo a cadeira de presidente quando Lula se ausenta. De resto, foi a terceira opção para o ministério da Indústria, e sequer teve a liberdade de nomear o presidente do BNDES, supostamente seu subordinado. Pérsio Arida, seu representante na transição, entrou mudo e saiu calado, estado em que se encontra até o momento.

Tebet, que foi injustamente esquecida por Amoedo em seu tuíte, também foi a última opção no Planejamento, em uma acomodação de última hora. O fato é que, a julgar pela avalanche de discursos populistas nesses primeiros dias de governo, ambos não passam de peças de decoração no ministério.

Pedir a Alckmin e Haddad que juntem alguns dos melhores economistas do País para uma espécie de “Escolinha do Professor Raimundo” com Lula e seus aliados políticos de esquerda é uma piada de mau gosto, um escárnio diante do desastre que vai tomando forma.

O pior de tudo é ver como ainda há quem se iluda com Lula, acreditando que tudo não passa de falta de informação. Talvez umas aulas sobre a natureza de Lula e do PT para Amoedo e todos os iludidos do mesmo naipe pudesse resolver. Quem sabe seja falta de informação.

Caminho certo para a irrelevância

Era 08/03/2015. Estávamos na festa de aniversário do meu sobrinho, no salão de festas do prédio onde mora o meu irmão, na Pompeia (bairro de classe média em São Paulo), quando minha cunhada chama a atenção para um fato inusitado: um panelaço rolava solto no bairro. A então recém-eleita Dilma Rousseff estava na TV, fazendo um pronunciamento pelo dia da mulher. Espontaneamente (eu pelo menos não lembro de nenhuma convocação para aquele panelaço), as panelas diziam Fora Dilma! Uma semana depois, uma manifestação monstro, que colocaria o evento de 07/09 no chinelo, tomou conta da Paulista. Aquele panelaço foi o primeiro ato popular que desaguaria no impeachment de Dilma, cerca de 1 ano e 1 mês depois.

O que leva as pessoas às ruas? Pode-se desfiar aqui uma série de motivos, mas eu resumiria em um só: indignação. As pessoas precisam estar suficientemente indignadas com alguma coisa para se disporem a largar o conforto de seu sofá e juntar-se a uma manifestação política. Nesse sentido, podemos deduzir, avaliando as manifestações de ontem, que são poucos os que estão suficientemente indignados com o governo Bolsonaro.

Os analistas políticos confundem avaliação ruim com indignação. A avaliação do governo Bolsonaro é ruim e vem piorando. Mas isso não é suficiente para levar as pessoas às ruas. É preciso mais do que isso. Alguns dirão: “mas trata-se de um governo que tem quase 600 mil mortes na sua conta!”. A julgar pela adesão às manifestações, essa conta não é de Bolsonaro, ou exclusivamente de Bolsonaro. “Mas é a nossa democracia que está em jogo!”. Sério que alguém acha que o povo vai sair pras ruas pra defender os nossos “poderes constituídos”?. Conta outra.

As manifestações de ontem, a apenas um ano das eleições, deveriam ter enterrado de vez qualquer ilusão de que um impeachment é possível. Não há indignação suficiente na sociedade para que isso aconteça. Diagnósticos como “a oposição se dividiu” ou “a carta de Temer tirou o senso de urgência” só servem como autoengano. Para piorar, notinha de jornalista engajado tentou amenizar o desastre, dizendo que o palanque esteve cheio de “pesos-pesados” da política, sem notar que isso só piora a situação. Primeiro, porque tira a espontaneidade da manifestação. E, segundo e principalmente, estes tais “pesos-pesados” demonstraram que sua presença faz pouca ou nenhuma diferença.

O fato nu e cru é que não há adesão popular à tese do impeachment e, a um ano das eleições, não há tempo hábil para construí-la. Se depois de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos o povo não está indignado a ponto de sair para as ruas, fariam bem as oposições em começar a pensar em uma estratégia alternativa. Nesse sentido, o PT jogou o seu jogo: com a desculpa de que não iria se misturar com seus algozes, Lula e seu partido não se associaram a um evento que, já sabiam de antemão, seria um fracasso de público e renda. Além, é claro, de não lhes interessar em nada um impeachment de Bolsonaro.

A julgar pelas falas dos “políticos pesos-pesados” presentes neste domingo, a luta pelo impeachment continua, e vão procurar atrair o PT para essa “luta”. Se a estratégia tem como objetivo continuarem irrelevantes e cevarem o caminho de um 2o turno entre Lula e Bolsonaro, estão no caminho certo.

Impressões sobre o debate no SBT

No #debateSBT vi alguns movimentos interessantes, que indicam a tática para esta reta final no 1o turno, e podem dizer um pouco sobre apoios no 2o turno:

– Álvaro Dias foi o mais vocal contra o PT, chamando o partido de “organização criminosa”. Nem citou Bolsonaro. Surfando na onda anti-petista no sul, pode declarar apoio ao candidato do PSL.

– Ciro também foi agressivo com o PT. Pelo visto, ainda não desistiu de ser visto como uma 3a via, uma alternativa da esquerda para bater Bolsonaro. As pesquisas de 2o turno lhe dão razão.

– Alckmin bate no PT e em Bolsonaro, mas quase en passant. Gasta o grosso do seu tempo com platitudes, do tipo “precisamos investir em infra-estrutura”. Soltou um “resolutividade” no meio de uma resposta, o que deve ter lhe roubado 0,5% das intenções de voto.

– Haddad vai bem. É inteligente, rápido e articulado nas respostas, e tem um script que executa bem, a mistificação dos bons tempos do Lula. Tem um patrimônio para mostrar, e mostra com habilidade. Mas tenho a impressão de que, se pegar o ex-capitão inspirado em um debate no 2o turno, vai ser comido com farinha, pois será tirado de sua zona de conforto, coisa que só Álvaro Dias tentou uma vez, e com relativo sucesso.

– Marina: oi?

– Meirelles: muito ruim. Mas muito ruim mesmo.

– Cabo Daciolo: respondendo a uma pergunta de Guilherme Boulos, proclamou seu amor às mulheres brasileiras e “profetizou” sua vitória em 1o turno, em nome de Deushhhhh. (um debate em que Boulos faz pergunta a Daciolo, ambos com traço nas pesquisas, e deixa Amoedo, tecnicamente empatado com Marina, de fora, tem alguma coisa muito errada).

– Bolsonaro: o grande vitorioso da noite, porque não apanhou muito. Seu nome só foi pronunciado por Boulos e por Carlos Nascimento, que lembrava, no início de cada bloco, que ele não estava presente porque havia sofrido um ataque (propaganda subliminar positiva). O tema das mulheres foi tocado algumas vezes, principalmente pela Marina, o que indiretamente o prejudica. A essa altura, Bolsonaro está tocando a bola no meio de campo esperando o fim do 1o tempo. Quanto menos aparecer, melhor.

Estou intrigado

Estou cada vez mais intrigado com um raciocínio que vejo repetido com cada vez maior frequência. O raciocínio é o seguinte: se eu não mudar meu voto para o Bolsonaro já no 1o turno, estarei colocando o PT novamente no poder. Posso ser eleitor do Amoêdo (que é o alvo preferencial desse raciocínio), ou de qualquer outro candidato à direita do espectro político.

Não consigo ver como isso seja possível.

Meu raciocínio é o seguinte. Digamos que haja dois tipos de eleitores do Amoêdo: aquele que vota no Bolsonaro no 2o turno, e aquele que não vota no Bolsonaro no 2o turno. Por serem alternativas complementares, a soma desses dois tipos perfaz 100% dos eleitores do Amoêdo.

Para ganhar uma eleição, qualquer candidato precisa ter 50% + 1 dos votos válidos, tanto faz se no 1o ou no 2o turno. O voto do eleitor do Amoêdo do tipo 1, aquele que vota no Bolsonaro, estará com ele no 2o turno. Então, tanto faz votar no 1o ou no 2o turno, esses votos vão ajudar a eleger Bolsonaro de qualquer maneira, seja no 1o, seja no 2o turno. Já no caso do eleitor tipo 2, aquele que não vota em Bolsonaro nem no 2o turno, não adianta pedir pra votar no 1o turno, não é mesmo?

Esse é o raciocínio, e que vale para os eleitores de quaisquer outros candidatos.

A não ser que…

A não ser que exista o receio de que essa “reserva de votos” formada pelos eleitores do Amoêdo do tipo 1, mudem de ideia no 2o turno, e resolvam que são do tipo 2. Então, o que estaria por trás dessa pressão é o receio de que a campanha do 2o turno faça Bolsonaro perder os votos potenciais que tinha no 1o turno. Então, seria melhor liquidar logo a fatura no 1o turno, para não dar tempo das pessoas mudarem seu voto. Não é lá uma explicação muito dignificante, mas é a única que consigo encontrar.

Por outro lado, dado o índice de rejeição a Bolsonaro, poderia defender aqui que o voto nele, isso sim, é o passaporte para a volta do PT ao poder. Não sou partidário dessa ideia, porque acredito que índices de rejeição podem ser revertidos com uma boa campanha, e o 2o turno é uma outra eleição. Mas, do jeito que as coisas estão hoje, esse risco não é desprezível.

Bolsonaro e Amoêdo: semelhanças e diferenças

Por que a candidatura Amoêdo incomoda de maneira crescente os apoiadores de Bolsonaro? (Até o momento só os apoiadores, não vi nenhum ataque do próprio candidato).

Tentaremos entender esse fenômeno investigando as semelhanças e as diferenças entre as duas candidaturas.

1) Uma primeira semelhança é que se trata de duas candidaturas de fora do establishment, que nasceram como uma reação ao establishment. No entanto, há nuances importantes: Bolsonaro é político há 30 anos. Baixo clero, ok, mas político profissional, vive disso. Amoêdo, pelo contrário, está chegando agora à política. Nunca teve cargo público, sempre trabalhou na iniciativa privada. Eu, particularmente, não gosto de gente sem nenhuma experiência política, acho que a política precisa de profissionais do ramo para funcionar. Mas, para quem quer uma renovação radical, Amoêdo é mais radicalmente anti-establishment, ainda que Bolsonaro também o seja.

2) Uma segunda semelhança é o pensamento liberal. Ambos se proclamam liberais, mas Bolsonaro é cristão-novo, e suas convicções liberais ainda não foram colocadas à prova. Amoêdo, por sua vez, criou-se em ambiente liberal, este é o seu ponto forte para quem não quer surpresas nesse campo.

3) Ambos são conservadores, mas as credenciais de Bolsonaro, neste caso, são bem mais fortes. Difícil pensar em um mote mais conservador do que “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A defesa da família, da propriedade, dos costumes estão muito mais presentes no discurso de Bolsonaro. Amoêdo dá muito mais ênfase à economia, sendo às vezes ambíguo na área dos costumes, o que já lhe valeu a pecha de “comunista”, dada pelos bolsonaristas mais exaltados.

4) Amoêdo é candidato por acaso, porque foi o líder da criação do Novo. O importante é a consolidação do Novo, a candidatura à presidência é função disso. Já a candidatura de Bolsonaro é personalista. O PSL é apenas uma barriga de aluguel, porque no Brasil não existem candidaturas independentes.

5) Amoêdo é muito menos polêmico. Suas falas são mais anódinas, mais técnicas. Bolsonaro é mais “povão”, não tem medo do politicamente incorreto. Até por conta disso, desperta paixões contra e a favor, fazendo com que seu capital de votos esteja consolidado, mas sua rejeição seja das mais altas.

6) Por fim, tanto um quanto o outro, até por suas características anti-establishment, terão imensas dificuldades de lidar com o Congresso. Bolsonaro tem a vantagem de conhecer o jogo parlamentar, apesar de se dizer fora do jogo. Já a vantagem de Amoêdo é seu temperamento mais conciliador, o que, teoricamente, favoreceria composições em torno de projetos.

Com esses elementos, podemos entender porque a candidatura de Amoêdo vem incomodando. Para alguns bolsonaristas, Amoêdo rouba votos que, de outra forma, iriam para o ex-capitão. Essa convicção tem como pressuposto os itens 1 e 2 acima: Amoêdo é anti-establishment e liberal, assim como Bolsonaro.

Roubando votos de Bolsonaro, o candidato do Novo e seus eleitores estariam agindo de modo pouco estratégico: afinal, este seria o momento de “unir as forças da direita” para nos livrarmos dos “comunistas”. Bolsonaro, por estar melhor colocado nas pesquisas, seria o estuário natural desses votos, não fosse a presença incômoda dessa outra candidatura semelhante. Ou seja, os bolsonaristas pregam o voto útil no 1o turno.

Esse argumento não faz sentido, nem do ponto de vista teórico, nem do ponto de vista prático.

Do ponto de vista teórico, Amoêdo é bem diferente de Bolsonaro. Dos 6 itens acima, nenhum é absolutamente comum, há nuances ou diferenças que podem ser importantes no momento da decisão do voto. Portanto, votar em Bolsonaro não é o mesmo que votar em Amoêdo, e existem pessoas que não votam útil de jeito nenhum (não é o meu caso).

Do ponto de vista prático, o argumento é contrário a Bolsonaro. Os bolsonaristas gostariam de receber os votos dos amoedistas para que fosse possível a vitória já no 1o turno ou, no limite, para garantir a passagem de um “candidato de direita anti-establishment” ao 2o turno. Ora, o primeiro motivo é tosco. Se fosse possível a Bolsonaro ganhar no 1o turno com os votos dos amoedistas, então será possível ganhar no 2o turno com os mesmos votos, se o próprio Bolsonaro não perder os votos que ganhou no 1o turno (tipo Alckmin em 2006). Trata-se de uma questão matemática.

Já o segundo motivo é mais relevante: e se a divisão de votos entre Amoêdo e Bolsonaro impedir que ambos alcancem o 2o turno? Isso sim pode acontecer e, em tese, justificaria o voto útil no candidato com mais chances.

Digo em tese porque depende das preferências de cada um. Se o fato de ser “anti-establishment de direita” é a coisa mais importante, então, de fato, o voto útil em Bolsonaro no 1o turno se justifica.

Se, por outro lado, o eleitor é, antes de tudo, anti-petista (como é o meu caso), então o voto em Bolsonaro não é tão óbvio assim. Bolsonaro sofre alta rejeição (que tende a aumentar durante a campanha), o que o torna presa fácil no 2o turno, inclusive para um improvável Haddad. Assim, para pessoas que dão mais valor ao anti-petismo do que ao anti-establishment, o voto útil em Alckmin poderia fazer mais sentido. Enfim, uma mensagem aos “estrategistas da candidatura Bolsonaro”, repetindo o que já disse aqui: esta eleição é cheia de nuances e pegadinhas. A decisão sobre voto útil tem mais variáveis do que o maniqueísmo de alguns bolsonaristas admitem. O mundo é um pouco mais complexo.

Não precisamos de outra seita

Alguns eleitores do Bolsonaro surtaram em relação ao Amoêdo e seus eleitores. A coisa passou muito da crítica política, chegou à ofensa pessoal mesmo. E com argumentos que fariam o orgulho de qualquer petista, pelo seu descolamento da realidade.

Se o objetivo é virar votos para Bolsonaro, receio que seja um tiro no pé. Eu mesmo, que não tinha rejeição ao ex-capitão, estou começando a pensar duas vezes: se este é o tipo de reação que Bolsonaro gera em seus eleitores, então só mudaremos a seita empossada no Palácio do Planalto. E, definitivamente, não precisamos de outra seita.

Amoêdo e a Agenda 2030

Uma das “provas” do suposto “esquerdismo” de João Amoêdo seria seu apoio a tão falada “Agenda 2030 da ONU”. Não conhecia a tal agenda, mas comecei a ver menções cada vez mais frequentes a ela em ataques ao candidato do Novo. Não dei muita importância de início, dada a conhecida “agenda anti-globalista” de vários adeptos da candidatura Bolsonaro, inclusive com a extinção pura e simples da ONU. Não que eu discorde totalmente desse ponto, acho a ONU de uma inutilidade atroz, mas às vezes a coisa parece meio paranoica.

Como eu estava dizendo, não tinha muita curiosidade em ver a tal Agenda 2030, até que um amigo fez um comentário em um dos meus posts, questionando meu apoio a Amoêdo por conta do apoio dele à Agenda. Como tenho em alta reputação este meu amigo, fui atrás para conhecer um pouco mais.

Em primeiro lugar, Amoêdo, quando perguntado (está em vídeo no YouTube pra quem quiser ver), falou o óbvio: a Agenda 2030 foi assinada por 194 países do mundo inteiro, incluindo todos os mais desenvolvidos. Então não faz sentido o Brasil isolar-se, ficar de fora. Segundo, que a co-autoria da vereadora Janaína Lima, do Partido Novo, à implantação da Agenda na cidade de São Paulo, foi uma decisão dela, o Partido não tem orientação específica a respeito. Além disso, o Brasil aderiu à Agenda. Portanto, a cidade de São Paulo somente seguiu aquilo que, como país, o Brasil já tinha aderido. E, em terceiro lugar, Amoêdo disse que há pontos positivos na Agenda de maneira geral, ainda que possa haver pontos que não façam sentido. É este terceiro ponto que resolvi investigar.

A Agenda 2030 é formada por 17 grandes temas, divididas em 168 ações. Fui verificar uma por uma dessas ações, e o resultado está na tabela abaixo, onde procurei classificá-las pelo seu nível de “esquerdismo”. Cada linha é um grande tema, com suas respectivas ações.

Pintei em verde as ações que considerei corretas. Em amarelo, estão as ações que considerei populistas, ou que seguem a agenda ambientalista, ou ainda, que podem dar margem a algum nível de ação esquerdista. Por exemplo, bastou colocar a palavra “empoderamento”, já mereceu um amarelo, mesmo a ação sendo correta. E, em vermelho, ações que seguem claramente uma agenda esquerdista, seja nos costumes, seja na economia. Fica aqui o aviso de que são os MEUS critérios. Convido a que façam o mesmo exercício com os seus próprios critérios, ao invés de simplesmente ficarem repetindo bovinamente verdades ditas por influencers de YouTube.

Podemos observar que Amoêdo está certo em sua afirmação. De fato, grande parte da Agenda é positiva. No entanto, pode-se argumentar que algumas maçãs podres no cesto servem para estragar o cesto todo. É verdade. Mas também é verdade que vivemos em um mundo onde nem todos pensam de maneira igual a mim ou a você, e se não aprendermos a conviver com as diferenças de opinião, acabaremos isolados em nossa seita, vociferando contra o mundo, enquanto o mundo avança na direção do que a maioria quer. O que eu quero dizer é que, queiramos ou não, a Agenda existe, o Brasil aderiu a ela, e precisamos fazer desse limão uma limonada. Negar tudo e ficar isolado não é uma alternativa.

A Agenda tem uma linguagem suficientemente ambígua para abrigar interpretações positivas mesmo em ações claramente negativas. Por exemplo, a ação sobre os “direitos reprodutivos” e “planejamento familiar” claramente está lá para defender o aborto. Mas a palavra aborto não está mencionada, o que já é uma vitória, e uma fresta por onde pode passar a defesa da vida mesmo com a implementação dessa ação. Além disso, o aborto não precisa da Agenda 2030 para ser implementado, como temos visto em diversos países.

Eu encaro a Agenda 2030 como uma grande carta de intenções de políticos e burocratas. Aliás, a ONU é o paraíso da burocracia estatal. Sua implementação é tão segura quanto os programas de governo dos políticos em véspera de eleição.

A “denúncia” do tal “apoio” do Amoêdo a esta agenda é só mais uma tentativa de dizer que o candidato do Novo é um “esquerdista disfarçado”. Seria o mesmo que eu dizer que Bolsonaro é um “esquerdista disfarçado” porque não quer privatizar a Petrobrás e defende que o nióbio seja nacionalizado. Cada um sempre tem alguma ponta de “esquerdismo”. Se você procurar, vai achar.

Extrema-direita

Até mais do que no mundo físico, também na política tudo é relativo.

É o que observamos quando tentamos definir os conceitos de “esquerda” e “direita”.

Além de serem conceitos multifacetados, que envolvem tanto aspectos de moral e costumes quanto aspectos econômicos, definir alguém como “de esquerda” ou “de direita” parece depender da posição daquele que define.

Assim, por exemplo, o PSDB é um partido “de direita” para os petistas e “de esquerda” para os bolsonaristas. Isto o faz ser um partido “de centro” para quem não é nem petista e nem bolsonarista. Então, o PSDB é “de direita”, “de esquerda” ou “de centro”? Depende do ponto de vista de quem define.

Este raciocínio me veio à mente quando eu tentava entender os ataques dos bolsonaristas a Amoêdo. Para os apoiadores do ex-capitão, Amoêdo não é “suficientemente de direita”. Algumas posições ambíguas sobre alguns temas já o fizeram mais vermelho do que carro de bombeiro.

Bolsonaro seria a encarnação da “direita perfeita”, aquela sem mácula. Qualquer impureza já torna a pessoa “de esquerda”. Desconfio que, para piorar a situação, os bolsonaristas não perdoam Amoêdo por ter ousado não abrir mão da sua candidatura em favor do deputado do PSL, em uma “frente de direita”. Esta seria a prova final de seu “esquerdismo”.

Confesso que, não faz muito tempo, quando lia na imprensa que Bolsonaro representava a “extrema direita”, aquilo me incomodava. Como assim? Finalmente aparece alguém que não tem medo de se posicionar firmemente à direita do espectro político, e é apodado pejorativamente de “extrema-direita”? E o que faria de um Boulos simplesmente “esquerda” e de Bolsonaro um “extrema-direita”? Parecia-me tremendamente incorreto e injusto.

E outra questão se colocava: quem seria, então, “direita” no país? Teríamos “esquerda”, “centro” e “extrema-direita”. Do centro para a extrema-direita, sem escalas. Parecia algo sem sentido algum.

Parecia. Até que os apoiadores mais exaltados de Bolsonaro mostrassem a que vieram. Para estes, Amoêdo é “esquerda”. Como Amoêdo claramente está à direita do PSDB, então só tenho como concluir que Bolsonaro é “extrema-direita”, enquanto Amoêdo é “direita”. É uma questão de lógica. Repito, lógica a que me levaram as últimas reações de alguns apoiadores de Bolsonaro.

Não gosto de generalizações. Sempre são injustas. Tenho certeza que a maior parte dos apoiadores do Bolsonaro não apoia esses ataques ridículos a Amoêdo. Seria bom que aparecessem. Mesmo porque, desconfio, este é um modo contraproducente de ganhar votos.