“Depois do dia de ontem, o PSDB tem o dever moral de não lhe dar a legenda para disputar a presidência”.
Escrevi a frase acima no dia 01/04, o dia do Fico de João Doria, quando ele desistiu da desistência de renunciar ao mandato de governador. Uma palhaçada, alçada à categoria de “estratégia política”. Só na cabeça perturbada do ex-governador.
Escrevo essa pequena nota com cautela, vai que amanhã o empresário e dublê de político resolve dizer que a desistência de hoje era também “uma estratégia”. De qualquer forma, o alto tucanato fez a única coisa que lhe restou fazer depois de toda essa lambança: negou-lhe a legenda, conforme eu havia previsto em 01/04. Não era difícil de prever o desfecho, dado o nível da patuscada.
Desde quando decidiu concorrer para a prefeitura de São Paulo em 2016, o único objetivo político de João Doria era tornar-se presidente do Brasil. Frustrado em seu objetivo, tal qual um executivo que foi preterido por um concorrente ao cargo de CEO, só lhe resta retirar-se da empresa. No caso, da vida pública. Vai com Deus.
Uma vez pode ser uma desatenção, duas vezes é uma estratégia.
Pela segunda vez em menos de 24 horas, o ex-governador de São Paulo sinaliza na direção de Lula. Que Dória não queira papo com Bolsonaro se entende. Afinal, Dória foi alvo de Bolsonaro do primeiro ao último dia, que assim tratou todos aqueles que poderiam desafiá-lo em sua campanha pela reeleição. “Calça apertada” foi o apelido escolhido pelo seu moedor de reputações, mas esse foi apenas o lado jocoso de um embate que foi das vacinas à privatização da Ceagesp.
No entanto, sinalizar para Lula parece um pouco demais para alguém que construiu sua breve carreira política com base no antipetismo. A não ser que esteja querendo unir a velha guarda do PSDB em torno do seu nome e, para isso, esteja disposto a mostrar que é anti-bolsonarista acima de tudo.
Se for mesmo essa a estratégia (e não consigo pensar em outra), só tem um problema: como tudo o que Dória faz, soa tremendamente artificial. Outro dia estava abraçando Bolsonaro no meio da rua e demonizando o PT, e agora quer passar a mensagem de que o verdadeiro demônio é Bolsonaro e, para isso, está disposto a abraçar Lula no meio da rua.
Nem vou acusar Dória de “oportunismo”, porque oportunistas todos os políticos são, na medida em que aproveitam as oportunidades que surgem para auferir vantagens. Mas esse “oportunismo” precisa ter um limite. Caso contrário, começa a se transformar em canalhice. Receio que João Dória já tenha ultrapassado essa linha divisória.
Entrevista do pré-candidato do PSDB, João Doria, ao Valor Econômico de hoje. Destaco dois trechos.
No primeiro, ao ser perguntado sobre qual seria o “diferencial” de uma candidato da chamada “terceira via”, Doria se sai com uma sopa insossa de “país liberal com preocupação social”, incluindo os temperos “educação e saúde de qualidade” que não podem faltar em todo prato de promessas políticas amorfas.
Já havia criticado aqui a entrevista de Simone Tebet, que trazia o mesmo coquetel de chuchu, e havia afirmado que a bandeira da terceira via tinha que ser a da pacificação nacional. O PT já tem a bandeira da “justiça social”, ao passo que Bolsonaro explora bem a bandeira dos “valores conservadores”. São bandeiras simples, fáceis de entender, e que mobilizam. Ficar falando que vai entregar “crescimento com distribuição de renda” não leva nenhum candidato a lugar algum. E se tem algo que uma parte do eleitorado anseia neste momento é um pouco de paz social, uma redução do clima beligerante que tomou conta do país. Não sei se essa parte do eleitorado é suficiente para dar a vitória a um candidato de terceira via, mas é a única chance de torná-lo competitivo. Doria, ao bater na tecla do “crescimento com justiça social” está tentando roubar a bandeira de Lula. Obviamente, não vai conseguir.
O segundo trecho está, de alguma forma, ligado ao primeiro. Depois de Doria tecer um rosário de críticas a Bolsonaro, o repórter lhe dá uma chance de fazer o mesmo com Lula.
Doria, ao invés de agarrar essa chance para mostrar que é verdadeiramente um candidato de terceira via, a joga pela janela, ao dizer que “respeita” Lula e “não respeita Bolsonaro”. A resposta óbvia para quem está disputando um lugar ao sol seria “sim, e continuamos sendo críticos de Lula e do PT. Não acreditamos que o PT tenha um projeto de país moderno, ainda mais liderado por um condenado da justiça”. Pronto, resposta simples e que o coloca simetricamente entre os dois polos. Afinal, terceira via não pode ser linha auxiliar de nenhum dos dois polos, senão o eleitor vota no polo, por óbvio. No caso, além de defender uma bandeira que pouco se diferencia daquela que já tem o PT como dono, Doria coloca Lula acima de Bolsonaro. Assim, será visto com desconfiança por quem prefere Bolsonaro e não ganhará um voto sequer de quem vai votar em Lula.
Um esclarecimento final: aqui não vai nenhum julgamento do que é certo ou errado, se Lula é superior a Bolsonaro ou vice-versa sob qualquer critério. Trata-se apenas de uma análise de estratégia eleitoral, tirada, obviamente, somente da minha cabeça. Posso estar equivocado, claro, mas acredito que a polarização presente é muito função dessa incompetência dos políticos da “terceira via” de fazer a leitura correta do cenário eleitoral. Coisa, aliás, que já vêm fazendo desde 2018, quando se “surpreenderam” com a vitória de Bolsonaro.
Caí na “pegadinha” de João Doria. Segundo ele, foi uma “estratégia” para angariar apoio de seu partido. Bruno Araújo, vendo naufragar o barco do PSDB na joia da coroa do partido, o estado de São Paulo, assinou uma carta reiterando o apoio do partido, do qual é presidente, à candidatura Doria. No entanto, quem é um pouco alfabetizado em política sabe que essa carta vale tanto quanto uma nota de 3 reais.
Em primeiro lugar, o esforço foi no sentido de o atual governador deixar o governo de SP para o seu vice, não necessariamente o de Doria assumir a candidatura presidencial. Não faltam bons nomes ao PSDB, pelo contrário. Doria renunciando ao governo de SP e à candidatura presidencial era o melhor cenário. Doria permanecendo no governo sem concorrer à reeleição, o pior. O arranjo possível foi “convencer” Doria com uma cartinha de amor. Segue o jogo, até a convenção do PSDB, onde tudo pode acontecer.
Não satisfeito com a lambança, Doria adicionou o insulto à injúria, ao dizer em entrevista que tudo não passava de um plano para testar o apoio do partido à sua candidatura. Uma espécie de Jânio de calça apertada. E, como cereja do bolo, chamou de “golpistas” os que não querem a sua candidatura. Doria está seguindo metodicamente o manual “Como Fazer Inimigos e Não Influenciar Pessoas”. Depois do dia de ontem, o PSDB tem o dever moral de não lhe dar a legenda para disputar a presidência.
Como nota final, se a saída de Doria da disputa não representava muita coisa, como defendi em meu comentário de ontem, o mesmo não se pode dizer da saída de Sergio Moro do páreo. Sem experiência política e tendo chegado 4 anos atrasado para empunhar a bandeira da Lava-Jato que Bolsonaro empunhou em 2018, Moro foi vítima de sua própria ilusão, a de ser o justiceiro universal do Brasil. Foi engolido pelo sistema político, que tem suas próprias regras. Se for humilde, concorrerá a uma vaga de deputado federal, onde terá a oportunidade de começar o jogo da planície, desenvolvendo suas habilidades políticas para depois, se for o caso, tentar voos mais altos.
Ao contrário da eventual desistência de Doria, a saída de Moro do páreo embaralha as cartas da “terceira via”. Lula e Bolsonaro certamente não gostaram desse movimento.
Mais importante do que entender os motivos pelos quais João Doria desistiu de sua candidatura presidencial é avaliar o impacto da decisão na disputa. Entendo que seja pequeno e explico porque.
A única mudança significativa na campanha seria o aumento da probabilidade de um dos dois candidatos que lideram as pesquisas serem ultrapassados por um terceiro. A chance de um evento desse tipo aumentou com a desistência de Doria? Provavelmente não. Para que isso acontecesse, seria necessário que o PSDB desistisse de lançar um candidato. Vai acontecer? Pouco provável.
Com uma candidatura na rua, o PSDB continua dividindo os votos da chamada “terceira via”. A não ser que fosse um candidato que atraísse votos dos atuais lulistas e bolsonaristas. Até pode ser, mas não vejo isso acontecendo em escala suficiente para mudar o quadro eleitoral.
Enfim, a desistência de Doria tem muito mais influência nas eleições paulistas do que na nacional, onde o PSDB vai disputar votos com o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas. A depender do arranjo do partido que exerce o governo do Estado há quase 30 anos, Tarcísio pode ser o mais beneficiado nesse imbróglio.
Doria, por fim, somente adiantou um fim que o aguardava de qualquer forma depois das eleições: o ostracismo.
Ha alguns anos, tive um problema com uma compra na internet. Não lembro exatamente com o quê, porque faz muito tempo. Decidi procurar o PROCON para tentar resolver. Lembro que, a muito custo, consegui registrar a minha reclamação, em um site pouco amigável.
Foi quando descobri o site do Reclame Aqui. A diferença era brutal: fácil de usar, consegui registrar minha reclamação em uma fração do tempo que havia gasto no site do PROCON. Em poucos dias, havia resolvido a minha situação. Algum tempo depois, recebi um e-mail do PROCON, solicitando o envio de uma série de documentos para dar andamento à reclamação! Ali ficava clara a inutilidade do órgão.
O diretor do PROCON-SP, Fernando Capez, quando aparece no jornal, é para ameacar empresários de praticarem “preços abusivos”. Enquanto o papel do PROCON, que é proteger consumidores de práticas abusivas de empresas, é feito por uma empresa privada, a autarquia se preocupa em “controlar preços”, algo sem amparo algum na lei. No Brasil, os preços são livres. Se um dono de posto quiser colocar a gasolina a R$ 20 o litro, não há lei nenhuma que o impeça. A única lei que regula o impulso do dono do posto é a lei da oferta e da demanda.
A preocupação do PROCON deveria ser evitar a formação de cartel. Mas, nesse caso, a fala do diretor do órgão deveria ser “o PROCON vai combater a cartelização”, e não a “especulação”. Como, de resto, deveria ser papel permanente do órgão, e não somente quando a Petrobras aumenta seus preços.
Com essa fala, o diretor do PROCON sanciona o potencial comportamento abusivo de seus fiscais. O dono do posto, depois de investir o seu bom dinheiro no estabelecimento de um negócio, pagar seus funcionários, recolher impostos e, depois disso, ainda tentar dar lucro, precisa lidar com os pequenos xerifes da justiça social, que sabem qual o preço “justo” do combustível. O espírito do cruzado, que, em 1986, prendeu donos de supermercado por praticarem “preços abusivos”, continua vivo e alerta. O brasileiro médio concorda com Fernando Capez, é preciso tratar esses empresários com rédea curta.
O curioso é que Fernando Capez foi nomeado pelo governador João Doria, o champion da iniciativa privada. Doria, depois de uma fala desse tipo, para ser coerente com suas convicções liberais, deveria demitir o diretor do PROCON sumariamente. Mas coerência não é artigo em abundância no mercado hoje em dia.
À esquerda, temos uma pesquisa do Datafolha em 13/07/2016 para a prefeitura de São Paulo. À direita, a pesquisa do Ipespe para o governo de São Paulo, publicada hoje.
Como sabemos, Doria ganhou aquela eleição em 1o turno, feito nunca antes conquistado por nenhum prefeito de São Paulo. Isso só para dizer que, se pesquisa a 3 meses das eleições não significa nada, quanto mais a 6 meses.
Entrevista com o ainda senador José Serra. Na primeira pergunta, Serra afirma que é preciso acabar com essa “polarização entre extremos”. Na pergunta seguinte, ao ser questionado sobre as conversas que Lula vem mantendo com próceres do partido, Serra diz achar “natural” o diálogo político mesmo entre aqueles que ”não compartilham bandeiras”.
O senador é inteligente e perspicaz, e certamente tem consciência da contradição em termos entre as duas respostas. O que ele faz é subestimar a inteligência e perspicácia do leitor. Afinal, não é preciso ser muito inteligente e perspicaz para sacar que, para fins eleitorais, não dá para condenar os extremos e, ao mesmo tempo, aceitar o diálogo com um deles.
Serra dá uma resposta de sarau literário, onde os problemas nacionais são resolvidos em tese. Claro, o diálogo sempre é superior à guerra. Em tese. Na prática, com um candidato de seu próprio partido buscando desesperadamente firmar-se como uma alternativa à polarização indicada pelo próprio senador, esse “diálogo” só interessa a Lula. Enquanto os tucanos históricos “dialogam”, Lula trata de ganhar a eleição.
Não é à toa que Doria ganhou as prévias. Com todos esses tucanos pré-históricos apoiando Eduardo Leite, ficou claro onde estava a mínima chance de futuro para o partido. Digo mínima porque é mínima mesmo, a maior probabilidade é que o PSDB saia menor dessa eleição do que entrou, justamente porque a ala pré-histórica insiste em diálogos de sarau.
Lula só pensa em eleição. Bolsonaro só pensa em eleição. Doria causa repulsa dentro de seu partido porque, vejam só, só pensa em eleição. Serra, Tasso, Zé Aníbal e outros tucanos pré-históricos fariam bem em seguir o caminho de Alckmin, e cair de vez no colo do ex-presidiário. Ao menos deixariam de criar ruído para a campanha do candidato de seu próprio partido.
Era 08/03/2015. Estávamos na festa de aniversário do meu sobrinho, no salão de festas do prédio onde mora o meu irmão, na Pompeia (bairro de classe média em São Paulo), quando minha cunhada chama a atenção para um fato inusitado: um panelaço rolava solto no bairro. A então recém-eleita Dilma Rousseff estava na TV, fazendo um pronunciamento pelo dia da mulher. Espontaneamente (eu pelo menos não lembro de nenhuma convocação para aquele panelaço), as panelas diziam Fora Dilma! Uma semana depois, uma manifestação monstro, que colocaria o evento de 07/09 no chinelo, tomou conta da Paulista. Aquele panelaço foi o primeiro ato popular que desaguaria no impeachment de Dilma, cerca de 1 ano e 1 mês depois.
O que leva as pessoas às ruas? Pode-se desfiar aqui uma série de motivos, mas eu resumiria em um só: indignação. As pessoas precisam estar suficientemente indignadas com alguma coisa para se disporem a largar o conforto de seu sofá e juntar-se a uma manifestação política. Nesse sentido, podemos deduzir, avaliando as manifestações de ontem, que são poucos os que estão suficientemente indignados com o governo Bolsonaro.
Os analistas políticos confundem avaliação ruim com indignação. A avaliação do governo Bolsonaro é ruim e vem piorando. Mas isso não é suficiente para levar as pessoas às ruas. É preciso mais do que isso. Alguns dirão: “mas trata-se de um governo que tem quase 600 mil mortes na sua conta!”. A julgar pela adesão às manifestações, essa conta não é de Bolsonaro, ou exclusivamente de Bolsonaro. “Mas é a nossa democracia que está em jogo!”. Sério que alguém acha que o povo vai sair pras ruas pra defender os nossos “poderes constituídos”?. Conta outra.
As manifestações de ontem, a apenas um ano das eleições, deveriam ter enterrado de vez qualquer ilusão de que um impeachment é possível. Não há indignação suficiente na sociedade para que isso aconteça. Diagnósticos como “a oposição se dividiu” ou “a carta de Temer tirou o senso de urgência” só servem como autoengano. Para piorar, notinha de jornalista engajado tentou amenizar o desastre, dizendo que o palanque esteve cheio de “pesos-pesados” da política, sem notar que isso só piora a situação. Primeiro, porque tira a espontaneidade da manifestação. E, segundo e principalmente, estes tais “pesos-pesados” demonstraram que sua presença faz pouca ou nenhuma diferença.
O fato nu e cru é que não há adesão popular à tese do impeachment e, a um ano das eleições, não há tempo hábil para construí-la. Se depois de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos o povo não está indignado a ponto de sair para as ruas, fariam bem as oposições em começar a pensar em uma estratégia alternativa. Nesse sentido, o PT jogou o seu jogo: com a desculpa de que não iria se misturar com seus algozes, Lula e seu partido não se associaram a um evento que, já sabiam de antemão, seria um fracasso de público e renda. Além, é claro, de não lhes interessar em nada um impeachment de Bolsonaro.
A julgar pelas falas dos “políticos pesos-pesados” presentes neste domingo, a luta pelo impeachment continua, e vão procurar atrair o PT para essa “luta”. Se a estratégia tem como objetivo continuarem irrelevantes e cevarem o caminho de um 2o turno entre Lula e Bolsonaro, estão no caminho certo.
Abaixo, trecho da entrevista de Tasso Jereissati, hoje, no Estadão. Como sabemos, a exemplo de FHC, Tasso também foi se encontrar com Lula. O jornalista, então, pergunta se se trata de uma aliança eleitoral. Já teria sido suficientemente ruim apontar nessa direção, mas Tasso foi além: trata-se de uma aliança para governar!!!
Em que planeta vivem esses dirigentes históricos do PSDB, para achar que o PT vai aliviar a barra de um eventual governo psdebista??? Os petistas vão fazer a oposição desonesta e perniciosa que sempre fizeram, está em seu DNA. Para os petistas, ou o governo é do PT ou não serve. Todo não petista é fascista, como já deveriam ter aprendido FHC, Tasso e outros.
Não é à toa que Doria vai levar a indicação da candidatura pelo partido. É o único que tem alguma noção de realidade. Se o PSDB ainda tem uma micro chance de sucesso nas eleições é com alguém que pode bater em Lula de maneira crível. E esse alguém, no PSDB de hoje, é Doria. O que nos leva à conclusão de que, se Doria é o único com alguma noção dentro do PSDB, então as chances do partido nas eleições são realmente muito diminutas.