Há algum tempo venho querendo escrever sobre isso, mas outros assuntos mais urgentes atropelaram.
Trata-se da pergunta de Eugênio Bucci a João Doria no Roda Viva. Foi a primeira pergunta do programa. Mais do que uma pergunta, Bucci tirou satisfação de Doria. Será que o prefeito de São Paulo não tem sido muito duro com Lula e com o PT? Afinal, apesar de seus erros, têm também os seus acertos, e representam (ou representaram) a esperança de milhões de brasileiros.
A resposta de Doria foi a óbvia, e o vídeo está rodando por aí. Nada justifica a roubalheira e a maior recessão do Brasil.
Eugênio Bucci retomou o assunto em artigo no Estadão na quinta-feira, reforçando o argumento com a publicidade das delações da Odebrecht. Afinal, se todos roubaram, menos justificado ainda o ódio dirigido especificamente a Lula e ao PT. Todos mereceriam a execração.
O argumento estaria correto, a menos de um detalhe, que não tem nada de pequeno: Lula e o PT se auto-proclamam os porta-vozes dos pobres, os únicos que buscam os verdadeiros interesses do povo. No dizer de Doria, na sua resposta a Bucci, “pretendem deter o monopólio da virtude”.
Quem não se lembra? Bastava criticar alguma política pública, e você era acusado de não gostar que pobre “andasse de avião”, ou que “o filho da empregada frequentasse a mesma universidade que os ricos”, ou ainda, que “a elite ficou incomodada com a ascenção dos mais pobres”.
Pior do que esse discurso, no entanto, é o tratamento de profeta que Lula recebe. Pessoas supostamente inteligentes, diante de evidências cada vez mais evidentes, preferem atacar a Lava-Jato a admitir que seu profeta talvez não seja, assim, tão santo.
Se um dia Aécio Neves ou Alckmin forem depor ao juíz Sergio Moro, juntarão, quando muito, meia dúzia de curiosos. Já Lula e o PT estão convocando os seus discípulos para defender o seu profeta. Tudo bem que está cada vez mais difícil de encontrar discípulos que atendam ao chamado sem um pão com mortadela, mas me refiro aqui aos intelectuais de miolo mole, que fazem de graça.
Esta é a diferença: o problema de Aécio ou de Alckmin com a justiça é problema deles. O problema de Lula com a justiça é problema de seus discípulos. Discípulos do profeta, que o defendem como se defendessem suas próprias vidas. Imagine se Aécio consegue subir hoje em um carro de som na Paulista e ser aplaudido. Mas Lula consegue. Esta é a diferença.
Eugênio Bucci termina o seu arrazoado com uma chamada ao diálogo. Sim, o diálogo é possível entre duas pessoas racionais, que concordam em respeitar algumas regras básicas, como a honestidade intelectual e o respeito aos fatos. Não é o caso, quando o outro lado é formado não por pessoas racionais, mas por fanáticos do profeta.