Onde está o recheio?

Em uma redação, quando se quer dar uma ideia de amplitude, pode-se usar a expressão “de… até…”. Assim, por exemplo: “o reino animal é riquíssimo, inclui de micróbios até as gigantescas baleias”. Se queremos ir além, dando uma ideia de diversidade, incluímos o verbo “passando por”. A sentença fica, então, assim: “o reino animal é riquíssimo, inclui de micróbios até as gigantescas baleias, passando por seres tão diversos quanto cobras, vacas e seres humanos”. Essa construção, quando usada, geralmente tem por objetivo estressar um ponto comum a todos os objetos, apesar da sua amplitude e diversidade. Aqui, por exemplo, a frase seria coroada com o ponto a ser desenvolvido: todos são seres vivos. O período completo ficaria então: “o reino animal é riquíssimo, inclui de micróbios até as gigantescas baleias, passando por cobras, vacas e seres humanos. Todos são, no entanto, seres vivos”.

Essa aulinha básica de redação veio-me à mente quando li a reportagem acima. “… um amplo espectro de partidos e figuras políticas, que vai das siglas de esquerda até ex-aliados de Bolsonaro”. Está aí a expressão “de… até…”, que o repórter usou para tentar mostrar a amplitude do movimento e, por suposto, a grande possibilidades de prosperar. O que falta, no entanto? A expressão “passando por”, para mostrar também a diversidade do grupo. Cadê o recheio do sanduíche?

Siglas e grupos de esquerda pedindo impeachment não é novidade. Fizeram isso com Collor, Itamar, FHC, Temer e, agora, Bolsonaro. O outro extremo é composto por “ex-aliados” de Bolsonaro, que estão lá mais por uma questão de vingança pessoal do que qualquer outra coisa. Onde está a sociedade civil?

O pedido de impeachment de Collor foi entregue ao Congresso por Barbosa Lima Sobrinho. O de Dilma, por Miguel Reale Jr. Dois representantes da sociedade civil acima de quaisquer suspeitas. Onde está o nome da sociedade civil disposto a associar o seu nome a um pedido de impeachment? Reale Jr tem sido bastante crítico a este governo. Isso é uma coisa. Outra coisa, bem diferente, é dar legitimidade a um pedido de impeachment. Por um motivo simples: oposição não é sinônimo de deposição.

Não estou aqui afirmando que um processo de impeachment não possa ser iniciado. Mas, para que haja alguma chance, o “de… até…” precisará ser acompanhado por um “passando por…”. Caso contrário, não passará de factoide político.

Conhecimento vs intenção de voto

A manchete é: “Russomano lidera pesquisa de intenção de voto em São Paulo.

A manchete deveria ser: “Russomano e Covas são bem mais conhecidos do que os outros candidatos”.

A última pergunta do questionário é a mais importante: apenas 15% e 18% dos eleitores não ouviram falar do candidato, nos casos de Russomano e Covas. Em relação aos outros, esse número é perto de 50% ou mais.

Eleição funciona como a compra de um produto. Se alguém lhe parasse na rua e perguntasse qual margarina você compraria da seguinte lista:

  • a) Doriana
  • b) Becel
  • c) Overztol
  • d) Botteram

O que você responderia? O que você acha que a maioria das pessoas responderia? Pois é.

Nessa fase, em que a campanha eleitoral ainda não começou, a intenção de voto não passa de medida de conhecimento da marca. Não é à toa que Russomano sai na frente todo ano. Não estou dizendo que ele não vai ganhar este ano, estou apenas afirmando que ele precisa passar pelo teste da campanha eleitoral, onde derrapou nas últimas eleições.

Cabe notar que no pelotão seguinte de desconhecimento por parte do distinto público estão Boulos, França, Fidelix e Joice. A má notícia para Fidelix e Joice é que, mesmo com um nível de conhecimento intermediário, sua intenção de voto é baixa e sua rejeição é alta, desproporcionalmente alta. Fidelix está lá por folclore, mas Joice está para valer. Vai ter muito trabalho.

Ainda nesse sentido, eu não descartaria de cara Jimar Tatto. Ele é pouco conhecido e conta com a ainda formidável máquina do PT na cidade. Tem capacidade de embolar o meio de campo da esquerda com Boulos e França em busca de uma vaga para o 2o turno. Correm o risco de, se não houver voto útil, ficarem os 3 de fora.

A briga em São Paulo será difícil. Não será um passeio no parque como em 2016, quando Doria venceu no 1o turno pela primeira vez na história da cidade em que não houve 2o turno, na onda do anti-petismo. As forças estão dispersas, o eleitor está desconfiado de todo mundo. Como dizem os antigos, vai ser no fotochart.

O poder é efêmero

Em março do ano passado, estava eu ciceroneando dois investidores japoneses em Brasília, que vêm anualmente para verificar in loco se o país onde eles investiram seu dinheiro ainda existe.

O foco, na época, era a Reforma da Previdência, e todas as conversas com pessoas do Tesouro, do BC e políticos giravam em torno do tema. Estávamos nós fazendo um tour pela Câmara quando notamos uma aglomeração de jornalistas. Perguntei o que era aquilo, e fui informado de que estavam esperando o fim de uma reunião no gabinete da liderança do governo na Casa, em que finalmente seria indicado o presidente da CCJ que iria iniciar a tramitação da reforma da Previdência. De repente o burburinho aumentou, o que indicava fumaça branca. Saem lá de dentro Joice Hasselmann e Onyx Lorenzzoni para dar a notícia: habemus presidente! Uma esfuziante Joice e um compenetrado Onyx anunciavam com pompa e circunstância o nome de Filipe Franceschini para a tarefa. Notava-se que estavam embevecidos pelo papel de destaque na política nacional, com todos aqueles holofotes sobre suas pessoas.

Lembrei-me dessa cena ao saber que Onyx não faz mais parte do primeiro time do governo. Há menos de um ano, ele e Joice davam as cartas. Menos de um ano depois, são uma sombra do que foram.

O poder, em qualquer esfera, é efêmero.

Ciclofaixas e eleições

Ontem senti falta da ciclofaixa do domingo, mas pensei: deve ser por causa da chuva, né?

Nada disso: foi incompetência da prefeitura mesmo, que não conseguiu repor o patrocinador que desistiu do contrato.

Não sei se foi um problema do contrato, que não previa aviso prévio, ou da prefeitura, que dormiu no ponto. Pouco importa. O culpado será sempre o prefeito.

Bruno Covas tem tentado se destacar com pautas da esquerda bem-cheirosa. A falta da ciclofaixa atinge em cheio justamente esse público, digamos, mais sensível à causa. O atual prefeito corre o risco de acabar o mandato falando sozinho.

Esperto é o Doria, que já se movimenta em direção ao seu plano B: Joice Hasselmann. E mais esperto ainda é o Bolsonaro, que já avisou que Joice não é a sua candidata.

As eleições para a prefeitura de São Paulo serão, como sempre, interessantes.

O xadrez da eleição paulistana

Bruno Covas já teria definido sua tática para as eleições de 2020: atacar pela centro-esquerda. Para tanto, contaria com centro-avante contratado do PT, o atual secretário da cultura, Ale Youssef.

Não sei se é verdade (essas notinhas costumam expressar mais a vontade de quem as plantou do que a realidade propriamente dita), mas a narrativa orna com a desastrosa administração Covas até o momento.

E Doria?

Bem, esse joga em todas as pontas. É natural que tenha um discurso partidário a mais de um ano das eleições. Afinal, ele conta com a máquina do partido para o seu projeto nacional. Mas certamente dará também seu apoio a Joice Hasselmann, se esta conseguir a indicação pelo PSL de São Paulo. Será um pouco como nas eleições de 2002, quando FHC tinha Lula como seu candidato in pectore e trabalhou muito pouco pela candidatura de Serra.

Doria, assim, manteria a máquina do partido, mas apostaria no cavalo certamente vencedor. Funcionará? A se ver.

Índex bolsonarista

“Eu e o ministro Onyx vamos reunir uma série de parlamentares. E só tem um jeito de desarmar bombas: é no diálogo. Não tem outra forma.”

“Há insatisfações pontuais, em alguns casos por ansiedade de alguns parlamentares e de alguns partidos, em se sentirem parte do governo”.

“Nós entendemos isso e queremos que tais partidos que querem estar no governo estejam conosco, sem dúvida alguma”.

“O que está faltando é só a gente ajustar o tom do violino para que a música saia mais bonita.

“HASSELMANN, Joice, líder do governo no Congresso.

Mais uma destinada ao índex do bolsonarismo.