Lula voltará à cena do crime. Amanhã, o presidente visitará a refinaria Abreu e Lima, um dos casos mais escabrosos de desperdício de dinheiro na história corporativa brasileira. Este é um ponto fundamental: Lula e o PT irão martelar que Abreu e Lima “não deu certo” por causa da Lava-Jato. A operação liderada por Sérgio Moro teria inviabilizado o que seria um empreendimento de sucesso da Petrobras em parceria com a PDVSA. A manchete da matéria de hoje reforça a lenda.
A verdade é que a corrupção foi o menor dos problemas envolvendo a refinaria de Pernambuco, uma mera cereja do bolo. O dinheiro queimado em uma obra inviável economicamente desde a sua concepção é várias ordens de grandeza maior do que as propinas pagas. Ainda que se possa argumentar que, não fosse a possibilidade de arrecadar propinas, o projeto perderia muito de seu atrativo para o consórcio Lula/Chávez.
Na minha série A Economia na Era PT, há um episódio inteiramente dedicado à Petrobras. A seguir, transcrevo o trecho referente a Abreu e Lima:
“A refinaria Abreu e Lima nasceu do compromisso do governo Lula de estabelecer uma parceria estratégica com o governo da Venezuela, então liderado pelo comandante Chávez. No dia 16/12/2005, a pedra fundamental da nova refinaria foi lançada com a presença dos dois presidentes. O discurso de Chávez fez menção ao seu apoio à reeleição de Lula nas eleições do ano seguinte.
O TCU resume o processo decisório que levou à construção da refinaria Abreu e Lima em um relatório devastador. Segundo o relatório de auditoria do TCU, a decisão de construção da refinaria passou pelas 5 etapas do processo decisório da diretoria da Petrobras sem que houvesse condições para tal. Entre os problemas encontrados, podemos listar os seguintes:
– Parceria com a PDVSA sem definição de responsabilidades: a RNEST (nome oficial da refinaria) precisaria refinar petróleo brasileiro e venezuelano, este de baixa qualidade, o que importou em investimentos adicionais em relação ao custo estimado inicial;
– Já na terceira fase do processo decisório, chegou-se à conclusão de que o projeto teria um VPL (Valor Presente Líquido) negativo de US$ 3 bilhões. Para fazer com que este VPL se tornasse positivo, a diretoria da Petrobras considerou, segundo levantamento do TCU, “elevação do fator de utilização da refinaria para níveis irreais”, “redução da taxa mínima de atratividade” que a Petrobras normalmente utilizava, “ampliação da vida útil do empreendimento de 25 anos para perpétua”, “incentivos fiscais que ainda dependeriam de aprovação legislativa” e “impacto de uma hipotética perda de mercado caso um terceiro construísse uma refinaria semelhante na mesma localização”. Fazendo essas adaptações, o VPL tornou-se positivo em apenas US$ 0,08 bilhões.
– Em 2015, o VPL atingiu a astronômica cifra de US$ 20 bilhões negativos. Foi então que a empresa decidiu interromper a construção com 82% da obra já executada.
O relatório se encerra com o seguinte parágrafo: “O conjunto probatório reunido nos autos levou à conclusão de que, ao longo de sua concepção e implantação, o projeto de construção da Refinaria Abreu e Lima não tinha maturidade técnica adequada e era um investimento inviável economicamente.” Mas, acrescento eu, se encaixava na estratégia de usar a Petrobras como alavanca de desenvolvimento econômico e parceria com governos aliados, além de fonte de propinas.
Lula voltará à cena do crime. Mas, ao contrário do que aconteceria em países mais civilizados, Lula se orgulhará de sua obra e colocará a culpa em Sérgio Moro pelo seu fracasso. Poucas coisas resumem tão bem Lula e o PT do que a refinaria Abreu e Lima.
Provas abundantes de corrupção, inclusive originadas de atores de dentro do esquema, através do instituto da delação premiada. Julgamento célere. Prisão.
Vivemos,durante alguns poucos anos o gostinho de viver em um país civilizado, como os Estados Unidos, por exemplo, onde a corrupção de agentes públicos e privados é punida, independentemente de seu poder político ou econômico. Acordamos, estamos no Brasil.
A desculpa usada para anular todos os processos é de que a vara de Curitiba não era competente para julgar, dado que se tratavam de “crimes eleitorais”. Como se os bilhões desviados da Petrobras fossem mero “crime eleitoral”. O STJ, que também se debruçou sobre essa questão do foro, não viu problemas. Foi preciso que nosso imparcial e impoluto STF, que vê mais longe e sabe o que é bom para os brasileiros, interviesse. No limite, todo crime cometido por políticos e partidos podem ser classificados como “crimes eleitorais”, o que assegura a impunidade aos agentes políticos, dada a notória incapacidade da justiça eleitoral de julgar esse tipo de crime.
Muitos acusam os “exageros da Lava-Jato” (note que sempre aparece assim, de maneira genérica, sem nunca especificar quais teriam sido esses “exageros”) pelo fracasso da operação. O juiz Sérgio Moro não contou com a mesma condescendência que vem merecendo o ministro Alexandre de Moraes, cujo inquérito claramente ilegal das fake news é tolerado em nome da “defesa da democracia”. Mesmo os que hoje se sentem incomodados com essa ilegalidade plantada no meio do STF, a justificam como algo que era necessário para enfrentar uma “situação excepcional”. Moro claramente estava do lado errado da História.
Em coluna de hoje, William Waack análise a crise do Equador, e se pergunta se existe um traço característico da América Latina que nos condene ao baixo crescimento econômico e ao surgimento do crime organizado. Sim Waack, há um traço comum: instituições fracas, incapazes de, entre outras coisas e, principalmente, punir os crimes de suas elites.
Lula e Marcelo Odebrecht estão soltos. Os manés que quebraram os vidros e móveis do STF estão presos. A democracia (brasileira) segue inabalada.
O grande erro da Lava-Jato foi ter tocado no Intocável. Mais sábios foram os juízes do Mensalão, que chegaram, no máximo, ao capataz.
– Ah, mas como é possível ignorar provas? – dirão alguns.
Sempre é possível, trata-se de uma avaliação. No caso, a Lava-Jato assinou a sua sentença de morte ao não ignorar as provas contra o Demiurgo.
Estou entre aqueles que se entusiasmaram com um Brasil que parecia ter amadurecido, um Brasil em que não existem deuses, mas apenas homens pecadores. Estava enganado, há um ser Divino e toda uma corte olímpica a servi-lo.
Lula elegeu-se com apenas um objetivo em mente: colocar atrás das grades Sérgio Moro e todos os procuradores envolvidos em sua prisão. A peça de Toffoli servirá para isso. Tal qual Zeus do alto do Olimpo, não descansará enquanto não amarrar Prometeu ao penhasco para ser comido vivo pelas águias, Prometeu que ousou roubar o fogo da sabedoria e dá-lo aos homens dessa Terra Brasilis.
O ex-governador Sérgio Cabral, o último político ainda preso pela operação Lava-Jato, foi solto ontem. Os críticos da operação, como o editorial do Estadão, afirmam que esta é mais uma evidência de sua precariedade.
De fato, uma prisão preventiva de 6 anos pode parecer tudo, menos legal. Mas a questão não é esta. A pergunta que não quer calar é como um réu confesso como Sérgio Cabral ainda não teve a sua prisão definitiva decretada depois de 6 anos?
A Lava-Jato, a partir de determinado ponto da história, passou a ser o grande problema do sistema judiciário brasileiro. Com suas “práticas ilegais” (prisões preventivas intermináveis, jurisdição indevidamente ampliada, delações premiadas forçadas, combinação entre juiz e promotores), a operação colocou a perder o seu grande esforço de combate à corrupção. O problema desse tipo de avaliação é que as tais “práticas ilegais” foram todas avaliadas e julgadas legais por desembargadores de 2a instância e juízes do STJ. Se ilegalidade houve, Moro e os procuradores não estavam sozinhos nessa.
Os que bradam pela “lei” como o único caminho possível, convenientemente se esquecem que a lei brasileira é garantidora de impunidade. Uma prisão preventiva de 6 anos não é prova de falha da Lava-Jato, mas da incrível incapacidade do sistema judicial brasileiro de colocar corruptos de alto coturno na cadeia. A grande surpresa dos brasileiros foi saber que Sérgio Cabral estava preso preventivamente. Em qualquer país decente, Sérgio Cabral já estaria condenado definitivamente há muito tempo.
A antológica cena do seriado da Netflix sobre a Lava-Jato, em que há júbilo na prisão porque os seus processos foram para o Supremo, conta tudo sobre o sistema judicial brasileiro para quem tem bons advogados.
Mais uma operação desfeita pelo STF (no caso, decisão monocrática de Gilmar Mendes) em razão de “graves irregularidades na coleta de provas”.
Não vou entrar no mérito da decisão, pois não conheço detalhes do processo (e, mesmo que conhecesse, tenho contra mim o fato de ser leigo no assunto). Gostaria de chamar a atenção para o termo usado pelo advogado de um dos acusados: trata-se de ”um dos capítulos mais nefastos do lavajatismo”.
O termo “lavajatismo” denomina toda a operação contra autoridades públicas ou pessoas de influência na sociedade que, supostamente, extrapola a própria competência para produzir provas. Seria uma espécie de “justiceiro universal”, que atropela o ordenamento jurídico do país para fazer a sua justiça. Note que, em nenhum momento, existe a contestação das provas em si (contas no exterior, movimentações muito acima do razoável etc), mas sobre a “competência do juízo”.
O problema está justamente no “ordenamento jurídico” do país. Da forma como esse ordenamento está montado, é virtualmente impossível que alguém de posses ou em posição de poder seja condenado por corrupção. A operação Lava-Jato desafiou esse ordenamento, e hoje o termo “lavajatismo” é usado justamente para denominar esse desafio.
Quando uma operação consegue furar o bloqueio da blindagem montada para proteger criminosos de colarinho branco, sempre existe o STF para colocar as coisas em seus devidos lugares e proteger o “ordenamento jurídico” do país.
Em sua obra “Why Nations Fail”, o economista Daron Acemoglu atribui a pobreza das nações a instituições políticas extrativistas, que protegem as elites contra os interesses da maioria da população. Um “ordenamento jurídico” que torna virtualmente impossível a punição de crimes de corrupção por parte daqueles que sabem como explorar os labirintos desse mesmo “ordenamento jurídico” é um exemplo de instituição extrativista. Enquanto alguns forem mais iguais perante a lei do que outros, permaneceremos em nosso eterno ciclo de pobreza.
No Valor de hoje, pela primeira vez leio um relato completo do que ocorreu no jantar de Lula com a nata do empresariado brasileiro. Vem pela mão da competente jornalista Claudia Safatle, uma das melhores cronistas do desastre do governo Dilma.
De todo o artigo, o único pecadilho é o título, que não faz jus ao que rolou no tal jantar, a tomar a valor de face a narrativa. O BNDES ser usado como indutor do crescimento, além de não ser novidade no discurso de Lula, consegue ser o menor dos males de tudo o que Lula disse no jantar. Vejamos:
– Lula afirmou que ”o BC tem que conversar conosco sobre geração de empregos, não pode ser um BC bitolado em juros e inflação”. Claro, essa afirmação veio depois de criticar a independência formal do BC. O curioso é que, em seus dois mandatos, o então presidente do BC, Henrique Meirelles, teve liberdade para fazer política monetária. Há uma contradição entre o que foi o seu governo e o discurso atual, como se Lula tivesse rasgado uma fantasia. Fico imaginando o que seria essa “conversa” sobre geração de empregos.
– Lula repetiu que acha “um absurdo teto para gasto público”. Ao mesmo tempo, prometeu superávit primário em todos os anos de seu governo. Parece que Lula não tem noção do ajuste necessário para fazer superávit primário, ajuste este que faria o teto de gastos parecer um passeio no parque. Claro, a ideia é sair pelo aumento da arrecadação. O problema é quem vai pagar a conta. Taxar os “super-ricos” é inócuo, pois, além de insuficiente, a base tributável logo desaparece nos planejamentos tributários da vida. Vai sobrar para a classe média mesmo. E classe média, aqui, é todo mundo que ganha mais de 2 salários mínimos.
– Parece que Lula enviou “interlocutores” ao TCU para negociar um waiver sobre as contas públicas nos primeiros anos do seu governo. Imagine só o que ele tem em mente.
– Lula achou “um absurdo” a privatização da BR Distribuidora, mas não pretende reestatiza-la. Bem, se Lula acha importante ter uma empresa que distribui gasolina, imagine o resto. Também achou um absurdo, claro, a privatização da Eletrobrás. Mas, como disse Wilson Ferreira, o presidente da empresa, em outra matéria, o governo não tem dinheiro para reestatizar. Ou seja, é tudo resmungo. A questão só é levantada para deixar claro que não haverá privatizações no governo Lula. Lula prefere pegar o dinheiro dos contribuintes, não de investidores.
Neste ponto do artigo, Safatle diz que Lula começou a “delirar”. É o que afirmou um dos empresários entrevistados. Como se, até o momento, a coisa fosse toda “normal”. Vamos ao “delírio”. Segundo Lula:
– a quadrilha de Curitiba tinha interesse em quebrar as empresas brasileiras para beneficiar as americanas e espanholas.
– a Lava-Jato interrompeu a construção das refinarias pela Petrobras, o que nos daria autossuficiência em refino.
– o custo de extração do petróleo do pré-sal é menor que o custo da Arábia Saudita (na verdade, é 10 vezes maior).
– o mensalão sempre existiu, desde o início da República.
Bem, isso tudo que você leu acima não foi dito em um sindicato ou em uma reunião de artistas ou estudantes. Foram palavras ditas para empresários, um ambiente em que, supostamente, Lula deveria vestir um figurino mais ortodoxo. Como vimos, a coisa foi bem longe disso. Lula não faz questão alguma de esconder o que pretende fazer, nem para plateias menos simpáticas.
De tudo isso, entendo que Lula se dedicará, caso seja eleito, a duas coisas:
1) perseguir pessoalmente Sérgio Moro e Deltan Dalagnol até colocá-los na cadeia e
2) reeditar o “Brasil Grande” custe o custar. E custará, pode ter certeza.
Alguns no mercado estão iludidos pelos três primeiros anos do primeiro governo Lula, como se os 10 anos seguintes do governo PT não tivessem existido. Lula tem insistido em quebrar essa ilusão antes da eleição, mas está difícil.
Confesso que tenho “mixed feelings” com relação à Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito”, que já conta com mais de 500 mil assinaturas no momento em que escrevo este post. Não porque não concorde com seus termos. De fato, o desafio ao resultado eleitoral, ainda mais de véspera, é claramente uma atitude antidemocrática. Por mais que o sistema de apuração do resultado eleitoral, baseado nas urnas eletrônicas, possa ser alvo de críticas, ainda assim trata-se de um sistema usado há mais de 25 anos, sem que, em nenhuma ocasião, tenha havido evidência de fraude. Trata-se de sistema suficientemente seguro, não 100% seguro. Nenhum sistema o é.
Assinar uma carta defendendo que os resultados das eleições sejam respeitados é algo até óbvio. No entanto, a carta não recebeu o nome “Carta em Defesa dos Resultados Eleitorais” ou “Carta em Defesa das Urnas Eletrônicas”. O título da carta é muito mais abrangente e, por que não dizer, grandiloquente: “Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito”.
O Estado Democrático de Direito é algo que vai bem além do respeito aos resultados eleitorais, ainda que os englobem. O Estado Democrático de Direito supõe que a lei deve ser respeitada e, por consequência, todos os que desobedecem à lei devem enfrentar os seus rigores. Os cidadãos de um país em que o Estado Democrático de Direito é respeitado em toda a sua plenitude podem esperar que qualquer um, por mais poderoso que seja, esteja igualmente sob o jugo da lei. Ou seja, a lei deve valer para todos.
Obviamente, não estamos vivendo sob um Estado Democrático de Direito pleno. O atual candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhadores teve a sua culpa provada em duas instâncias, e o processo foi considerado íntegro por uma terceira instância. No entanto, com base na interpretação de gravações obtidas ilegalmente, a Suprema Corte do país julgou o juiz de primeira instância do caso como parcial. Para tentar evitar esse desfecho, o ministro Edson Fachin resolveu anular todo o julgamento, com base em uma divergência de foro. E, a partir daí, o atual candidato do PT foi libertado e seus direitos políticos foram restaurados.
É este desconforto que me incomoda em relação à esta carta. Estamos defendendo o Estado Democrático de Direito quando a própria candidatura do PT é uma afronta a este mesmo Estado Democrático de Direito. Claro, formalmente a Suprema Corte devolveu os direitos políticos de Lula, e a Suprema Corte tem a última palavra. Formalmente, o candidato do PT tem o direito de se candidatar. Mas não deixa de ser algo moralmente reprovável, e que fere gravemente o Estado Democrático de Direito. A mensagem é de que a longa mão da justiça não é suficientemente longa para alguns no país.
Por outro lado, a esse respeito, não posso deixar de lembrar a reação do PT ao impeachment de Dilma Rousseff. Chamando de “golpe” um processo legítimo, levado dentro das regras do Estado Democrático de Direito, o PT atacou (e ainda ataca, outro dia Lula voltou a chamar o impeachment de golpe) as bases desse mesmo Estado Democrático de Direito. Na época, comparei a atitude do PT ao de um torcedor que xinga o juiz de ladrão, colocando em dúvida a sua imparcialidade e, portanto, a própria decisão tomada. Em um jogo de futebol, por mais que se reclame do juiz, suas decisões são soberanas.
E é neste ponto que o respeito às regras deve valer para todos. Se o juiz é soberano no caso do impeachment, também deve ser considerado soberano no caso da libertação e recuperação dos direitos políticos de Lula. Não podemos escolher quando vamos respeitar a decisão do juiz, sob pena de tornar a arena do jogo político-institucional um vale-tudo.
É neste ponto que a Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito acerta: ao insinuar que não irá aceitar o resultado eleitoral que não lhe favoreça, Bolsonaro, assim como o PT, também ataca as bases do Estado Democrático de Direito. O STF ter libertado Lula me revolta tanto quanto o impeachment revoltou os petistas. É da natureza do jogo democrático discordar do juiz. E é da natureza do Estado Democrático de Direito respeitar o juiz.
Claro que estamos em período eleitoral, e qualquer manifestação será sempre interpretada como apoio a um dos lados. Mas, ao contrário de cartas #elenão que pulularam em 2018, esta carta foca na aceitação do resultado das eleições, o que vale, supostamente, para ambos os lados. Claro que, com seus ataques ao sistema eleitoral, Bolsonaro é o sujeito oculto da presente carta. Com esses ataques, o presidente conseguiu unir contra si todos os que preferem respeitar o juiz da partida, mesmo não concordando com suas decisões. Por isso, não consigo pensar em tática mais errada.
Uma tática mais inteligente seria justamente apontar para a decisão estapafúrdia do STF. Poderia até chamar de “golpe”, como cansa de fazer o PT em relação ao impeachment. “Golpista não sou eu, é o sistema judiciário brasileiro, que restituiu os direitos políticos de um criminoso”, este sim, poderia ser um mote que jogaria os holofotes sobre o seu adversário e dificilmente daria margem para cartas em defesa do Estado Democrático de Direito. Mas acho que é pedir demais para um político que tem na paranoia a base de seu posicionamento na realidade.
Nesta semana, Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann acusaram a Lava-Jato e a Lei das Estatais de “criminalizar a política”.
O decano do Supremo, em um convescote para comemorar 20 anos de STF, diante de todos os representantes da República (incluindo o presidente da República, os presidentes do Câmara e de Senado, vários parlamentares e ministros do Supremo), afirmou que o tribunal havia devolvido a política aos políticos, que havia sido “expropriada” por juízes.
A presidente do PT, por sua vez, acusou a Lei das Estatais de “criminalizar” a política, ao vetar a presença de políticos nos Conselhos de Administração e diretorias das estatais, além de exigir experiência no ramo para ocupar algum desses cargos. Este entendimento é seguido por caciques do Centrão.
Esta, digamos, visão de mundo, foi comprada a valor de face por Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Seu discurso, em linha com o pensamento de muitos de seus seguidores, é de que a política estava podre de alto a baixo e, portanto, era necessário que um outsider imaculado inaugurasse uma nova era na política brasileira, onde o bem venceria por gravidade, com a força das ruas. Essa visão ingênua da política (na verdade, a negação da política) inundava a minha timeline em 2019 sempre que eu criticava a falta de diálogo de Bolsonaro com o Congresso. Essa postura corroborava, pelo avesso, os discursos de Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann, ao, de fato, identificar toda e qualquer negociação política com corrupção.
Política, cansei de escrever aqui, é divisão de poder para alcançar consensos. Indicar ministros faz parte dessa divisão de poder com a base de apoio no Congresso. Cada partido e cada político fica à frente de uma parte da máquina pública para imprimir a sua visão de mundo nas políticas públicas. Isso é política. Outra coisa, bem diferente, é o recebimento de vantagens por meio de conluio com fornecedores do poder público. Isso não é política, isso é polícia.
A distinção entre política e polícia nos permite entender onde Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann erram. A Lava-Jato e a Lei das Estatais têm como objetivo justamente não deixar que a política vire caso de polícia. No caso da Lava-Jato, o sistema judiciário identificou o uso da atividade política para outros fins que não fazer política. E a Lei das Estatais, nascida das conclusões da Lava-Jato, veio justamente para tornar mais difícil usar uma parte da máquina do governo para outros fins que não fazer política.
Ao atacar a Lava-Jato e a Lei das Estatais, acusando uma suposta “criminalização da política”, Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann, na verdade, estão politizando o crime.
No núcleo da política econômica do PT, chamada de Nova Matriz Econômica (NME), está a crença de que o Estado pode fomentar o crescimento econômico através da escolha de investimentos cirurgicamente escolhidos. Portanto, o crescimento econômico deveria ser o resultado de todas as políticas adotadas pelos governos Lula e Dilma. De fato, se olharmos somente o crescimento, o governo Lula se destaca, conforme podemos observar no gráfico abaixo:
A média do crescimento econômico nos governos Lula foi de 4% ao ano, contra 2,5% de FHC, menos de 0,5% nos governos Dilma, 1,5% no governo Temer e cerca de 1% no governo Bolsonaro (usando previsão de crescimento de 1,5% para 2022 do FMI). Então, é indisputável o fato de que o governo Lula entregou crescimento maior, mas também é inegável que Dilma foi a responsável pela pior performance da economia brasileira na história (estou considerando o ano completo de 2016 para este e os próximos cálculos. Apesar de Dilma ter deixado o cargo em abril de 2016, o PIB daquele ano foi obra de seu governo). Considerando todos os governos do PT (linha verde), temos uma média de crescimento semelhante ao que tivemos nos governos FHC, mas ainda maior do que tivemos posteriormente, com Temer e Bolsonaro.
Mas, na vida, tudo é relativo. Precisamos ver como se saíram nossos pares nestes mesmos períodos. Escolhi para comparação os seguintes países: Chile, Colômbia, Indonésia, Coréia, Malásia, México, Peru, Rússia, África do Sul e Turquia. Deixei de fora, propositalmente, China e Índia, que têm apresentado crescimentos muito superiores à média. O resultado pode ser visto no gráfico a seguir.
Em todos os períodos considerados, o nosso crescimento econômico ficou abaixo dessa amostra de países. A menor diferença (-0,5%) foi, de fato, no governo Lula, seguido por -1,0% (governo FHC), -0,9% governo Bolsonaro), -1,7% (governo Temer) e incríveis -3,3% no governo Dilma. Se, no entanto, considerarmos os governos do PT como um todo, veremos um quadro diferente: a diferença do PT passa a ser a maior (-1,8%), seguido de Temer (-1,7%), FHC (-1,0%) e Bolsonaro (-0,9%). Se considerarmos o governo Temer como de limpeza da casa, ainda carregando grande parte da “herança maldita” dos governos do PT, podemos dividir a história econômica brasileira desde o Plano Real em três partes:
Governo FHC, em que nosso crescimento fica cerca de 1% ao ano abaixo da média dos emergentes ex-China.
Governos PT, em que nosso crescimento fica em quase 2% ao ano abaixo da média dos emergentes ex-China.
Governo Bolsonaro, em que nosso crescimento volta à natural mediocridade brasileira, ou seja, cerca de 1% ao ano abaixo da média dos emergentes ex-China.
A passagem do PT pelo governo, apesar de todos as promessas grandiloquentes de crescimento econômico, entregou-nos um crescimento ainda pior que a média já medíocre do crescimento brasileiro. Isso, apesar de termos políticas de desenvolvimento econômico como nunca antes na história deste país. É o que veremos a seguir.
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
Dilma foi eleita com o epíteto de “Mãe do PAC”. O que era o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento? Além de ser o empacotamento mercadológico de todo e qualquer investimento público ou privado em infraestrutura, para passar a impressão de que o governo estava fazendo algo realmente grandioso, o PAC também contava com incentivos fiscais a alguns setores além do uso intensivo do funding de fundos de pensão públicos e o BNDES. O PAC foi lançado no início do 2º governo Lula, em janeiro de 2007, e renovado, sob o nome de “PAC 2”, por Dilma no início de seu primeiro mandato. O seu lançamento foi cercado da desconfiança do mercado em relação à sua capacidade de acelerar o crescimento de maneira permanente. E, claro, reservava a Dilma um lugar de destaque.
De fato, tivemos uma aceleração da Formação Bruta de Capital Fixo e do investimento público neste período, conforme podemos ver nos gráficos a seguir, que mostram a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que é uma medida do investimento geral na economia, e o Investimento Público do Governo Central.
As médias se referem ao período pré-PAC (até 2006), ao período do auge do PAC (2007-2014) e ao período pós-PAC (2015 em diante). Podemos observar que, na média, a FBCF foi 3 pontos percentuais acima do período pré-PAC e 5 pontos percentuais acima do período pós-PAC. O mesmo ocorre com o investimento do governo, que pulou 1 ponto percentual do PIB em relação ao período pré-PAC, para cair o mesmo tanto no período pós-PAC.
Este é o problema de programas voluntaristas: não existe uma perenidade ao longo do tempo. Enquanto tem gás, o investimento é mantido em patamares artificialmente altos. Quando o gás termina, volta-se ao normal ou até abaixo, pois é necessário pagar as contas. O investimento ser mais alto durante um período curto não tem mérito algum, pois é preciso entender como este investimento afeta o nível do crescimento econômico como um todo. Como já vimos, o crescimento no período que compreende todo o governo do PT (o que considera o período pós-PAC) foi bem abaixo da média de países comparáveis.
Para encerrar esta primeira parte, vamos observar como a indústria se comportou durante este período. Como sabemos, a “reindustrialização” do país é um mantra de todo programa desenvolvimentista, e todo esse esforço certamente tinha este objetivo como um de seus principais. Funcionou? Vejamos no gráfico abaixo, em que plotamos a participação da indústria no PIB:
Podemos observar como a participação da indústria no PIB cai quase que linearmente durante todo o governo PT, tendo iniciado em 21,6% e terminado em 19,0%. Um verdadeiro fiasco, se considerarmos o objetivo declarado.
Até agora, vimos como o crescimento econômico da era PT dependeu de anabolizantes. Um dos principais foi o crédito, via empréstimos do BNDES.
O papel do BNDES
Apesar de ter lançado o PAC em 2007, a grande “mágica” do crescimento começa realmente a partir de 2009, quando o governo Lula inicia o aumento brutal do orçamento do BNDES. No gráfico abaixo, podemos observar o crescimento espetacular do BNDES, que saiu de quase zero em 2008 para 6% do PIB em 2010, crescendo até quase 9% nos anos seguintes. Em dinheiro de hoje, estamos falando em algo próximo a R$ 700 bilhões, uma insanidade, somente possível para aqueles que estão certos do seu sucesso. O aumento do orçamento do BNDES é uma das marcas características dos Anos de Húbris.
Em junho de 2015, com a credibilidade do Tesouro Nacional já na lona, foi aprovada a lei 13.132/2015. Esta lei emendava a lei 12.096/2009, a qual, por sua vez, autorizava o Tesouro a subsidiar os juros dos empréstimos do BNDES. A lei de 2015 seria apenas mais uma de uma série a autorizar o aumento do volume de subsídios, como havia acontecido anualmente desde a lei originária de 2009, a não ser por um pequeno detalhe: foi acrescentado um parágrafo que obrigava o Tesouro Nacional a explicitar o custo dos subsídios concedidos. Seria a primeira vez em que o custo fiscal desse programa seria tratado com transparência. Desde então, o Tesouro mantém um site com os relatórios bimestrais produzidos para atender a essa determinação legal.
O primeiro relatório, referente ao último bimestre de 2015, descreve minuciosamente os mecanismos fiscais por trás dos subsídios ao chamado Programa de Sustentação do Investimento (PSI), nome dado aos aportes de recursos para que o BNDES irrigasse a economia com empréstimos subsidiados. Até 2015, o Tesouro tinha emprestado ao BNDES um total de R$ 524 bilhões, dos quais R$ 452 bilhões foram no âmbito do PSI, conforme podemos ver no gráfico a seguir, retirado do relatório:
De maneira bastante simplificada, podemos resumir o esquema na figura a seguir:
Vejamos:
1. O Tesouro se financia no mercado à taxa Selic vendendo títulos públicos para os “rentistas”. Esta é uma simplificação, pois o custo da dívida pública é normalmente maior que a taxa Selic, mas vamos assumir a taxa Selic para fins didáticos.
2. O Tesouro financia o BNDES através de contratos indexados, em grande parte, à TJLP – Taxa de Juros de Longo Prazo. Ou seja, o BNDES precisa devolver o dinheiro ao Tesouro pagando como taxa de juros a TJLP. Há aqui o que chamamos de subsídio implícito, ou seja, a diferença entre a taxa Selic e a TJLP. Este subsídio não entra em lugar nenhuma da contabilidade pública. Este gasto somente vai ser contabilizado na dívida pública quando o BNDES pagar o empréstimo, e este sempre pode ser rolado. Trata-se de um esqueleto escondido no armário do BNDES. No gráfico abaixo, podemos ver a diferença entre a taxa Selic e a TJLP no período em que o PSI existiu:
3. O BNDES financia o tomador do empréstimo a uma taxa subsidiada, menor que a TJLP. Essa diferença entre a TJLP e a taxa do empréstimo é chamado de subsídio explícito, para o qual o Tesouro tem autorização para devolver a diferença (chamada de “equalização”) para o BNDES. Este é um gasto primário, e deve ser previsto no orçamento público.
Este primeiro relatório produzido pelo Tesouro mostra o tamanho da conta. Entre 2008 e 2015, os subsídios explícitos somaram a bagatela de R$ 36,8 bilhões, ou R$ 4,5 bilhões/ano. Até aí não parece muita coisa. O problema é a previsão dos subsídios explícitos e implícitos APÓS 2015. Sim, porque os contratos com o BNDES vão até 2060! Até lá, trazendo a valor presente os subsídios, a conta soma nada menos do que R$ 200 bilhões!!! Este é o valor a ser gasto para emprestar R$ 450 bilhões a juros camaradas no âmbito do PSI.
Apenas como curiosidade, segue a lista das dez maiores empresas ou empreendimentos que receberam financiamentos do BNDES entre 2007 e 2015 (a fonte está aqui).
Podemos verificar que a Petrobrás obteve nada menos que 18% do total dos empréstimos neste período. Dedicaremos um episódio inteiro à empresa. Podemos notar a presença de várias “campeãs nacionais”, como Embraer, Vale, Odebrecht, Oi e JBS, em uma política de fomento que pretendia criar “multinacionais brasileiras”, com resultados muitas vezes duvidosos. E a Caixa Econômica aparece na lista como repassadora de recursos para o financiamento de projetos de mobilidade e de construção de estádios para a Copa do Mundo.
Qual foi o racional para estabelecer um programa desse tipo? A ideia é que, ao fomentar setores escolhidos, teríamos um boom de crescimento que faria aumentar a arrecadação, tornando bem tranquilo o pagamento desses subsídios ao longo dos anos.
O problema desse tipo de raciocínio está na figura da bicicleta: para manter a bicicleta em pé, é necessário estar sempre pedalando. Usando um pouco de teoria dos jogos, não se trata de um jogo de uma rodada só. O custo do dinheiro para as empresas não pode ser baixo somente na primeira rodada, é preciso que seja sempre, caso contrário vão parar de investir na segunda rodada pelo mesmo motivo que não investiriam na primeira rodada. Não à toa, como vimos no gráfico acima, os recursos para o PSI precisavam sempre crescer, ano após ano.
Só que essa máquina de imprimir dinheiro barato tem um limite, que é justamente o limite de quem financia a festa: o comprador do título público. Quando este nota que tem algo errado na dívida pública, começa a pedir taxas de juros mais altas, aumentando o subsídio implícito do esquema, o que vai piorando a situação, até o momento em que o Tesouro não consegue mais pedalar. Então, a bicicleta cai, como aconteceu em 2015.
E o que aconteceu com o crescimento que deveria ser o resultado deste esquema? Em um relatório de efetividade produzido pelo próprio BNDES em 2015, chega-se à conclusão de que as empresas investiram mais do que se não houvesse o PSI. Isso é o óbvio, só faltava terem investido menos. A questão é entender como estes empréstimos elevaram o crescimento potencial do país, o que está longe de estar provado. Aliás, a julgar pelo crescimento do país após 2016, não houve efeito algum. Descobriu-se que crescimento econômico não é só uma questão de dinheiro barato financiado com dívida pública. Este é só UM dos problemas a serem resolvidos, e não é concedendo-se subsídio que se resolve. É preciso ter segurança das regras, dos contratos, um bom sistema judicial, pouca burocracia, infraestrutura adequada e uma longa lista de etceteras. Não, o crescimento não é uma questão de vontade política, como o governo do PT descobriu.
Esta aventura nos custou R$ 200 bilhões. Aprendemos alguma coisa?
O Sonho Acabou
O que é uma recessão? Recessão é o crescimento econômico negativo. Para entender o que significa isso, precisamos entender o que é crescimento econômico.
Quando falamos de crescimento, estamos comparando o PIB de um ano contra o PIB do ano anterior. O PIB é a soma de todos os produtos e serviços feitos em um país em um determinado ano. O IBGE tem um exemplo bem didático, que ajuda a entender como é calculado o PIB.
Considere a fabricação do pão. De forma bem simplificada, para fabricar o pão é preciso plantar o trigo, fazer a farinha e, finalmente, fazer o pão. Digamos que o agricultor venda o seu trigo para o moinho por R$ 100, o moinho venda a farinha para o padeiro por R$ 200 e o padeiro consiga fabricar 100 pães e venda esses pães para as famílias por R$ 300 (R$ 3 por pão). Em cada etapa, o lucro foi de R$ 100: o agricultor ganhou R$ 100 (considerando, de maneira bem simplista, que ele tenha tido custo zero de produção), o moinho lucrou mais R$ 100 e, finalmente, o padeiro lucrou outros R$ 100. O PIB é a soma de todos esses lucros (ou “valores agregados”). No final, o PIB foi de R$ 300, que foi o preço pago pela família.
Em uma recessão, temos não a criação de valor, mas a destruição de valor. Digamos que, no ano seguinte, o padeiro tenha conseguido vender apenas 90 pães pelo mesmo preço, faturando R$ 270. O PIB, neste caso, teria caído 10%. Sempre que uma empresa produz e vende menos do que no período anterior, sua contribuição para o PIB é negativa. Assim como, se uma empresa “queima” dinheiro em empreendimentos que não produzem lucro, sua contribuição para o PIB é negativa. A grande recessão de 2014-2016, a maior em mais de um século, foi fruto de uma queima sem precedentes de recursos em projetos megalomaníacos por parte do governo, combinada com a queda de confiança da iniciativa privada frente à instabilidade econômica e política do 2º mandato de Dilma Rousseff. A interrupção de obras por todo o país em função dos efeitos da operação Lava-Jato pode ser debitada nesta conta. Para os que acham um exagero chamar a recessão da Nova Matriz Econômica como a maior em mais de um século, temos o gráfico a seguir, em que mostramos, em cada ano, o crescimento do PIB acumulado naquele ano e no ano anterior:
Observe como o PIB recua mais de 5% no biênio 2015-2016, queda maior do que a vivida pelo país durante a Grande Depressão do início da década de 30 do século passado.
Há uma narrativa de que o crescimento econômico começou a declinar fortemente por conta da paralisação que tomou conta do país em função da operação Lava-Jato. Trata-se de uma falsa correlação. Sim, claro, a paralisação de obras cobra o seu preço no PIB, sem dúvida. Mas está longe, muito longe, de explicar toda a profunda recessão que o Brasil enfrentou no biênio 2015-16. Primeiramente, vamos observar a evolução da confiança dos empresários. Como sabemos, se os empresários não estão confiantes, não investirão e o PIB tende a sofrer. No gráfico abaixo, números acima de 100 indicam que há mais empresários avaliando a situação como positiva do que empresários avaliando a situação como negativa, e vice-versa.
Note que a confiança dos empresários (da indústria, do comércio e dos serviços) começa uma lenta mas segura tendência de queda desde 2010. Ou seja, já desde o último ano do governo Lula e durante todo o primeiro mandato de Dilma, a confiança dos empresários começou a declinar, mas ainda permanecendo acima de 100. A partir de 2014, no entanto, o instinto animal dos empresários sente que algo não vai bem. A confiança despenca desde o início daquele ano, e continua em sua queda livre até o final de 2015, iniciando sua recuperação apenas depois do impeachment. Note que o início das denúncias da Lava-Jato ocorre no final de 2014 e as empreiteiras começam a paralisar obras somente a partir de meados de 2015, quando a confiança do empresariado, de maneira geral, já está na lona. Se tomarmos a confiança dos empresários como uma medida que nos dá uma ideia do PIB futuro, podemos concluir que a Lava-Jato pouco tem a ver com este fenômeno.
Vamos analisar de outra forma. O gráfico a seguir mostra o acréscimo ou a perda do PIB medido em reais (valores já deflacionados pela inflação do período).
Podemos observar que, no ponto pior da recessão, o PIB encolheu R$ 400 bilhões em um ano. Segundo reportagem do Estadão de junho de 2017, havia R$ 90 bilhões de obras paradas, que eram tocadas por empreiteiras envolvidas na Lava-Jato.
Uma obra parada não necessariamente subtrai do PIB. O PIB diminui quando o dinheiro já investido naquela obra parada é eliminado do balanço da empresa, como se a obra não valesse nada. Normalmente não é isso o que acontece. A obra é contabilizada por algum valor, até para que possa ser vendida. Ou seja, o valor é menor (há um prejuízo que subtrai do PIB), mas não é zero. Mas digamos que, por hipótese, todas essas obras tenham sido marcadas a zero, ou seja, todo o dinheiro investido tenha virado pó. Neste caso, a Lava-Jato teria subtraído R$ 90 bilhões do PIB. E os restantes R$ 310 bilhões? Pode haver um efeito multiplicador na economia (uma obra parada acaba tendo impacto negativo sobre outras atividades), mas é preciso muito efeito multiplicador para explicar R$ 400 bilhões.
Outra narrativa frequentemente usada para a grande recessão foi a chamada “virada fiscalista” liderada pelo ministro Joaquim Levy a partir de 2015. Esta virada teria consistido em um corte brutal de despesas, em uma política de austeridade que teria afundado a atividade econômica, a qual já vinha cambaleante desde 2014. Vejamos, então, no gráfico abaixo, se houve realmente este corte de despesas.
Podemos observar que não houve corte real (acima da inflação) de despesas até agosto, quando já estávamos afundados na recessão. Pode-se até argumentar que, em uma situação de queda de PIB, o governo teria que agir contra ciclicamente, aumentando as despesas. Esta falta de despesas públicas teria piorado uma situação que já era ruim. O problema desse roteiro está justamente em sua protagonista.
Se tivesse havido uma mudança de presidente da República, a ideia de um “arrocho fiscal” seria muito mais verossímil. O problema é que a mesma pessoa que havia dito que “despesa é vida”, de repente torna-se a campeã do contingenciamento de despesas. Para que esta virada de personalidade fosse verossímil, seria necessário que houvesse um acontecimento de grande impacto, que fizesse a personagem mudar a sua própria natureza. Um roteiro sem esse grande acontecimento seria ininteligível.
Este grande acontecimento foi justamente a queda das receitas causada pela recessão que já havia começado em 2014 e a constatação de que estávamos caminhando para uma grande dificuldade de rolagem da dívida. Ao convocar Joaquim “mãos-de-tesoura” Levy para comandar o ministério da Fazenda, Dilma Rousseff como que abandonou a sua personalidade anterior para assumir uma nova. E foi levada a isso por circunstâncias incontornáveis, acima de sua capacidade de inventar uma realidade paralela.
O problema desse roteiro é explicar por que as receitas vinham caindo, o que obrigou o governo a também cortar despesas. Vínhamos de um período (até 2014, como vimos anteriormente) de gigantescos investimentos alavancados pelo BNDES e pela Petrobrás. Por que raios a atividade começou a recuar? Por que a confiança dos empresários começou a declinar? Onde exatamente o modelo anterior falhou? A prova de que falhou é justamente o início da desaceleração da economia a partir de 2014, apesar de todos os estímulos dados nos anos anteriores. Esta desaceleração antecedeu a desaceleração das despesas patrocinada por Joaquim Levy, que assim agiu porque Dilma Rousseff viu que não havia outra maneira de manter um mínimo de sanidade das contas públicas.
Portanto, culpar a desaceleração das despesas pela grande recessão de 2015-16 é fazer o rabo abanar o cachorro. As despesas foram desaceleradas (nem cortadas foram, apenas se mantiveram estáveis) porque a política anterior causou uma desaceleração anterior das receitas. A pergunta correta a se fazer é: por que, afinal, a política anterior causou a desaceleração das receitas? Culpar o remédio por ter causado a doença não parece ter lógica.
Assim, a Grande Recessão precisa encontrar explicação além da Lava-Jato e do “arrocho” de Joaquim Levy. Pode até ser que estes dois eventos tenham piorado a situação, mas não foram a sua causa principal, até por uma questão, como vimos, de coerência temporal entre os acontecimentos. Se fosse o roteiro de um filme, seria um péssimo roteiro, daquele cheio de pontas soltas, e que tornam o filme ininteligível.
A recessão que se iniciou em 2014 deve ter seus efeitos buscados antes de 2014, não depois. Uma recessão pode ser causada basicamente por três motivos:
Um aperto monetário (elevação das taxas de juros): neste caso, os consumidores postergam o seu consumo e os empresários postergam os seus investimentos;
Um aperto fiscal (corte de despesas governamentais)
Um choque negativo na economia, que faz com que os consumidores e os empresários se retraiam: pode ser uma guerra, uma pandemia ou algum choque de confiança.
Vimos que nada disso ocorreu, pelo menos não na magnitude que justificasse a maior recessão da história brasileira. A única explicação coerente e verossímil é mais simples: o efeito anabolizante terminou, e tivemos que pagar a conta.
Leia todos os episódios da série A Economia Brasileira na Era PT:
Normalmente não acompanho as eleições da OAB. Trata-se de uma realidade distante para mim. No entanto, as eleições deste ano me chamaram a atenção por causa de uma candidata: Dora Cavalcanti.
Dora é advogada criminalista e atende VIPs. Mas seu cliente mais famoso, e pelo qual lembrei do seu nome, foi o grupo Odebrecht, no julgamento da Lava-Jato. Dora é muito atuante no, digamos, direito de defesa de quem tem dinheiro para pagar bons advogados, que sabem como explorar as chicanas processuais da justiça brasileira. É conselheira do Instituo pela Defesa do Direito de Defesa e faz parte do grupo de advogados Prerrogativas (Prerrô, para os íntimos), liderado pelo advogado petista Marco Aurélio de Carvalho, que surgiu justamente como uma reação à Lava-Jato e à “perseguição” a Lula.
A candidata Dora, portanto, tinha lado. Fiquei curioso, então, em ver como os advogados paulistas votariam nessa eleição. O resultado, não posso deixar de registrar, deixou-me animado.
Em primeiro lugar, com 36% dos votos, foi eleita a nova presidente da OAB-SP, Patrícia Vanzolini. Em segundo lugar, o atual presidente da Ordem, Caio Augusto Silva dos Santos, recebeu quase 33% dos votos, em uma chegada muito apertada. E, em um distante terceiro lugar, Dora Cavalcanti recebeu 10% dos votos. O restante foi dividido entre outros dois candidatos.
Na entrevista ao Estadão hoje, a presidente eleita da OAB-SP foi perguntada sobre o que os advogados acham da atuação de Sérgio Moro. A resposta foi brilhante: ao mesmo tempo que, como criminalista, tem sérias restrições ao modus operandi do ex-juiz, reconhece que muitos advogados pensam que Moro atuou dentro das 4 linhas. Sendo assim, apesar de sua posição, reconhece que não pode falar pela advocacia neste aspecto.
Esta pluralidade da advocacia paulista provavelmente explica os mirrados 10% dos votos recebidos por Dora Cavalcanti. Os advogados paulistas decidiram que a OAB deveria trabalhar pelos seus interesses e pelos interesses do Brasil, e não pelos de um partido. A OAB-SP livrou-se, por larga margem, de servir como um braço do PT. Parabéns, advogados de São Paulo.