O marqueteiro volta à ativa

João Santana foi contratado por Ciro Gomes.

João Santana foi o marqueteiro do PT nas campanhas de 2006, 2010 e 2014. É um gênio. Logo após um dos debates entre Dilma e Aécio, em que Dilma foi tratorada pelo adversário, a presidente passou mal. Dizem que simulou a mando do marqueteiro, mas isso é difícil de provar. De qualquer forma, Santana viu ali a oportunidade para reposicionar a candidata: sai a mulher forte, entra a mulher frágil, maltratada por um homem. Dali em diante, Aécio precisou se defender a respeito da questão. Também foi dele a peça que destruiu Marina Silva, aquela em que a comida desaparece da mesa do pobre. Um soco abaixo da linha da cintura e, por isso mesmo, muito eficaz.

João Santana e sua esposa foram condenados por Sérgio Moro. Lavagem de dinheiro, foi o crime. Santana recebeu dinheiro de corrupção para prestar os seus serviços, tendo consciência de sua origem, segundo o suspeitíssimo juiz.

Obviamente nada daquilo aconteceu, foi tudo perseguição de um juiz suspeito. Ciro fica, assim, livre para contratar o marqueteiro e ainda posar de 2o ser humano mais honesto do planeta (o 1o todos sabem quem é). Tudo isso graças à máquina de lavagem de reputações que funciona em uma das pontas da praça dos 3 poderes.

O anúncio de Ciro se deu no mesmo dia em que o pleno do Supremo confirmou a suspeição de Moro. Mas foi só uma coincidência.

A importância do disclaimer de conflito de interesses

Faz parte do trabalho no mercado financeiro a leitura de muitos relatórios. Uma regra básica de qualquer relatório é o “esclarecimento de conflito de interesses”, ou seja, se o autor do relatório tem algum interesse particular na empresa que está analisando. Esse interesse pode ser a detenção de ações da empresa analisada no relatório ou um parente que trabalhe naquela empresa ou, o que é mais comum, se a casa de análise onde o analista trabalha tem algum contrato firmado com a empresa analisada. Neste último caso, inclusive, é prática comum a casa de análise deixar de produzir relatórios sobre aquela empresa específica.

Todos esses cuidados têm uma razão óbvia: como confiar na análise de alguém “conflitado”, como se diz? Podem ser até análises isentas, mas sempre restará a dúvida sobre a sua lisura, dado o conflito de interesses presente.

Esse ponto me veio à mente quando me deparei com artigo no Estadão de hoje do advogado Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga.

Antes de ler qualquer artigo, a primeira coisa que faço é checar as credenciais de quem escreveu. Não se trata de fazer críticas ad hominem, gosto de ler contra-argumentos que desafiem minhas convicções, independentemente de quem escreve. Mas as credenciais fornecem dois elementos importantes para enquadrar o artigo: 1) o grau de conhecimento e especialização do autor do artigo e 2) seus potenciais conflitos de interesse.

Ao se qualificar tão somente como “advogado”, o Dr. Sérgio Alvarenga qualifica-se como alguém 1) especialista e 2) isento. Fui então ler o artigo, para daí tentar extrair algo que pudesse me fazer mudar de ideia a respeito das duas recém estapafúrdias decisões do STF: a mudança de foro e a suspeição de Moro. O que li foram afirmações a priori, interpretações particulares do direito, colocadas como verdades absolutas. E o que é pior, longe do alcance dos “leigos”, que não estariam aptos a entender as filigranas da ciência jurídica. Como se sob a capa do palavrório técnico dos operadores do direito não se escondesse uma realidade plenamente inteligível para quem é alfabetizado.

Depois de ler o artigo, fui atrás de saber quem era o “advogado”, autor do repto anti-Moro. Sérgio Alvarenga é genro e sócio de Mariz de Oliveira, do escritório de mesmo nome, que extrai seu sustento explorando competentemente as chicanas de nosso sistema judicial, com seus infinitos recursos à disposição de quem pode pagar caras bancas de advocacia. Além disso, foi (não sei se ainda é), advogado de Roberto Teixeira da Costa, compadre de Lula e seu “assessor” no rolo do sítio de Atibaia.

Advogar para Lula, para Teixeira da Costa ou para qualquer outro endinheirado não é crime, pelo contrário. Trata-se de uma profissão como outra qualquer. Afinal, todos têm direito ao devido processo legal com a ajuda de um advogado. O que não dá é escrever um artigo no jornal sem fazer o disclaimer de seus eventuais conflitos de interesse no caso, levando o leitor a achar que está diante de uma opinião isenta.

Todo dia é um 3 x 2

Hoje acordei sem vontade de ler o jornal. Ocorreu-me que é a exata mesma sensação que tenho quando meu time perde uma final de campeonato. No dia seguinte, quero passar longe da seção de esportes. Ler para quê? Para reviver os detalhes de uma experiência dolorosa? Para saber dos detalhes de uma comemoração que deveria ser a minha? Não, obrigado.

A comparação do julgamento de ontem com os 3 x 2 da derrota para a Itália na Cooa de 82 foi a primeira que me veio à mente para traduzir o que estava sentindo no momento. Hoje, depois de uma noite de sono, consigo elaborar um pouco mais.

O ser humano é um misto de razão e emoção. Por mais que tentemos separar essas duas dimensões, elas estão imbricadas de tal maneira que, mesmo quando achamos que nossos julgamentos e decisões foram absolutamente racionais, as emoções estão lá, escondidas, atuando.

Dei-me conta dessa verdade tão simples analisando minhas sensações ontem e hoje. Não é racional. Ou melhor, não é só racional. A paixão por um time não tem explicação racional. Do mesmo modo as paixões políticas, por mais que tentemos dar uma roupagem racional às nossas crenças. Se fosse algo absolutamente racional, e se as emoções não tivessem papel nenhum em nossas escolhas políticas, chegaríamos todos, racionalmente, a uma só conclusão: a melhor. Mas aí não seria o planeta Terra, mas Vulcano, o planeta de Mr. Spock.

Mr. Spock é tripulante da USS Enterprise, na famosa série e filmes da franquia Star Treck. Os habitantes de Vulcano não têm emoções, só razão. Nesse mundo, o bem e o mal, o certo e o errado são definidos de maneira rigorosa, sem possibilidade de erro, a não ser a limitação própria da mente humana, quer dizer, vulcânica, que não consegue ver todos os aspectos de uma determinada questão. Em nosso planeta não é assim. As definições de bem e mal, certo e errado, estão sempre envoltas em uma capa espessa de emoções. Ou, para fazer um paralelo melhor com a psique humana, o nosso invólucro racional esconde um núcleo quente de emoções. Procuramos o tempo inteiro racionalizar as nossas escolhas, que já foram feitas a priori pelo nosso núcleo emocional.

Se para a escolha do time isso parece absolutamente claro (afinal, ninguém tem a pretensão de dizer que o seu time é o “certo”, a não ser o Santos, que está acima de qualquer discussão possível), para as escolhas políticas o papel das emoções é muitas vezes subestimado. As nossas escolhas nos parecem tão claras – racionalmente falando – que não nos damos conta que estamos, na verdade, torcendo para um time.

Bem, todo esse longo preâmbulo serve para colocar o problema: existe juiz absolutamente imparcial? A deusa grega Têmis aparece vendada em frente ao STF, simbolizando a imparcialidade que a justiça deve perseguir, resultando na balança equilibrada que a deusa carrega em uma de suas mãos. O problema, como víamos, é que a parcialidade não reside nos olhos, mas no coração: são as emoções que nos levam a fazer pender a balança para um dos lados, mesmo sem percebermos. Quem assistiu ao julgamento de ontem, me diz se os impropérios de Gilmar Mendes têm algo a ver com defesa racional da justiça. Gilmar foi a encarnação do juiz dominado por suas emoções, a própria definição de parcialidade.

Moro tem uma certa aura de Mr. Spock. Seus interrogatórios, principalmente o de Lula, me fizeram lembrar alguns episódios de Star Treck, em que o vulcano Mr. Spock paira soberano sobre a balbúrdia causada pelas emoções humanas. Mas Moro é humano, e certamente tem suas preferências políticas. Essas preferências, no entanto, deveriam permanecer ocultas, justamente para evitar a associação com uma decisão que deveria ser racional. Ao aceitar um cargo no ministério de Bolsonaro, Moro fez o movimento que expôs o seu núcleo emotivo de anti-petismo. Ainda que a sua suspeição provavelmente seria declarada com base nas gravações rackeadas, o movimento de 2018 ajudou a compor o quadro.

Mas agora vem o ponto principal: o fato de qualquer juiz, por ser humano, ter as suas paixões, torna inútil qualquer tentativa de se fazer justiça? Claro que a resposta é não. É preciso, para cada caso, procurar um juiz que não esteja emocional ou racionalmente ligado às duas partes em litígio. Mas, em se tratando de um grande líder político como Lula, seria possível encontrar um juiz não envolvido emocionalmente? Talvez um juiz estrangeiro, mas, mesmo assim, a se julgar por várias manifestações de personagens internacionais a favor de Lula, a escolha deveria ser cuidadosa.

A busca pela imparcialidade absoluta torna impossível o julgamento de grandes líderes políticos. Os juízes, em tese, julgam de acordo com as provas produzidas e reunidas nos autos do processo. Mas vimos nesse processo do Lula que não há provas absolutas: ao mesmo tempo que o triplex me parece uma prova irrefutável de sua ligação com a roubalheira da Petrobras, para outros tratou-se de um subterfúgio usado por um juiz parcial. Não é que cada parte tenha uma única ideia da verdade mas a esconda debaixo de suas paixões políticas. É que as paixões políticas levam cada uma das partes a crer que está sendo muito racional ao acolher ou rechaçar as mesmas provas.

O mesmo ocorre com as mensagens hackeadas. A depender do time em que se esteja, a simpatia ou antipatia que causa a figura de Moro ou Lula, as mensagens dizem tudo ou não significam absolutamente nada. Onde está a verdade?Acordei hoje de manhã sem vontade de ler os jornais. E isso me despertou para a possibilidade de estar agindo mais como um torcedor de time de futebol, o time do Moro, do que como um ser humano que se orgulha de basear suas decisões na racionalidade.

O Brasil continua. A Lava-Jato existiu, e isso mudou o Brasil a seu jeito. Desistir do Brasil é permitir que o time adversário ganhe de WO. Perdemos a final do campeonato, mas há várias temporadas adiante. Olha eu torcendo de novo…

Perseguição

“Perseguição”.

Ouvi muito esse substantivo da boca de Lula, de seu advogado e de petistas de maneira geral. Ao invés de se defender no mérito da acusação, o político pego com a boca na botija normalmente tira da manga a carta da “perseguição”, levando para o campo político um julgamento técnico.

Lembro quando Lula tentou se defender no mérito da questão do triplex. Segundo a defesa, o dono da OAS, Léo Pinheiro, teria tentado agradar Lula, oferecendo o triplex com várias melhorias. Mas, no final, o casal Lula decidiu não comprar o apartamento. Quer dizer, o dono da construtora compra uma cozinha Kitchen no valor de 150 mil, fora todas as outras reformas, só para seduzir um potencial comprador, sem garantia da venda. Ok.

O mesmo mambo jambo o filho 01 tentou fazer colar para explicar as movimentações de sua incrível loja de chocolates. Vimos novamente que, quando a coisa vai para o mérito, não se sustenta. Resta levar para a arena política.

Não me espanta que a tese da “perseguição” tenha vindo à tona novamente. Nada de novo debaixo do sol.

Kafka e o Estado Democrático de Direito

Defensores do Estado Democrático de Direito das mais diversas cores saudaram a decisão da 2a turma do STF de compartilhar os dados apreendidos na operação Spoofing com a defesa de Luís Inácio Lula da Silva.

O racional é o seguinte: todas as partes do processo precisam ter acesso aos mesmos dados. Se a PF, o MP e o juiz tiveram acesso aos vazamentos das conversas entre Moro e os procuradores, por que a defesa não haveria de ter? “Paridade de armas” é um dos pilares da justiça em um Estado Democrático de Direito, segundo seus defensores.

A confusão é grande aqui. Vamos focar apenas na questão formal, ou seja, na ação dos hackers em si. O conteúdo das mensagens e seu significado perde relevância diante da forma como foram obtidas, ainda que, em minha humilde opinião, não invalidem uma vírgula do processo contra Lula.

Imaginemos uma situação em que hackers invadam e sequestrem as comunicações entre Lula e o seu advogado de defesa, para deles obter vantagem. Em uma operação da PF, esses hackers são presos. O MP, então, entra no STF com o objetivo de ter acesso às conversas obtidas pelos hackers. O STF daria acesso em nome da “paridade de armas”?

Alguém poderia dizer que, neste caso, a relação entre réu e advogado é sagrada, e nada pode violá-la, enquanto a relação entre o juiz e os procuradores não é sagrada. No entanto, apesar de não sê-lo, a inviolabilidade da comunicação é princípio basilar em qualquer democracia digna do nome. No momento em que escutas não autorizadas servem como elementos em um processo, o sistema de justiça passa a ser terra de ninguém. Ou seja, inviolabilidade da comunicação também é sagrada, e só pode ser quebrada por ordem judicial em uma democracia.

O argumento de que todas as partes precisam ter acesso a todos os dados do processo é risível. As conversas entre o juiz e os promotores já eram de acesso destes ANTES dos hackers. Por definição. Afinal, são eles os autores das conversas. Imaginemos que os hackers não tivessem tido sucesso em sua empreitada. Qual seria a chance de êxito de uma injunção da defesa de Lula junto ao STF para ter acesso ao conteúdo dos celulares de Moro e procuradores? Nenhuma, por óbvio. E ninguém estaria aqui falando de “paridade de armas”. Quer dizer, foi a própria ação dos hackers que legitimou uma “prova” a ser usada no processo. É coisa de malucos. Ou mal-intencionados.

Do jeito que a defesa de Lula, os ministros do STF e todos os outros defensores do Estado Democrático de Direito colocam a coisa, parece que Lula é Josef K., personagem de Franz Kafka processado e condenado por crime não conhecido pelo próprio réu. Ora, Lula foi condenado por crimes bem conhecidos em processos abertos e com base em provas mais do que robustas, referendadas em duas instâncias adicionais à primeira. Alegar cerceamento de defesa ou parcialidade do juiz é somente mais uma chicana das inúmeras que nosso sistema de justiça é pródigo em oferecer a quem pode pagar bons advogados. A isso chamam Estado Democrático de Direito.

O papel das conjunções adversativas

As conjunções adversativas “mas” e “todavia” ligam duas ideias opostas na mesma frase. Mas não são duas ideias equivalentes. Quem tem um pouco de treino em interpretação de texto, sabe que a segunda frase prepondera sobre a primeira. Ou seja, é depois do “mas” que vem a prioridade do orador, a ideia à qual ele dá mais importância.

Em entrevista ao Estadão hoje, o candidato à presidência do Senado, Rodrigo Pacheco, expõe as suas ideias prioritárias justamente usando as conjunções “mas” e “todavia”.

Apesar do discurso aparentemente equilibrado, na prática ficamos sabendo que Rodrigo Pacheco é contra:

  • o teto de gastos
  • as privatizações
  • a Lava-Jato

Sim, eu sei que ele disse ser a favor, em princípio, dessas ideias. Mas, para ser a favor mesmo, esses conceitos precisariam ter vindo depois do “mas”. Seriam, então, entendidas como cláusulas inegociáveis.

Rodrigo Pacheco está sendo apoiado pelo PT e por Bolsonaro. O PT está apenas sendo coerente com a sua pauta anti-teto dos gastos, anti-privatizações e anti-Lava-Jato. Já Bolsonaro está sendo coerente com sua pauta anti-impeachment. Tudo faz sentido.

O verdadeiro motivo

A disputa pela presidência do Senado está bem menos estridente do que a da Câmara, mas não deixa de ser muito interessante.

Ao contrário da Câmara, onde anunciou apoio ao candidato de oposição ao governo Bolsonaro, no Senado o PT se junta ao governo. Depois de tartamudear algumas justificativas sem nexo, o líder do PT expõe o real motivo do apoio do partido: a “garantia dos direitos fundamentais”. Lê-se, a garantia de que Lula possa disputar as próximas eleições.

Esqueça todo o resto. Só existem dois partidos no Brasil: o partido da Lava-Jato e o partido da Corrupção como Forma de Fazer Política. É nessas horas que fica claro a que partido o nosso político de estimação pertence.