Como você enfrentaria Bonnie & Clyde?

Atenção, contém spoilers!

No fim de semana passado, assisti Estrada Sem Lei, novo filme na Netflix. Conta a história de dois policiais aposentados (Kevin Costner e Woody Harrelson) que finalmente conseguem pegar o casal de assaltantes e assassinos Bonnie & Clyde.

Os dois policiais usam métodos, digamos, pouco ortodoxos: entram em jurisdições para as quais não têm mandato, invadem propriedades sem ordem judicial e por aí vai.

Em determinado momento, o personagem de Harrelson descreve como o personagem de Costner mata a sangue frio, em uma emboscada, um bando de assassinos ainda dormindo, pois estes se recusavam a se render. Aquilo claramente não fazia parte do código de ética da polícia, mas parecia ser a única forma de livrar os povoados daqueles bandidos.

A morte de Bonnie & Clyde se dá mais ou menos da mesma forma: uma emboscada, e tiros suficientes para matar um batalhão. O casal de bandidos já havia matado vários policiais a sangue frio, e o personagem de Costner sabia que era ele ou eles. De fato, o carro do casal estava cheio de armas, prontas a serem usadas.

Esta situação me remeteu à Lava-Jato. Um juiz e procuradores à caça de bandidos que não hesitam em usar todas as armas para fugir do longo braço da lei. Usaram métodos pouco ortodoxos? Talvez, há uma discussão a respeito. Mas a escolha está entre usar métodos pouco ortodoxos ou deixar os bandidos à solta, livres para continuar cometendo seus crimes.

Alguns dizem apoiar a Lava-Jato, elogiam os seus resultados, mas reprovam alguns de seus métodos. Não lhes ocorre que a Lava-Jato é uma coisa só, não dá pra separar os seus resultados de seus métodos. Para alguns tipos de bandidos, primeiro se “passa a bala”, depois se diz “mãos ao alto”. É isso, ou é se conformar em permitir esses bandidos soltos. Não há meio termo.

Não estou aqui dizendo que a Lava-Jato tenha usado ou não métodos pouco ortodoxos. Eu, sinceramente, não tenho condições técnicas para avaliar isso. A única coisa sobre a qual tenho certeza é que os bandidos que estavam sendo perseguidos eram dos mais ardilosos do país, e não seria com salamaleques que seriam presos.

Obviamente não se trata de uma discussão fácil, com uma solução preto no branco. São muitas nuances, mas colocar o juiz e os procuradores como bandidos e os bandidos no lugar de vítimas certamente não é uma delas. O que se discute é se se pode infringir as regras com o objetivo de fazer justiça em determinados casos, uma vez que o sistema judiciário brasileiro é feito de modo a não se conseguir condenar quem pode pagar bons advogados.

O filme mostra que Bonnie & Clyde eram adorados pela população, que os consideravam justiceiros contra os exploradores. Houve verdadeira comoção quando foram mortos, milhares de pessoas compareceram aos seus enterros. Sim, a vida imita a arte.

O que importa é soltar Lula

Não se enganem: esses grampos nos telefones de procuradores e todo esse estardalhaço em torno dos diálogos revelados só está acontecendo porque Lula, o Messias Brasileiro, o Guia dos Povos, a Salvação dos Pobres, está preso. Lula estivesse solto, nada disso estaria acontecendo, mesmo com dezenas de empresários e políticos presos.

O que importa, de verdade, é soltar Lula, o resto é detalhe irrelevante.

Premonição

O grande efeito da decisão de ontem do STF foi a criação de um gigantesco “foro privilegiado” para todos os envolvidos em corrupção com o governo, e não somente os políticos com cargos. Nunca uma cena de filme foi tão premonitória.

Moro, o gênio do mal

Texto da página de Marcos Araújo.


Moro, o gênio do mal:

Há quatro anos, numa tarde chuvosa, Moro sentia-se entediado com seu trabalho. Ao invés de pedir uma remoção, resolveu engendrar uma grande operação, a pretexto de combater a corrupção no país, mas que na verdade teria o único objetivo de condenar e prender o ex Presidente Lula, alijando-o da disputa eleitoral. Assim agindo, esperava obter um cargo no novo governo eleito.

Nem Aécio, nem Dilma, pensou ele, o próximo Presidente será o deputado Jair Bolsonaro, mas para isso Lula não deve disputar a eleição! Procurou, então, a sede da Polícia Federal. Orientou centenas de agentes a forjarem provas, depoimentos, testemunhas e laudos para que o ex Presidente fosse condenado criminalmente.

“Mas por que faríamos isso?”, perguntaram os agentes em coro.

“Porque quero um cargo no novo governo a ser eleito”.

Achando justa a pretensão do magistrado, as centenas de agentes passaram a forjar as provas.

A seguir, Moro procurou o Ministério Público e orientou os procuradores a oferecerem denúncia sem provas, já que pretendia obter o tal cargo. Os procuradores acharam razoável a idéia do Juiz e ofereceram a denúncia, sem qualquer prova.

Não era suficiente. Moro sabia que a sentença condenatória deveria ser mantida em Segunda Instância. Há 27 desembargadores no TRF4, mas Moro sabia em qual Câmara o recurso contra sua sentença seria julgado. Procurou os desembargadores e os avisou.

“Sei que minha sentença condenou o réu sem provas, mas os senhores devem mantê-la tal como está, porque quero um cargo político no próximo governo”.

Entusiasmados com a idéia, os desembargadores não apenas mantiveram a sentença condenatória sem provas,mas também exasperaram a penalidade imposta.

Mas.. não era suficiente. Moro sabia que seria interposto recurso no STF. Incansável, comprou passagens e rumou para Brasília. Reuniu todos os ministros e foi direto ao ponto:

“Os senhores deverão manter minha sentença e também alterar a jurisprudência da Corte, para que seja admitida a prisão após condenação em Segunda Instância, porque quero um cargo no próximo governo, quiçá o de Ministro da Justiça!”.

Os ministros pensaram consigo: “Lascou-se! Se esse juiz de Primeira Instância quer tanto o Ministério da Justiça, vai acabar conseguindo. Melhor fazermos logo o que ele quer, para não haver indisposição com o futuro Ministro da Justiça!”.

Se você achou essa história plausível, a questão não é mais política, mas psiquiátrica. Procure um médico. Teorias da conspiração em excesso podem acarretar sérios danos à saúde mental.

A Lava-Jato sobe a rampa

A Lava-Jato vai subir a rampa do Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro.

Depois de ter derrubado um presidente, desorganizado o sistema político da Nova República e eleito um presidente, nada mais natural do que a Lava-Jato ir para o centro do poder político.

No entanto, é natural também que se questione a conveniência de que uma operação que mexeu com interesses tão arraigados no sistema político tenha o seu maior símbolo envolvido diretamente com esse sistema.

A questão é justamente essa: Moro estaria colocando a sua isenção em dúvida ao ter aceitado o convite de Bolsonaro? A sua atuação como juiz teria, de alguma maneira, sido influenciada pelo seu sentimento anti-PT, compartilhado com Bolsonaro? A operação Lava-Jato estaria finalmente mostrando a sua cara?

A mulher de César deve parecer honesta além de ser honesta, isto é verdade. Por outro lado, vivemos uma situação em que os críticos da mulher de César a criticarão independentemente do que ela faça. Ou seja, a mulher de César é considerada desonesta e não adianta nada parecer honesta.

Moro julgou e condenou Lula. Este é o fato que o torna suspeito. Afinal, como pode alguém condenar Lula, o ser humano mais inocente que já passou por esta Terra? Óbvio que a única explicação possível é de que há interesses escusos envolvidos. O fato de Moro ter aceitado o convite de Bolsonaro somente reforça esta narrativa, não a cria. Ou alguém imagina os petistas falando algo do tipo: “é, o Moro não aceitou o convite, então o Lula deve ser culpado mesmo”. Se e quando Moro fosse indicado para uma vaga no STF, a acusação seria a mesma.

Pois bem. Quão prejudicial para a Lava-Jato é este reforço da narrativa petista? Os resultados alcançados pela operação ficam comprometidos? Parece-me pouco provável. Às vezes nos perdemos na narrativa política e esquecemos que a operação Lava-Jato é técnica: é necessário percorrer várias etapas no processo, colher indícios e provas, fazer audiências e interrogatórios, montar uma peça de acusação que sobreviva ao escrutínio de três desembargadores em 2ª instância e, eventualmente, em instâncias superiores. Cada um acredita no quer ou no que lhe convém, mas é preciso um grande esforço para acreditar que todo este aparato esteja a serviço da causa antipetista. E a ida de Sergio Moro para o governo não muda uma vírgula essa situação, para pior ou para melhor.

Não é o primeiro lance controvertido e ousado do juiz-símbolo da Lava-Jato. O mais famoso foi o levantamento do sigilo telefônico do papo cabeça entre Lula e Dilma, e que impediu a nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil. Atuando na zona cinzenta da lei, Moro impediu a potencial paralização da operação. O juiz de Curitiba já mostrou que não tem medo de assumir riscos calculados quando se trata de combater a corrupção. Ele sabe que não há outro modo de enfrentar crimes cometidos nas altas esferas governamentais. A sua entrada no ministério de Bolsonaro é mais um desses lances ousados, com o mesmo objetivo de sempre.

O que aterroriza o sistema político (e o PT é apenas a voz mais estridente, mas não a única) é que, ao contrário da cantilena habitual dos políticos que assumem ministérios e presidências, o combate à corrupção não é da boca para fora. Moro não assumiria o posto para deixar tudo como está. Pode ser que fracasse, mas não será por falta de tentar. E talento para isso já mostrou que tem de sobra.