Matéria da Exame pergunta: afinal, por que os ingressos para a final da Copa do Brasil estão tão caros?
E eu respondo: porque tem gente disposta a pagar. E como tem! Os ingressos, começando de R$400 no Maracanã, foram vendidos em 24 horas, e tem milhares de pessoas que não conseguiram comprar. Acho até que erraram na mão, poderia ser ainda mais caro. Se tivesse um leilão, o ingresso sairia acima de R$ 1.000 com certeza.
O PROCON-RJ se prontificou a investigar o caso, e deu 72 horas para o Flamengo se explicar. Parece que cobrar “preços abusivos” vai contra o Código do Consumidor. Resta definir o que seria um “preço razoável”.
No meu livro Descomplicando o Economês, explico direitinho essa questão de oferta e demanda. Se o pessoal do PROCON quiser comprar, posso vender um lote do livro a um “preço razoável”.
Se existe um mercado de trabalho perto do que poderíamos chamar de perfeito é o de motoristas de aplicativos. Nesse mercado, patrões (passageiros) e empregados (motoristas) se encontram através de uma plataforma tecnológica (Uber). As curvas de demanda (passageiros) e oferta (motoristas) se encontram praticamente sem atritos, através de um algoritmo de otimização que forma o preço de equilíbrio em cada lugar e a cada hora.A reportagem do NYT afirma que o Uber tem aumentado os preços. Errado. O responsável pela elevação dos preços foi um aumento repentino da demanda em relação à oferta. A demanda tem aumentado nos EUA na medida em que as pessoas vacinadas se sentem mais seguras para sair. Por que a oferta não acompanhou?
A matéria aponta como motivo o receio de alguns motoristas com relação à pandemia. Meio estranho, dado ser este um ganha-pão, e ficar em casa muitas vezes significa passar fome. Há uma outra razão, omitida pela reportagem: o auxílio-emergencial mais generoso do mundo, pago pelo governo americano, no valor de 300 dólares por semana. Aí fica claro: entre arriscar-se a ficar doente e permanecer em casa recebendo sem trabalhar, a decisão parece um no-brain, como dizem os americanos.
Este é um problema que vem afetando empresas no país inteiro, principalmente naqueles serviços de menor remuneração. Em alguns casos, o empresário consegue repassar aos preços, em outros, diminui a sua margem de lucro ou trabalha no prejuízo. O caso do Uber é especialmente fascinante: como o consumidor paga o salário do empregado diretamente a ele, ficando o Uber com um percentual, esta dinâmica de quem leva o prejuízo para casa fica mais evidente.
Em qualquer empresa, há uma disputa sobre a participação no valor produzido pelo negócio. São quatro os contendores: acionistas, empregados, consumidores e fornecedores. Para simplificar, vou deixar os fornecedores de lado nessa análise, assumindo que se trata de um custo fixo. A briga entre esses contendores se dá em torno do preço do produto ou serviço e dos salários. Há um verdadeiro cabo de guerra para puxar preços e salários na direção dos interesses envolvidos: consumidores querem preços os mais baixos possíveis, acionistas querem preços os mais altos possíveis; empregados querem salários os mais altos possíveis, acionistas querem salários os mais baixos possíveis. Em mercados perfeitos, os preços dos produtos e os salários dos empregados se encontram nas curvas de demanda e oferta. Na verdade, nos imperfeitos também, mas os preços e salários, nesse caso, não maximizam a criação de valor. Mas isso é uma outra história, que não vem ao caso aqui.
Os consumidores normalmente compram o produto da empresa, e a empresa paga o salário para os empregados. No caso do Uber, o consumidor paga o salário diretamente para o empregado da empresa, e este repassa uma parte dessa “salário” para a empresa. É natural que, nesse arranjo, fique mais difícil identificar a figura do “acionista”: a plataforma é apenas um intermediário entre o empregado e o consumidor. Na verdade, o Uber quer nos fazer crer que o acionista é o motorista, não existe ninguém no meio. Mas existe. Caso contrário, o Uber seria dispensável, e não é. Por isso, algumas regiões (Califórnia, por exemplo) entendem que é o Uber o empregador, não o usuário. Mas essa é uma discussão longa, que envolve aspectos como dedicação exclusiva e flexibilidade de horário, e que não é o foco dessa discussão.
Pois bem: o Uber poderia, como acionista, diminuir seu lucro para manter os preços e pagar mais para os motoristas saírem de casa. Ocorre que o Uber não dá lucro desde a sua fundação, e gerou prejuízo de US$ 8,5 bilhões em 2019 (2020 foi um ano atípico). Então, o acionista, neste caso, já está subsidiando a corrida do usuário. Os subsídios deveriam ser maiores?
A questão de fundo é qual o valor do produto que atraia um número de usuários que mantenha o negócio em pé. Até o momento, o acionista do Uber está apostando na criação de um mercado que antes não existia. Quantos aqui passaram a “andar de Uber” e antes raramente andavam de taxi? Eu me incluo nessa. Foi criado um mercado. A aposta é que, no futuro, esse mercado será tão grande, as pessoas estarão tão acostumadas, que toparão pagar preços mais altos que viabilizem a existência da plataforma. Sim, porque os acionistas não têm paciência infinita para prejuízos.
O que está ocorrendo no momento é que a curva de oferta de motoristas está sendo mantida artificialmente baixa pelo auxílio emergencial do governo. A afirmação da especialista, de que é preciso aumentar os salários para atrair trabalhadores é só um truísmo que cheira a sindicalismo barato e que não esclarece o essencial: por que há falta de trabalhadores?
Trata-se, obviamente, de um arranjo que não se sustenta no tempo. O governo não consegue pagar 300 dólares por semana para todos os trabalhadores ficarem em casa ad aeternum. Mesmo porque, são esses trabalhadores que gerarão a atividade econômica que dará origem aos impostos que servirão para pagar esse auxílio. Lembrando que a dívida de hoje é o imposto de amanhã.
Seria muito bom que o governo pudesse pagar um salário mínimo para todos os trabalhadores, e as empresas fossem obrigadas a aumentar os salários para atrair esses trabalhadores. A renda de todo mundo iria subir, todos ficaríamos mais ricos. O truque, no entanto, obviamente não se sustenta: o governo não cria renda, apenas transfere renda de uns agentes para outros, seja hoje (impostos), seja no futuro (dívida). No fim, a inflação come o bolo de todo mundo, principalmente dos trabalhadores que foram “ajudados” pelo governo.
O cão de Pavlov liberal que vive dentro de mim começou a salivar quando viu a notícia: “Câmara vai tentar fixar IPCA como teto de reajuste de aluguéis para evitar IGP-M”. Taí o governo se metendo novamente no livre mercado!
Recentemente, negociei dois contratos de aluguel, pedindo para trocar o IGP-M pelo IPCA. Em um deles houve resistência. Não por qualquer motivo financeiro, mas pelo costume. “Sempre foi assim, não sei se será possível mudar”. No final, consegui.
Richard Thaler ganhou o Nobel de Economia em 2017 por suas pesquisas em finanças comportamentais. Ele escreveu um livro muito interessante, Nudge (que pode ser traduzido por “empurrãozinho”), no qual elenca várias situações em que, a depender de como as alternativas são apresentadas, as decisões dos seres humanos são diferentes. Por exemplo, em uma campanha de doações, está provado que se arrecada mais se as opções forem R$ 100, R$ 200 e R$ 500, do que se forem R$ 20, R$ 50 e R$ 100, mesmo havendo um campo para preencher com um valor qualquer de doação.
Thaler dá um nome a políticas públicas que têm como objetivo levar as pessoas a escolher “o melhor”: “paternalismo libertário”. Ele foi muito criticado por isso, mas muitas campanhas governamentais, principalmente nos EUA, levam em consideração os princípios desenhados por Thaler para levar a mudanças de comportamento das pessoas.
No gráfico abaixo, podemos ver as variações anuais do IGP-M e do IPCA ao longo do tempo, mostrando que o IGP-M é bem mais volátil que o IPCA.
O IPCA, por ser muito mais estável ao longo do tempo, reduz sobremaneira os potenciais atritos entre as partes do contrato. Além disso, o IGP-M é um índice que não tem relação com a inflação das pessoas e da maioria das empresas, por ser muito influenciado pelos preços das matérias-primas.
O IPCA, portanto, é claramente um índice superior ao IGP-M para locadores e locatários. Por que, então, o IPCA não é usado em lugar do IGP-M? Costume. É o padrão dos contratos. Ninguém pensa muito no assunto.
Neste contexto, um “empurrãozinho” do governo pode levar a sociedade para um equilíbrio melhor. Estabelecer um índice é a melhor alternativa? Talvez não. Mas deixar do que jeito que está pode ser uma alternativa ainda pior, em um mundo onde a “livre negociação” é exercida por pessoas que muitas vezes nem sabem a diferença entre o IGP-M e o IPCA.
Achei fracas as objeções elencadas na reportagem. Vejamos:
1. “A imposição de um índice “engessaria” o mercado”.
Bem, hoje temos um mercado “engessado” no IGP-M. Apenas trocaríamos o tipo de gesso. A livre negociação entre as partes esbarra, como dissemos acima, na ignorância sobre os índices disponíveis no mercado.
2. “Insegurança jurídica”.
Não vejo como essa lei poderia afetar a segurança jurídica dos contratos, a não ser que fosse retroativa, o que não é o caso.
3. “Expectativa frustrada de retornos em IGP-M por parte de investidores em fundos imobiliários”.
Bem, nesse caso há uma confissão implícita de que o IGP-M é um índice que roda mais alto do que o IPCA. Só que esta é uma não questão: se os reajustes forem mais altos do que a capacidade de pagamento dos locatários, os imóveis ficarão vazios. E é melhor um aluguel reajustado pelo IPCA do que um imóvel vazio. O que temos visto é que essa “expectativa de retorno” dos fundos imobiliários se frustrou mesmo tendo o IGP-M como indexador. No final, o que acaba mandando é o mercado, independentemente do indexador dos contratos. Além disso, a volatilidade não é amiga do investidor: o IPCA permite ter uma previsibilidade maior sobre o fluxo de caixa, o que sempre é desejável.
4. “Risco de desabastecimento e preços elevados”.
Você acha mesmo que um locador vai deixar de alugar o seu imóvel porque o indexador agora é o IPCA e não o IGP-M? Não vejo risco de “desabastecimento”. Ainda mais porque os contratos têm prazo determinado, normalmente 30 meses. Depois disso, vale novamente o mercado. Se o aluguel estiver muito defasado, o locatário pode renegociar e, no limite, pedir o imóvel de volta. Aliás, como sempre foi, não será a mudança do indexador que mudará isto.
Enfim, sempre torço o nariz para intervenções do governo no funcionamento dos mercados. Mas, neste caso específico, acho que vale um “empurrãozinho” para que o mercado assuma um equilíbrio melhor para todos. Talvez Richard Thaler tivesse uma ideia melhor para desenhar essa política. Mas, na ausência do Prêmio Nobel, é o que temos para o momento.
É como dizer: “no Chile, a lei da gravidade vale para tudo”. Como se pudesse ser diferente.
A lei de mercado (ou de oferta e demanda) é a única lei econômica que existe. Há sociedades que se revoltam contra isso, mas nem por isso a lei de mercado deixa de funcionar. Trata-se de uma lei irrevogável.
A vida econômica é uma vida de trocas comerciais. Tudo é precificado de acordo com a oferta e demanda de produtos e serviços. Inclusive os bens mais essenciais. Se precisam ser produzidos, então também obedecerão à lei de mercado.
Se o Estado se mete a regular os preços sem considerar a lei de mercado, as distorções vão se acumulando até o castelo de cartas cair. Não preciso aqui listar os vários exemplos com que a História nos brinda.
Você pode se revoltar contra a lei da gravidade e se jogar pela janela, esperando que ela não funcione para você. Mas depois não reclame quando se espatifar no chão.
A assembleia democrata de Nova York reformou uma lei de inquilinato para torná-la ainda mais inclinada a proteger os inquilinos (ver matéria aqui). Muito justo.
No entanto, como acontece com toda lei bem intencionada, há consequências não intencionais. No caso, protege os atuais inquilinos, mas deixa na chuva os inquilinos do futuro. É o mesmo que ocorre com as leis trabalhistas: protegem quem têm carteira assinada, mas fazem este grupo ser cada vez menor, pois os empresários têm cada vez menos condições de contratar dentro das leis.
A consequência de uma lei que protege os inquilinos é até fácil de antecipar: o número de unidades para locação deve diminuir, e os preços iniciais vão aumentar, pois os proprietários vão querer se proteger. É uma mera aplicação da lei da oferta e da demanda, que não pode ser revogada. Por outro lado, os preços dos imóveis podem até cair em um primeiro momento, pois o incentivo para investimento em imóveis para aluguel desaparece, retirando do mercado potenciais compradores. Em um segundo momento, no entanto, o investimento em imóveis cairá também, afetando a economia como um todo.
Por fim, todos os inquilinos agora estão reféns dos imóveis onde moram. Mudar não faz parte das opções, pois enfrentarão um mercado inóspito de aluguel. Esta lei congela o mercado de locação.
A situação dos caminhoneiros não melhorou após a adoção da tabela de fretes. Na verdade piorou, pois aumentou a oferta de frete, com a aquisição de caminhões para frotas próprias. Deve ter mais caminhoneiro autônomo sem frete do que havia um ano atrás.
Foi um jogo perde-perde: perderam os caminhoneiros, pois houve aumento da oferta de frete, e perderam as empresas, pois tiveram que lançar mão de uma solução menos ótima (por ser menos flexível) para o seu problema de transporte.
Como todo tabelamento de preços, essa tabela de frete nasceu morta, pois os agentes econômicos se adaptam. Não há corporativismo que mude leis básicas da economia.
Na Venezuela, não se encontra o pão tabelado. Isso significa que os donos de padaria são gananciosos? Não. Significa apenas que os donos de padaria não são obrigados a abrir as portas para gerar prejuízo para si mesmos.
Quem tem menos de 40 anos não se lembra, mas vivemos isso no Plano Cruzado. Os venezuelanos (e agora os argentinos) ganhariam muito em estudar esse período da história econômica brasileira.
“A livre iniciativa e a livre concorrência não possuem valor absoluto na ordem jurídica e podem ser relativizados para a salvaguarda de outros valores constitucionalmente protegidos”.
Entre estes outros “valores constitucionalmente protegidos”, segundo a PGR, estão a “dignidade humana” e a “valorização do trabalho”.
Com base nisso que vai acima, estão liberados todo e qualquer tabelamento de preços e salários. Afinal, quem disse que apenas os caminhoneiros estão tendo sua “dignidade humana” vilipendiada, ou tendo o seu trabalho “desvalorizado”?
Não existe “meia” livre iniciativa, assim como não existe “meia” gravidez. No momento que se assume que o Estado pode regular a lei da oferta e da demanda, está aberta a caixa de Pandora do autoritarismo. Ou, no mínimo, a criação de distorções do sistema de preços, que resultam, invariavelmente, em menor crescimento econômico. A história está repleta de exemplos.
Volte para a primeira frase e troque “livre iniciativa” por “lei da gravidade”. A lei da oferta e da demanda é a lei da gravidade da economia.
Estes “planos empresariais” foram criados para driblar as exigências da ANS sobre os planos individuais, principalmente o tabelamento de reajustes e a inclusão da cobertura de novos procedimentos.
A se confirmar esse entendimento do STJ, os planos empresariais de pequenas empresas terão o mesmo destino dos planos individuais: sumirão do mercado.
A justiça pode até ser justa, mas não consegue revogar a lei da oferta e da demanda.