Esqueçam tudo o que vocês ouviram sobre o “novo arcabouço fiscal”. Gastou-se muito tempo e energia discutindo as regras bizantinas boladas pelo ministro da Fazenda e sua equipe, para concluírmos que foi tudo uma perda de tempo. Neste post, vou explicar por quê.
Quando do anúncio do “novo arcabouço fiscal”, que se resumia a um slide de Powerpoint, a sensação que ficou era de que o diabo morava nos detalhes. Pois o tinhoso está lá. E que tinhoso!
O artigo 7o da proposta enviada ao Congresso modifica a Lei Complementar 101, de 2000, a famosa Lei da Responsabilidade Fiscal. São duas modificações fundamentais.
A primeira muda a redação do caput do art. 9o, que dizia o seguinte:
“Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.
Agora, a nova redação:
“Na hipótese de ser verificado, no âmbito da União, que, ao final dos meses de março, junho e setembro, a estimativa de receitas ou despesas poderá não comportar o cumprimento da meta de resultado primário estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da lei de diretrizes orçamentárias, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, o Ministério Público da União e a Defensoria Pública da União:
I – poderão promover, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias;”
Notem a substituição do verbo “promoverão” por um “poderão promover”. Ou seja, o novo arcabouço fiscal acaba com a obrigatoriedade de contingenciamento de despesas para cumprir a meta de resultado primário.
Esta modificação está acompanhada por outra, que completa a obra. Foi acrescentado o parágrafo 6o ao mesmo artigo, com a seguinte redação: “O descumprimento da meta de que trata o caput não configura infração a esta Lei Complementar”. Ou seja, o descumprimento da meta de resultado primário não será mais considerado uma infração à Lei de Responsabilidade Fiscal e, portanto, não mais será considerado um crime de responsabilidade por parte do mandatário.
Então, ficamos assim: a meta de resultado primário virou somente uma carta de boas intenções, sem nenhuma obrigatoriedade ou punição por não cumprimento. Todo o restante do “novo arcabouço fiscal” não passa de mambo jambo para distrair a platéia. Muito se tem falado de que não será possível cumprir a meta de superávit primário sem aumento da carga tributária. Ora, para quê aumentar a carga tributária se a meta não precisa, de fato, ser cumprida?
Resumindo: o “novo arcabouço fiscal” é uma regra frouxa de contenção de despesas, cheia de exceções, e sem um compromisso sério com a produção de superávits primários. 23 anos depois da Lei de Responsabilidade Fiscal, estamos, finalmente, acabando de sepultá-la. Não consigo pensar em maior retrocesso institucional.