O canário na mina

O ministro Paulo Guedes veio a público no meio da semana para comemorar os dados do CAGED. Afinal, foram criados 250 mil novos empregos com carteira assinada, no melhor mês de agosto desde 2010.

Não vou aqui entrar no mérito técnico da coisa, mas qualquer pessoa de bom senso deve entender que não faz sentido comparar esse mês de agosto com meses de agosto de outros anos, dado o profundo impacto da pandemia na série de dados. Em termos técnicos, a pandemia mudou a sazonalidade. Mas, para um governo que busca desesperadamente boas notícias, um passarinho cantando de manhã já é motivo de comemoração. Qualquer governo faria isso.

Mas não é sobre o emprego que quero falar aqui. Meu tema de hoje também é técnico, mas é muito importante e também envolve um recorde: pela primeira vez desde maio de 2002, as LFTs tiveram rentabilidade negativa em setembro.

Vou tentar explicar da melhor maneira que posso. As Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) – rebatizadas de Tesouro Selic no Tesouro Direto – são títulos da dívida pública cuja rentabilidade está atrelada à taxa Selic. São considerados os títulos mais seguros do país, pois não têm risco de crédito (o governo não quebra) e não tem risco de taxa de juros, pois sua rentabilidade é atrelada à taxa Selic.

(Só um adendo técnico sobre este último ponto: um título prefixado tem risco de taxa de juros, pois se a taxa de juros sobe, o detentor desse título perde dinheiro, dado que prefixou a sua taxa de juros e agora as taxas de juros estão mais altas. Isso é o que chamamos de “risco de taxa de juros”. As LFTs não têm esse risco, pois, por serem títulos pós-fixados, quando as taxas de juros sobem, o valor do título acompanha, pois é indexado à taxa SELIC).

Por que, então, sendo tão seguros, esses títulos perderam dinheiro em setembro? Simples: os investidores começaram a pedir um prêmio adicional para comprar esses títulos. Assim, além da taxa Selic, os investidores exigiram uma remuneração adicional de, digamos, 0,25% ao ano. Parece que não é nada, mas desde 2002 os investidores não pediam uma remuneração adicional tão alta. Nem nos tempos da Dilma.

Vamos lembrar 2002. Era ano da eleição, e ficava cada vez mais claro que Lula dessa vez iria levar. O receio do mercado era um calote da dívida pública, a se levar a sério o discurso do PT na época. Por isso, os investidores começaram a pedir remuneração adicional para comprar títulos públicos.

Voltando a 2020. O trecho final do editorial do Estadão (abaixo) deixa claro os motivos deste novo recorde, que não será comemorado por Paulo Guedes. O governo está fazendo piquenique na beira do vulcão, ameaçando com políticas populistas um tênue, muito tênue, equilíbrio fiscal. A rentabilidade negativa do Tesouro Selic é o canário na mina. Espero sinceramente que o governo entenda esses sinais.