A nossa sina

Hoje, Celso Furtado completaria 100 anos de idade. O Valor Econômico fez uma reportagem especial a respeito, da qual destaquei dois trechos e uma foto.

Celso Furtado, como sabemos, representa para a economia brasileira o que Paulo Freire representa para a educação brasileira. É o seu Norte, a água de onde todos os estudantes brasileiros vão beber.

Uma inteligência brilhante, respeitadíssimo em certos círculos no exterior, desenvolveu a teoria-mãe das causas do subdesenvolvimento brasileiro. O remédio? Intervenção forte do Estado, para dirigir os esforços do mercado em direção ao desenvolvimento. Foi o primeiro Ministro do Planejamento do Brasil (quer coisa mais intervencionista do que “planejamento estatal”?) É o patrono dos chamados economistas desenvolvimentistas.

Nos dois trechos destacados, dois economistas desta escola colocam suas ideias, em sintonia com as de Celso Furtado. Infelizmente, o repórter não fez algumas perguntas que eu gostaria de ter feito. Faço-as aqui, e espero sinceramente que tenham uma boa resposta.

No primeiro trecho, Luciano Coutinho lamenta que o “grande impulso” entre as décadas de 30 e 80 tenha sido perdido, quando a industrialização do país foi impulsionada pela intervenção estatal. Além disso, sente falta de um “projeto de país”.

Minhas perguntas para Luciano Coutinho seriam as seguintes:

  • O que causou a grande dívida que quebrou o país na década de 80?
  • O que causou a hiperinflação da década de 80?
  • Em sua opinião, porque um projeto tão vitorioso como a industrialização entre as décadas de 30 e 70 teve um fim?
  • Se foi vitorioso, porque não nos levou a um patamar superior de desenvolvimento?
  • O senhor foi presidente do BNDES entre 2007 e 2016. O que o impediu de implantar um “projeto vitorioso” de desenvolvimento?

No segundo trecho, Bresser-Pereira, outro expoente da escola desenvolvimentista, defende a intervenção do Estado para regular os “preços básicos” da economia, assim como a China faz.

Minhas perguntas seriam as seguintes:

  • Como seria essa “administração correta” do câmbio, juros e preços? Qual o modelo que seria utilizado?
  • Que outra coisa a China fez nos últimos anos, a não ser explorar a sua vantagem competitiva de ter mão de obra barata e não sindicalizada em um regime de força para se transformar na “fábrica do mundo”? Esse modelo poderia ser replicado no Brasil?
  • O senhor foi ministro da fazenda do governo Sarney em 1987. O que o impediu de “administrar corretamente” os juros e o câmbio?

Por fim, a foto. Trata-se de Celso Furtado ladeado por Maria da Conceição Tavares (a mãe dos desenvolvimentistas) e o então candidato Lula, na campanha de 2002. Não tem imagem que melhor sintetize a nossa sina.

A verdade é que nunca deixamos de ser desenvolvimentistas. Celso Furtado não é o culpado por isso. Ele apenas foi o tradutor mais competente de uma mentalidade enraizada no ethos brasileiro.

Pizza em 3 simples passos

Talvez este seja o texto mais claro que li sobre a tese da pizza geral. A pizza é feita em 3 passos:

1) Confundir (propositalmente, pois não admito que uma pessoa inteligente como Bresser Pereira não tenha entendido esse ponto) o modo de doação (caixa 1 ou caixa 2) e o motivo da doação (desinteressada ou como compra de vantagens na administração pública). Para quem quer saber a diferença, sugiro ouvir o depoimento de Marcelo Odebrecht, que explica direitinho, de maneira didática.

2) Afirmar que o crime de que os políticos estão sendo acusados (todos) é de receberem doações ou “presentes” (sim, Bresser-Pereira usa o termo “presente”) via caixa 2.

3) Afirmar que a Lava-Jato somente vai condenar porque a lei (?!?) considera o caixa 2 como crime, quando, na verdade, trata-se dos usos e costumes do brasileiro (você é empresário ou profissional liberal? Tente fazer ou receber pagamentos por fora, e depois explicar para a Receita que se trata de “usos e costumes”).

Pronto! Agora é só levar ao forno, deixar por 50 minutos, e servir!


O acordo necessário (por Luiz Carlos Bresser-Pereira)

O indiciamento de mais 120 políticos, inclusive Fernando Henrique e Lula, mostra que a Operação Laja Jato tende a destruir toda a classe política brasileira. Muitos dirão que isto é “ótimo”, porque os políticos brasileiros são “todos”, ou “praticamente todos”, corruptos. E porque não há dificuldade em substituí-los. Mas estas duas crenças são falsas.

Primeiro, não é verdade que os políticos possam ser facilmente substituídos. Seria bom que muitos o fossem, mas será péssimo que os melhores políticos brasileiros, independentemente de sua cor ideológica, sejam desmoralizados e excluídos da vida pública. A profissão política é a mais importante das profissões, porque são os políticos que fazem as leis e conduzem o Estado; porque são eles que governam. Não se fazem políticos de um dia para outro. Um dia destes vi a entrevista de uma página inteira na Folha de um homem de televisão muito bem-sucedido, sr. Huck, que dizia que estava na hora de pessoas de sua geração assumirem o poder. Concordei com a afirmação, que estava no título, e decidi ler a entrevista. Uma coisa patética. Não havia uma ideia sobre o Brasil; uma ideia sobre o mundo. Apenas autoelogios e considerações vazias sobre a hora de sua geração.

Segundo, não é verdade que todos os políticos são corruptos. Pelo contrário, estou convencido que a grande maioria é honesta, inclusive alguns políticos já condenados pelo Mensalão, como José Genoíno (que conheço bem e admiro) e João Paulo Silva (que não conheço). Agora, no quadro do Lava Jato, é ridículo afirmar que políticos como Fernando Henrique, Lula, e Alckmin são corruptos. E, no entanto, o Judiciário, aplicando a lei, tende a também condená-los.

Por que condenar inocentes? Porque, segundo a lei, o ato receber doações para campanha ou como presente, sem oferecer em troca obra ou emenda – não sendo, portanto, propina –, é, não obstante, ilegal e pode ser entendido como corrupção. Mas não é, não é crime, porque a prática de se receberam doações e presentes sem que o político e a empresa fizessem o devido registro do fato fazia parte dos usos e costumes do país. A partir do Lava Jato e do susto que está causando nos políticos, não fará mais. E será preciso definir um limite para o valor dos presentes, como acontece em outros países. Mas não faz sentido agir retroativamente, considerar políticos eminentes como corruptos, e condená-los.

A imprensa hoje informou que os principais políticos dos principais partidos brasileiros estão se organizando para enfrentar o problema. Isto é mais do que necessário. A solução é a anistia do caixa 2 e regulamentar os presentes. É dar ao Judiciário uma lei que lhe permita não causar uma violência contra o Brasil.

Seria folclórico se não fosse trágico

O que os “intelectuais e artistas” propõem para nos tirar do buraco em que o modelo clepto-desenvolvimentista nos meteu? A mesmíssima fórmula que nos meteu nesse buraco.

Seria folclórico se não fosse trágico. Este texto é a sinopse da desgraça do Brasil e dos hermanos latino-americanos. Nada sintetiza tão bem a obtusidade ideológica que nos trouxe até aqui. A demonização dos rentistas combinado com o desejo de que haja investimentos privados, a convivência de taxas de juros baixas com câmbio desvalorizado na medida certa, e mais um sem-fim de baboseiras e incongruências anacrônicas, que somente colocam a nu o viés ideológico ou a desonestidade intelectual dos signatários.

A maior recessão da história não foi suficiente pra esse pessoal. Eles somente descansarão quando o Brasil tornar-se uma imensa Venezuela.