O que têm em comum os primeiros ministros Viktor Orbán, Boris Johnson e Benjamin Netanyahu com o ex-presidente Jair Bolsonaro? Os quatro representam a direita em seus países. O que os distingue? Os líderes de Hungria, Inglaterra e Israel fizeram questão de liderar pelo exemplo as campanhas de vacinação em seus países. Bolsonaro, não.
De nada adiantou dizer que “quem quis se vacinar teve vacina”, o que é verdade. Disponibilizar vacinas é muito, mas longe de ser o suficiente. Um líder lidera pelo exemplo, e uma campanha de vacinação começa com o exemplo que vem de cima.
Ao jogar a vacinação para o campo ideológico (a direita que defende a liberdade contra a esquerda totalitária que quer impor o que você deve fazer), Bolsonaro se desligou do que queria a maioria da população, que era simplesmente se livrar o quanto antes do vírus. Líderes de direita do mundo inteiro entenderam isso. Bolsonaro, não.
Lula, obviamente, se deixou fotografar sendo vacinado durante a campanha nacional e, ontem, novamente. Não precisa ser muito esperto politicamente para sacar que esse é o contraponto por excelência em relação a Bolsonaro. O ex-presidente perdeu a eleição para um ex-presidiário por meros 1,8% dos votos. Não tenho dúvida de que, se Bolsonaro tivesse seguido o exemplo de seus pares Orbán, Johnson e Netanyahu, a história teria sido diferente. A Covid foi o grande eleitor dessas eleições.
Nada menos do que 76% dos brasileiros concordam com Lula em sua cruzada para baixar as taxas de juros, segundo pesquisa da Quaest.
Não sei qual a pergunta exata feita, mas imagino que tenha sido algo do tipo: “você concorda com o presidente Lula em sua política para baixar os juros?”. Quem seria contra, a não ser alguns brasileiros desalmados e rentistas, que lucram com a miséria do brasileiro?
Sugiro à Quaest que, em sua próxima pesquisa, refaça a pergunta da seguinte forma: ”você concorda com o presidente Lula em sua política para baixar os juros, mesmo com o risco de aumento da inflação?” Desconfio que o resultado será bem diferente.
Todo mundo quer o céu. Faça a pergunta “você quer ser feliz?”, e receberá 100% de sim. O problema da pergunta feita pela Quaest é oferecer o céu sem custo algum. Quem não quer? Os 14% que não concordaram sabem que não existe almoço de graça.
Se tem algo que essa pesquisa nos revela é a ignorância sobre economia da maioria dos brasileiros, o que nos torna presas fáceis de demagogos como Lula.
Estou cansado de ler e ouvir que o Brasil pode se aproveitar de suas florestas e seu clima para surfar a onda da “transição ecológica”, o que quer que isso signifique.
Sei que estarei sendo repetitivo, mas é incrível como aquele episódio dos duendes do South Park é um guia para entender o Brasil. Vejamos:
Etapa 1: temos florestas e fontes de energia limpa
Etapa 2: ?
Etapa 3: ficamos ricos
Lembrando que, na história dos duendes, a etapa 1 consistia em roubar cuecas, o que vem a dar na mesma, dado que não se sabe o que fazer na etapa 2.
Repetimos esse ciclo desde o descobrimento. Tivemos o ciclo da cana de açúcar, do ouro, do café, da borracha e, mais recentemente, do petróleo do pré-sal. Todos eram o passaporte para a riqueza, a sorte grande que nos levaria ao próximo nível. Só que não. Falta a etapa 2.
Continuamos exportando matéria prima, que tornará rico aqueles que conseguem agregar valor (etapa 2). O mesmo vai acontecer (já está acontecendo) com a nossa “biodiversidade”.
Achar que florestas e fontes limpas de energia nos tornarão ricos per si é tão non sense como querer ficar ricos juntando cuecas. Só que menos engraçado.
A professora chega na sala de aula do 9o ano para mais uma aula de Português. Propõe o seguinte tema para a turma:
– Façam uma pequena redação, um parágrafo, sobre a guerra na Ucrânia.
Depois de uma hora de laborioso esforço, Joãozinho entrega a sua redação:
“Precisamos começar um grupo de países que se organiza pela paz. Alguém tem que falar para o Putin e o Zelensky para pararem a guerra. Acho que o Biden tem a clareza que a guerra tem que parar”.
A professora, muito orgulhosa do seu pupilo, elogia a redação:
– Muito bom Joãozinho, sua redação respeita os Direitos Humanos. Guerra é uma coisa muito feia.
Não, essa história não aconteceu, é uma ficção. Mas a redação de Ensino Fundamental é verdadeira.
Daron Acemoglu, em seu clássico Porque as Nações Fracassam (já perdi a conta de quantas vezes citei essa obra aqui), descarta a falta de conhecimento do que é certo ou errado em economia como explicação para as coisas erradas que os governos fazem. Acemoglu desfila alguns exemplos de governantes que, apesar de bem assessorados por acadêmicos reconhecidos, tomaram decisões desastrosas em função de escolhas políticas. Além disso, acrescento eu, há certo tipo de convicção enraizada ideologicamente que ignora as evidências mais comezinhas, preferindo se apegar a esquemas comprovadamente desastrosos, que se justificam pelo desejo de se fazer “justiça social”.
Tendo isso em mente, entende-se porque a sugestão de Amoedo é uma completa idiotice.
Lula não adota “políticas corretas” não porque não as conheça, mas porque ou não quer adotá-las (escolha política) ou simplesmente porque não concorda com elas (convicção ideológica). Imagine tentar convencer Lula a assistir uma “aula” com “professores ortodoxos”.
Mas há outros detalhes que tornam a idiotice realmente completa.
Amoedo caracteriza Haddad como uma espécie de “anteparo ortodoxo” dentro do governo Lula, a penúltima esperança de colocar o governo nos trilhos (a última são Alckmin e Tebet, de quem falaremos em seguida). Como se Haddad não fosse uma extensão de Lula, seu mais fiel escudeiro, e não pensasse exatamente da mesma forma. De onde tiraram a ideia de que Haddad é do mainstream econômico???
Alckmin, por sua vez, teria ideias um pouco melhores. O problema é que o ex-tucano serviu para dar à chapa de Lula aquele ar de frente ampla e, agora no governo, serve para sair naquela foto bem enquadrada tirada pelo Ricardo Stuckert, assumindo a cadeira de presidente quando Lula se ausenta. De resto, foi a terceira opção para o ministério da Indústria, e sequer teve a liberdade de nomear o presidente do BNDES, supostamente seu subordinado. Pérsio Arida, seu representante na transição, entrou mudo e saiu calado, estado em que se encontra até o momento.
Tebet, que foi injustamente esquecida por Amoedo em seu tuíte, também foi a última opção no Planejamento, em uma acomodação de última hora. O fato é que, a julgar pela avalanche de discursos populistas nesses primeiros dias de governo, ambos não passam de peças de decoração no ministério.
Pedir a Alckmin e Haddad que juntem alguns dos melhores economistas do País para uma espécie de “Escolinha do Professor Raimundo” com Lula e seus aliados políticos de esquerda é uma piada de mau gosto, um escárnio diante do desastre que vai tomando forma.
O pior de tudo é ver como ainda há quem se iluda com Lula, acreditando que tudo não passa de falta de informação. Talvez umas aulas sobre a natureza de Lula e do PT para Amoedo e todos os iludidos do mesmo naipe pudesse resolver. Quem sabe seja falta de informação.
“Então ele quer chegar à inflação padrão europeu, e não, nós temos que chegar à inflação padrão Brasil. Uma inflação de 4,5% no Brasil, de 4%, é de bom tamanho se a economia crescer. Você, com 4% de inflação, com 4,5, com a economia crescendo, é uma coisa extraordinária”.
Esse é um pequeno trecho da verdadeira torneira de asneiras que o presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, resolveu abrir em uma entrevista ao repórter do Pravda, quer dizer, da Rede TV, Kennedy Alencar. Vejamos se Lula tem razão em dizer que 3% é inflação “nível europeu”.
Na tabela abaixo, temos um levantamento das metas de inflação nos vários países do mundo que adotam essa sistemática. O levantemento é de 2021, por isso mostra o Brasil com meta de 3,75%.
No nível dos 3% de inflação temos: Albânia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Georgia, Hungria, Indonésia, México, Filipinas e Sérvia. Destes, apenas Albânia, Hungria e Sérvia são europeus. E, sem demérito, 3a divisão da Europa.
Já os países que adotam meta de 4,5% para cima temos: África do Sul, Belarus, Jamaica, Casaquistão, Malawi, Moldávia, Sri Lanka, Tanzânia, Turquia, Uganda, Ucrânia, Uruguai, Bangladesh, Kirguistão, Tadjiquistão, Zâmbia, Gana e Uzbequistão.
Daí, você pergunta: o Brasil quer pertencer ao primeiro ou ao segundo clube? Lula acha que não temos pedigree para pertencer ao clube de Chile, Colômbia e México. Nosso clube é dos vira-latas mesmo.
Em outro trecho da entrevista, Lula afirma que “seu” presidente do BC, Henrique Meirelles, teve total autonomia durante a sua gestão, mas que eles “conversavam”. Meirelles deveria vir a público para esclarecer que tipo de “conversa” o presidente “autônomo” do BC e o presidente da República tinham.
Enfim, o Lula do 1o mandato, aquele que enganou boa parte da Faria Lima, só existiu porque o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, entendia como a economia funcionava. Fernando Haddad, com todo o seu discurso preparado e fino, pensa exatamente como o seu chefe, que só é mais bocudo que o seu ministro. Não tem o mínimo risco de dar certo.
Dois editoriais do Estadão começam a reconhecer que os democratas do país compraram gato por lebre.
No primeiro, lamenta-se que Lula não seja o estadista que a hora do País pede, mas apenas o chefe de um grupelho político revanchista, que insiste em chamar de golpe um processo absolutamente democrático.
No segundo, pede-se ao STF (leia-se Alexandre de Moraes) que seja mais específico na fundamentação de suas decisões em relação à cassação do direito de cidadãos expressarem-se em redes sociais.
Por enquanto, o tom é apenas de lamento e advertência. Mas são os primeiros sinais de que os democratas do País estão incomodados. Lula e Alexandre de Moraes foram instrumentais para que a democracia brasileira expelisse um corpo estranho, Bolsonaro. Agora, começam a “descobrir” que alimentaram um monstro.
Na trilogia Jogos Vorazes, ocorre uma revolução para a deposição do presidente autoritário que comanda o país com mão de ferro. Essa revolução é comandada por uma mulher que, ao assumir o poder, mostra que atuará com um revanchismo que se assemelha muito ao modus operandi do presidente deposto. Em determinado momento, em uma reunião, os democratas se entreolham, sentindo o mesmo desconforto do editorial do Estadão. No filme, dão um jeito no projeto de ditadora. E aqui no Brasil?
Esses conceitos políticos são sempre difíceis de definir, mas vou arriscar: golpe é qualquer mudança (ou permanência) do mandatário de uma nação fora do devido processo legal. Uma mudança do regime pode ocorrer também, mas não é condição necessária. A parte “tricky” dessa definição está no termo “devido processo legal”.
A deposição de Jango, em 1964, revestiu-se de toda a aparência do processo legal. O Congresso aprovou e o STF referendou a troca do mandatário. Foi um golpe ou não?
Lula e os petistas se apegam à suposta fragilidade das “pedaladas fiscais” como caracterização do crime de responsabilidade que embasou o impeachment de Dilma. Assim, sem crime de responsabilidade, todo o processo estaria viciado e, portanto, o devido processo legal não teria sido seguido. Portanto, golpe.
Já gastei rios de bits nesta página para contrapor esse argumento. Meu ponto é outro: ou bem quem apoiou o impeachment é golpista, ou Lula e os petistas são golpistas. Não há meio termo.
O jurista Miguel Reale Jr, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Roussef, e que apoiou Lula no 2o turno contra Bolsonaro, afirma que as declarações de Lula “não ajudam o Brasil”. Dr. Reale, vou mandar aqui a real: Lula está chamando o senhor de golpista. Sim, golpista, igualzinho os depredadores dos três poderes. Segundo Lula, todos os que apoiaram e aprovaram o impeachment praticaram o mesmo ato que os vândalos de Brasília, aliás, chamados frequentemente de “golpistas”.
Como eu, assim como o Dr. Reale, acredito que o impeachment seguiu o devido processo legal, não há outra alternativa a não ser chamar Lula pelo seu devido nome: golpista. É Lula que quer desvirtuar o devido processo legal para manter o poder. Só não o fez em 2016 pelo mesmo motivo que os golpistas de 2023 não o fizeram: falta de condições objetivas. Mas o seu discurso não deixa margem a dúvida.
Dr. Reale e todos os que votaram em Lula para “salvar a democracia” fariam bem em reconhecer que esse discurso é bem mais do que uma “narrativa que não ajuda o País neste momento”. Não. Trata-se de um discurso golpista. É preciso dar nome aos bois.
Esse discurso demonstra, mais uma vez, que Lula faz parte do problema da nossa democracia, não de sua solução. Quanto antes os democratas do país entenderem isso, melhor.
O sistema de metas de inflação foi inaugurado em 1999, após o abandono da âncora cambial em janeiro daquele ano. Por esse sistema, o CMN (Conselho Monetário Nacional) estabelece uma meta para a inflação nos anos seguintes, meta esta que deve ser perseguida pelo Banco Central. Esta meta serve como uma espécie de “âncora” para as expectativas do mercado em relação à inflação futura. Ou seja, na falta de mais informações, os agentes econômicos cravam a “previsão” para a inflação no futuro na meta, pois confiam que o BC vai agir para levar a inflação para lá.
As primeiras metas foram estabelecidas em reunião do CMN em junho de 1999: 8% para 1999, 6% para 2000 e 4% para 2001. Na reunião de 2000, a meta de 2002 foi estabelecida em 3,5%, e na de 2001, a meta para 2003 foi estabelecida em 3,25%. Ou seja, já no início do sistema de metas, a ideia era levar a meta de inflação para os 3%, que era a meta padrão para países emergentes como o Brasil. No entanto, com a desancoragem do câmbio em 2002, a reunião daquele ano reviu a meta para 2003 para 4% e estabeleceu a meta para 2004 em 3,75%, em uma nova tentativa de convergir a inflação no Brasil para 3%.
Assumindo o governo Lula em 2003, a primeira reunião do CMN reviu a meta de 2004 para 5,5% (de 3,75%) e estabeleceu a meta de 2005 em 4,5%. No entanto, ao contrário do governo FHC, os governos Lula e Dilma mantiveram a meta em 4,5% durante todos os seus mandatos. Houve discussões sobre a redução da meta, mas foram mortas na fonte por Lula. A meta somente foi reduzida para 4,25% na reunião do CMN de 2017 para o ano de 2019 e para 4% para 2020. Nas reuniões seguintes, a meta foi sendo reduzida, até chegar na reunião do CMN de 2021, quando a meta de 2024 foi estabelecida em 3%.
Chegamos em 2023, e Lula mostra disposição de voltar a 2003, quando o CMN reviu a meta do ano seguinte. A discussão é: uma meta maior levará necessariamente a juros mais baixos e maior crescimento econômico? Para entender porque não, precisamos entender a lógica por trás do sistema de metas de inflação.
Em um país com viés inflacionário como o Brasil, o controle da inflação por meio de metas parece algo mais parecido com magia do que com ciência. Afinal, sem controlar preços, como garantir que a inflação não sairá do controle? O que está por trás do sistema de metas é uma teoria bem estabelecida em economia, chamada de “expectativas racionais”. Segundo esta teoria, os agentes econômicos, de alguma maneira, conhecem o modelo de economia em que estão inseridos, e assumem que as previsões sobre o futuro desta economia com base neste modelo estão, de maneira geral, corretas. No caso específico do sistema de metas de inflação, os agentes econômicos “preveem” a inflação futura com base em um modelo bem estabelecido, em que o Banco Central controla o preço do dinheiro na economia (a taxa de juros) de modo a trazer a inflação futura para a meta. Assim, o controle da inflação se dá pela “expectativa racional” dos agentes econômicos, que acreditam que o Banco Central cumprirá a sua tarefa de trazer a inflação para a meta. Por isso, quando perguntados sobre a inflação de, por exemplo, 2026, os bancos e consultorias cravam “3%”, porque esta é a meta. Não é que estejam “prevendo” a inflação através da utilização de modelos ultrassofisticados. Nada disso. Estes agentes econômicos simplesmente olham para a meta e creem que o BC fará o serviço direito. Quando acham que o BC não conseguirá trazer a inflação para a meta, colocam um desvio em relação à meta. Por exemplo, a inflação “prevista” para 2024 está em 3,7% contra uma meta de 3%. Ou seja, os agentes econômicos estão prevendo dificuldades para o BC trazer a inflação para a meta neste horizonte de tempo.
E o quê o BC faz para atingir a meta de inflação? Eleva ou derruba a taxa básica de juros, aquela que comanda toda as outras taxas de juros da economia. Taxas mais elevadas fazem com que menos pessoas estejam dispostas a consumir e menos empresas estejam dispostas a investir, esfriando a economia e, por consequência, a inflação. E vice-versa. Mas tem um detalhe importante, e esta é a parte fundamental deste artigo, preste muita atenção: o que realmente importa para o controle da inflação não é a taxa nominal de juros, mas a taxa REAL de juros. Ou seja, a taxa ACIMA da inflação. E não da inflação passada, mas da inflação ESPERADA NO FUTURO. Os agentes econômicos vão tomar suas decisões com base na taxa REAL de juros ESPERADA NO FUTURO.
Vamos a um exemplo numérico. Segundo o relatório Focus, a inflação esperada para 2024 está em 3,7% enquanto a Selic esperada para o final de 2023 está em 12,50%. Portanto, temos que os agentes econômicos esperam uma taxa de juros real de 8,8% no início de 2024. Note que não importa a inflação de 2022, esta já era. O que importa é quanto de taxa de juros real pode ser esperada, esta é a variável chave para a tomada de decisões de consumo e investimentos. Observe, portanto, que o que importa para o BC é a inflação ESPERADA, não a passada.
Aqui entra outro conceito importante: o de TAXA DE JUROS REAL NEUTRA da economia. A taxa de juros real neutra é aquela que mantém a inflação na meta ao longo dos ciclos econômicos. Se a expectativa de inflação está acima da meta, o BC precisa elevar os juros acima dessa taxa de juros real neutra para trazer a inflação para a meta. E, vice-versa, se a expectativa de inflação está abaixo da meta, a taxa praticada deve estar abaixo da taxa neutra. Essa taxa de juros real neutra depende de uma série de fatores estruturais, que vão desde as condições fiscais do país até a sua produtividade (custo Brasil). Quanto piores forem essas condições, maior será a taxa de juros real neutra da economia. Ninguém sabe exatamente quanto é essa taxa a cada momento, mas o conceito é este.
Agora, estamos preparados para entender o que provavelmente aconteceria se a meta para a inflação fosse elevada. Digamos que, na reunião do CMN de junho, decida-se por elevar a meta de 2024 em diante de 3% para 4,5%. Hoje, a expectativa para a inflação de 2024 está em 3,7%. Como dissemos lá no início, não é que os bancos e consultorias tenham uma bola de cristal e “adivinhem” a inflação de 2024. Eles partem da meta (que é 3%), e colocam um desvio de acordo com as incertezas do cenário. Em pouco tempo depois que a meta for elevada, as expectativas serão reajustadas para a nova meta. Portanto, as expectativas de inflação para 2024 em diante serão elevadas, inicialmente, para 4,5%.
Preste atenção neste ponto agora: o que acontece com a taxa de juros real ESPERADA? Ora, se a taxa real esperada antes era de 8,8% (12,5% menos 3,7%), agora é de 8,0% (12,5% menos 4,5%). Ou seja, PARA UM MESMO NÍVEL DE TAXA SELIC, a taxa real esperada DIMINUI em função do aumento da meta e, portanto, da expectativa de inflação.
Como vimos acima, o BC calibra a taxa real esperada em função da taxa real neutra da economia. Não sabemos qual é essa taxa real neutra, mas de uma coisa podemos estar certos: com a queda da taxa real esperada, o BC está mais próximo da taxa real neutra. Digamos, por exemplo, que a taxa neutra seja de 4% ao ano. Com 8,8% de taxa real esperada, a Selic estava 4,8% acima da taxa neutra. Já com 8%, a taxa real esperada está 4% acima da taxa neutra.
Claro que, com uma meta mais alta, o desvio das expectativas em relação a esta meta mais alta será menor do que a que temos hoje. Por exemplo, se as expectativas de 2024 saltarem de 3,7% para 4,5%, teremos um desvio caindo de 0,7% (3,7% menos 3%) para zero (4,5% menos 4,5%). Portanto, o BC poderia praticar uma taxa real esperada menor, em um primeiro momento. Mas note que, mesmo neste primeiro momento, o espaço para praticar taxas NOMINAIS de juros menores é limitado, pois a taxa real esperada já caiu com o aumento da expectativa de inflação. Ou seja, os juros nominais não caem na proporção que desejaria o governo com a mudança da meta.
O problema ocorre no segundo momento do jogo. A única coisa que mudou foi a meta de inflação. Todo o resto, todas as distorções da economia brasileira, permanecem as mesmas. Portanto, a tendência de descolamento da inflação em relação à meta, qualquer que seja, permanece a mesma. Assim, em algum tempo, começarão a aparecer desvios para cima também em relação à meta de 4,5%. É o que vimos no período de 2010 a 2015, em que a inflação permaneceu sempre perto do teto da banda da inflação, a ponto de o mercado acreditar que o BC estava trabalhando com uma meta “informal” de 5,5%. Considerando que a taxa real neutra da economia permanece a mesma em virtude das distorções da economia brasileira, as únicas coisas que vão mudar serão o nível da inflação e o nível da taxa nominal de juros ao longo do tempo, ambas 1,5 ponto percentual para cima. Voltaremos à estaca zero. Quer dizer, estaca zero, não. Estaca zero mais 1,5 ponto percentual. As taxas de juros serão mais altas, não mais baixas, como desejaria o governo.
Uma inflação mais alta prejudica o horizonte de investimento dos agentes econômicos e, portanto, as perspectivas de crescimento econômico, justamente o que se buscava com o aumento da meta para a inflação. Em economia nem tudo é o que parece ser. Não é a meta de inflação que impede o crescimento econômico, mas as inúmeras distorções da economia brasileira. Elevar a meta só serve para disfarçar essas distorções por algum tempo. Como tudo no Brasil, trata-se de um “jeitinho” que não resolve o problema, somente o adia, voltando lá na frente ainda maior.
Via de regra, CPIs são instrumentos da oposição para fustigar o governo de turno. Por isso, o número de assinaturas necessárias para a sua instauração é de apenas 1/3 dos congressistas.
No caso, a “CPI dos atos democráticos” seria uma exceção, pois seu objeto seria o governo já findo e seus bate-paus. Por algum motivo, no entanto, o atual governo, apesar de não ser o objeto da CPI, está desencorajando a sua instalação.
Pode compreender-se esse movimento pelo seu lado virtuoso: afinal, CPIs costumam consumir muita energia do Congresso, e o governo precisa de foco do parlamento para aprovar o que quer que seja. Uma CPI deste tipo pode até gerar dividendos políticos para o governo, mas nada muito além daquilo que toda a cobertura da imprensa e a condenação da opinião pública já não lhe tenham oferecido de bandeja.
Mas há o lado, digamos, do mal. Dizem que uma CPI, você sabe como começa mas não sabe como termina. De repente, alguém descobre alguma coisa não muito ortodoxa de alguém ligado ao governo e pronto, está feito o estrago. Além disso, uma CPI não é formada somente por governistas, e pode servir de palco para os apoiadores do ex-presidente que, hoje, estão na berlinda.
Por isso, entende-se o esforço de Lula e do PT de matar a ideia de uma CPI dos “atos antidemocráticos” na raiz. Mas não deixa de ser paradoxal que o partido que patrocina CPIs sobre as coisas mais intranscendentes, deixe passar a oportunidade de investigar melhor um dos acontecimentos mais chocantes da nossa República nos últimos anos.
Se eu sou bolsonarista, iria brigar para instalar essa CPI. Se o PT não quer, deve ser boa.