O espírito do velho PSDB

O ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, ”desistiu” de votar nulo e agora vai votar em Lula no 2o turno.

A coisa é mais ou menos a seguinte: enquanto estava clara a vantagem de Lula segundo as pesquisas, Arminio declarava voto nulo com a certeza da vitória de seu candidato in pectore. Estava em uma posição confortável, delegando a outros o trabalho sujo e posando de virtuoso no cenário. Agora, com uma diferença bem menor do que mostravam as pesquisas, Arminio decidiu que ele mesmo vai precisar sujar as mãos.

De Arminio na cena política, lembro apenas do memorável debate com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, na campanha de 2014. Arminio, no papel de ministro da Fazenda designado pelo candidato Aécio Neves, era muito mais preparado, mas foi jantado com farinha por Mantega, sob o olhar atônito da mediadora Miriam Leitão. Aquele debate foi simbólico de quanto o PSDB estava despreparado para fazer oposição ao PT. Arminio representa o espírito desse velho PSDB que está morrendo (que já morreu).

O pop-lulismo

Eugênio Bucci, em seu artigo de hoje, celebra as “adesões espontâneas” à candidatura Lula. ”Dancinhas no Tik Tok” e “charges no WhatsApp” estariam surgindo espontaneamente, em um movimento mais cultural do que político. Seria o “pop lulismo”, um movimento pop que transcende a esfera política.

Pelo visto, o petismo que come de garfo e faca “descobriu” a potência das redes sociais, e está encantado. Exatamente o mesmo fenômeno ocorreu em 2018 em torno de Bolsonaro. No entanto, na época, a campanha do atual presidente foi acusada de manipular as redes sociais com robôs e de ter uma central de produção de conteúdo. Quem não se lembra da “denúncia” de financiamento de disparos de WhatsApp por parte de “empresários” às vésperas da eleição? Hoje não, hoje é tudo ”espontâneo”. É o “pop lulismo”. Lula seria “pop” e, portanto, as adesões à sua candidatura seguiriam a lógica da adesão a grandes ídolos.

Bucci não está errado. De fato, uma parte relevante de nossa decisão de voto tem mais a ver com emoção do que com a razão, e líderes populares atraem votos. Mas o professor da ECA-USP trai o seu babaovismo ao negar a Bolsonaro o mesmo caráter. Lula seria o único “líder pop” do Brasil, e a sua eleição seria uma espécie de reconhecimento a esse caráter quase divino do ex-presidiário.

O articulista termina com uma nota de rodapé, comentando o jogo de palavras entre “pop lulismo” e “populismo”. Afirma que essa identificação não é acidental, mas ressalva que há dois tipos de populismo: o do mal, encarnado por Bolsonaro, e o do bem, encarnado por Lula. Daí a defender uma “ditadura do bem” é um pulinho. É dessa cepa que é feita a intelectualidade petista.

Uma aula de crony capitalism

São raros, raríssimos mesmo, os empresários que se reúnem com políticos e pedem coisas como Reforma Adminstrativa ou Reforma Tributária. A agenda, via de regra, versa sobre “incentivos à indústria”, ou “incentivos à atividade econômica”.

Lula entende bem essa agenda. Foi no seu governo que se iniciou a maior operação de injeção de recursos públicos (via BNDES) para o “estímulo ao investimento”, alcunhada de PAC – Plano de Aceleração do Crescimento. Foi debaixo do guarda-chuva do PAC que se abrigaram obras como as refinarias inacabadas da Petrobras, o metrô de Caracas e o Itaquerão. Claro, houve obras meritórias também, mas era tanto dinheiro (quase meio trilhao de reais em dinheiro de 10 anos atrás), que era não mais que óbvio que sobraria dinheiro para todo mundo, inclusive para empresas que não precisavam, mas aproveitaram a boquinha para diminuir seu custo de capital.

Essa política do BNDES foi esteroide em corpo de tísico, deu uma bombada inicial na economia para depois voltar ao normal. Quer dizer, abaixo do normal, pois como o dinheiro acabou, o desmame custou caro para vários setores da economia. Por isso essa espécie de nostalgia, quase um banzo, por parte dos empresários brasileiros. Lula promete retomar a mesma política. Afinal, “investimento não é gasto”. Só faltou parafrasear a sua protegida com um “investimento é vida”.

Se alguém quer entender a definição de “crony capitalism”, ou “capitalismo de laços”, basta ler a notinha acima. Vale mais do que uma aula sobre o assunto.

PS: na minha série sobre a economia brasileira na era PT, dedico um episódio ao crescimento econômico turbinado pelo BNDES. Link nos comentários.

O passado mítico

Entrevista hoje com o analista político argentino Carlos Pagni. Sua leitura do papel do peronismo na debacle argentina é bem interessante. A ideia é simples: Peron usou de uma vantagem competitiva da Argentina no pós guerra para inundar o país de políticas populistas, mas teve a “sorte” de ser deposto e não pegar as consequências nefastas de um modelo não sustentável. Ficou, assim, na memória do povo, o mito de “melhor presidente da história da Argentina” e, desde então, os argentinos procuram voltar àquele passado mítico.

Getúlio Vargas não teve a mesma “sorte”, e seu governo, apesar de ser reconhecido como “defensor dos trabalhadores”, não se notabilizou por uma especial bonança econômica. Nesse sentido, o nosso Peron é Lula.

Entre 2003 e 2010, Lula foi bafejado pela sorte, com a China crescendo dois dígitos todo ano e provocando a valorização dos preços das commodities. A sensação de riqueza fez o governo Lula entrar em um frenesi de populismo que cobrou o seu preço alguns anos depois. No entanto, Lula, a exemplo de Peron, teve “sorte” ao sair do poder antes da debacle, que caiu no colo da sua sucessora. Ficou, então, o mito de um passado glorioso. É este mito que dá a Lula o seu capital de votos.

Olhando para os nossos vizinhos, espero, sinceramente, que não sejamos vítimas de um peronismo tropical, que fará o país estagnar por décadas.

Lula descobre a “regra de ouro”

Em entrevista à imprensa internacional, Lula voltou a atacar a regra do teto de gastos. Diz o candidato do PT que a regra parece “coisa para garantir interesse do sistema financeiro”.

Lula tem razão. O teto de gastos só está aí para garantir que a dívida pública seja solvente ao longo do tempo, o que só interessa aos financiadores da dívida, o sistema financeiro. Mas Lula deveria pensar melhor antes de cuspir na mão que lhe ajuda. Melhor ter um sistema financeiro que cobre o que lhe é devido do que não ter ninguém disposto a financiar as atividades do governo.

Mas o que me chamou a atenção foi o trecho seguinte, que dá uma pista do que Lula tem em mente. Segundo o candidato do PT, o governo responsável não gasta mais do que tem, “a não ser para construir novos ativos que possam fazer o país crescer”.

Isso a que Lula se refere está longe de ser uma novidade. Trata-se da “Regra de Ouro”, a mais antiga regra fiscal do país, nascida na Constituição de 88, e que diz exatamente isso: o governo só pode se endividar para fazer investimentos. Segundo Lula, portanto, bastaria a regra de ouro para resolver o problema fiscal do país, restando ociosas todas as outras regras.

Bem, seria assim se fosse assim. Se a regra de ouro fosse suficiente, não teríamos que ter criado outras regras, como a do superávit primário ou do teto de gastos. Ocorre que, a exemplo dos seus sucedâneos, a regra de ouro foi desmoralizada ao longo do tempo. Primeiro, porque muitos itens foram sendo considerados como investimentos mesmo não sendo. Depois, receitas meramente contábeis, como o lucro do BC com a variação cambial das reservas, foram consideradas na conta. Por fim, mais recentemente, através da aprovação de “créditos extraordinários” no Congresso, uma espécie de “waiver” para burlar a regra. Ou seja, cumprir a regra de ouro a rigor, hoje, demandaria um esforço fiscal ainda maior do que cumprir o teto de gastos. Acho que Lula não foi informado sobre isso.

Isso sem considerar o “estilo PT” de governar. Os grandiosos investimentos realizados através de um BNDES turbinado resultaram na maior recessão da história brasileira. É para esse tipo de “investimento” que Lula quer licença para gastar?

Em defesa do Estado Democrático de Direito

Confesso que tenho “mixed feelings” com relação à Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito”, que já conta com mais de 500 mil assinaturas no momento em que escrevo este post. Não porque não concorde com seus termos. De fato, o desafio ao resultado eleitoral, ainda mais de véspera, é claramente uma atitude antidemocrática. Por mais que o sistema de apuração do resultado eleitoral, baseado nas urnas eletrônicas, possa ser alvo de críticas, ainda assim trata-se de um sistema usado há mais de 25 anos, sem que, em nenhuma ocasião, tenha havido evidência de fraude. Trata-se de sistema suficientemente seguro, não 100% seguro. Nenhum sistema o é.

Assinar uma carta defendendo que os resultados das eleições sejam respeitados é algo até óbvio. No entanto, a carta não recebeu o nome “Carta em Defesa dos Resultados Eleitorais” ou “Carta em Defesa das Urnas Eletrônicas”. O título da carta é muito mais abrangente e, por que não dizer, grandiloquente: “Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito”.

O Estado Democrático de Direito é algo que vai bem além do respeito aos resultados eleitorais, ainda que os englobem. O Estado Democrático de Direito supõe que a lei deve ser respeitada e, por consequência, todos os que desobedecem à lei devem enfrentar os seus rigores. Os cidadãos de um país em que o Estado Democrático de Direito é respeitado em toda a sua plenitude podem esperar que qualquer um, por mais poderoso que seja, esteja igualmente sob o jugo da lei. Ou seja, a lei deve valer para todos.

Obviamente, não estamos vivendo sob um Estado Democrático de Direito pleno. O atual candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhadores teve a sua culpa provada em duas instâncias, e o processo foi considerado íntegro por uma terceira instância. No entanto, com base na interpretação de gravações obtidas ilegalmente, a Suprema Corte do país julgou o juiz de primeira instância do caso como parcial. Para tentar evitar esse desfecho, o ministro Edson Fachin resolveu anular todo o julgamento, com base em uma divergência de foro. E, a partir daí, o atual candidato do PT foi libertado e seus direitos políticos foram restaurados.

É este desconforto que me incomoda em relação à esta carta. Estamos defendendo o Estado Democrático de Direito quando a própria candidatura do PT é uma afronta a este mesmo Estado Democrático de Direito. Claro, formalmente a Suprema Corte devolveu os direitos políticos de Lula, e a Suprema Corte tem a última palavra. Formalmente, o candidato do PT tem o direito de se candidatar. Mas não deixa de ser algo moralmente reprovável, e que fere gravemente o Estado Democrático de Direito. A mensagem é de que a longa mão da justiça não é suficientemente longa para alguns no país.

Por outro lado, a esse respeito, não posso deixar de lembrar a reação do PT ao impeachment de Dilma Rousseff. Chamando de “golpe” um processo legítimo, levado dentro das regras do Estado Democrático de Direito, o PT atacou (e ainda ataca, outro dia Lula voltou a chamar o impeachment de golpe) as bases desse mesmo Estado Democrático de Direito. Na época, comparei a atitude do PT ao de um torcedor que xinga o juiz de ladrão, colocando em dúvida a sua imparcialidade e, portanto, a própria decisão tomada. Em um jogo de futebol, por mais que se reclame do juiz, suas decisões são soberanas.

E é neste ponto que o respeito às regras deve valer para todos. Se o juiz é soberano no caso do impeachment, também deve ser considerado soberano no caso da libertação e recuperação dos direitos políticos de Lula. Não podemos escolher quando vamos respeitar a decisão do juiz, sob pena de tornar a arena do jogo político-institucional um vale-tudo.

É neste ponto que a Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito acerta: ao insinuar que não irá aceitar o resultado eleitoral que não lhe favoreça, Bolsonaro, assim como o PT, também ataca as bases do Estado Democrático de Direito. O STF ter libertado Lula me revolta tanto quanto o impeachment revoltou os petistas. É da natureza do jogo democrático discordar do juiz. E é da natureza do Estado Democrático de Direito respeitar o juiz.

Claro que estamos em período eleitoral, e qualquer manifestação será sempre interpretada como apoio a um dos lados. Mas, ao contrário de cartas #elenão que pulularam em 2018, esta carta foca na aceitação do resultado das eleições, o que vale, supostamente, para ambos os lados. Claro que, com seus ataques ao sistema eleitoral, Bolsonaro é o sujeito oculto da presente carta. Com esses ataques, o presidente conseguiu unir contra si todos os que preferem respeitar o juiz da partida, mesmo não concordando com suas decisões. Por isso, não consigo pensar em tática mais errada.

Uma tática mais inteligente seria justamente apontar para a decisão estapafúrdia do STF. Poderia até chamar de “golpe”, como cansa de fazer o PT em relação ao impeachment. “Golpista não sou eu, é o sistema judiciário brasileiro, que restituiu os direitos políticos de um criminoso”, este sim, poderia ser um mote que jogaria os holofotes sobre o seu adversário e dificilmente daria margem para cartas em defesa do Estado Democrático de Direito. Mas acho que é pedir demais para um político que tem na paranoia a base de seu posicionamento na realidade.

O ponto fraco de Lula

Anne Krueger, além de ter ocupado cargos importantes em instituições multilaterais, é analista respeitada nos meios acadêmico e financeiro. Em artigo no Valor de Hoje, Krueger descreve as agruras vividas pelo Sri Lanka, um país que adotou varia políticas inconsistentes e agora colhe os frutos: inflação, recessão, desabastecimento e instabilidade política. A tese de Krueger é que os países devem corrigir o mais rapidamente possível as inconsistências de suas políticas. Adiar o remédio só piora a doença, exigindo remédios ainda mais amargos mais à frente. Nada que já não saibamos.

Mas o que me chamou a atenção foi o último parágrafo de seu artigo. Anne Krueger coloca o Brasil de 2003 como exemplo positivo de país que fez a lição de casa e colheu bons frutos depois. Quem era o presidente?

Paul Volcker, em entrevista de 2008 que tive a oportunidade de resgatar no último artigo da série sobre a economia na era PT, afirmou exatamente a mesma coisa, que o que o Brasil havia feito desde 2003 era notável.

Tenho ouvido de várias casas de análise gringas que a imagem de Lula na comunidade financeira internacional é positiva. Seu governo, independentemente das condições externas favoráveis, é lembrado como responsável. Anne Krueger e Paul Volcker, que não podem ser acusados de “esquerdistas”, comungam dessa visão.

Aqui não faço julgamento, só constato. É um fato que a imagem de Lula é positiva para o investidor estrangeiro. Dilma é a grande ausente dessas análises, é como se não existisse, ou como se não tivesse nada a ver com Lula.

E, por incrível que pareça, a campanha de Bolsonaro também esqueceu Dilma (pelo menos até o momento) para se perder em uma discussão sem chance de vitória a respeito das urnas eletrônicas. Todas as pesquisas mostram que os temas econômicos (inflação e desemprego) são muito mais importantes hoje do que corrupção. No entanto, ao invés de atacar os pontos fracos na economia do PT, Bolsonaro fica insistindo na tese do “ladrão”, quando a corrupção não tem o mesmo apelo de 4 anos atrás.

Dilma é o ponto fraco do PT, não Curitiba. Enquanto isso, Lula nada de braçada, surfando na onda do seu governo de 20 anos atrás.

La garantia soy yo!

O Brasil é um país que, a cada temporada, adere à dieta da moda com entusiasmo, para desistir logo adiante. A última dieta foi o teto de gastos, abandonada, na prática, pelo governo Bolsonaro.

O que não falta no Brasil são regras fiscais. Regra de Ouro, Lei da Responsabilidade Fiscal, superávits primários, teto de gastos. Uma a uma, essas regras fiscais foram ficando pelo caminho, como memoriais das boas intenções de que o inferno está repleto.

Quando Lula afirma que a lei do teto só tem utilidade para governos irresponsáveis, ele tem razão. Aliás, a regra só foi aprovada no governo Temer justamente por causa da irresponsabilidade dos governos do PT que o antecederam. A ideia era ter uma regra inscrita na Constituição, de modo que fosse muito difícil mudá-la. Não contavam com a astúcia de Rodrigo Pacheco, Arthur Lira e seus companheiros de Congresso, que aprovam PEC como quem troca de camisa.

Lula diz que vai acabar com a regra do teto. Na verdade, Lula vai dar-lhe um enterro digno, dado que, hoje, trata-se de um cadáver insepulto, fedendo na sala. A partir do ano que vem, teremos a inauguração de uma nova regra fiscal, chamada de “La garantia soy yo”. Provavelmente não vai funcionar, como todas as outras. Mas, pelo menos, não perderemos tempo fazendo de conta que estamos seguindo uma dieta rígida. Pelo direito de ser gordo!

A democracia custa caro

A democracia é um bem público, mas nem por isso não custa dinheiro para ser mantida.

A democracia representativa, que é o modelo adotado pelas principais democracias ocidentais, exige a manutenção de partidos políticos. O modelo de financiamento dos partidos varia de país para país. Aqui no Brasil, depois do escândalo da Lava-Jato, o STF decidiu jogar o bebê fora junto com a água suja da bacia, proibindo a doação de empresas para os partidos e restringindo a doação de pessoas físicas. Como os partidos precisam continuar funcionando, o Fundo Partidário foi turbinado desde então, de algo como R$ 500 milhões em 2015 para R$ 1,3 bilhões agora em 2022. Não confunda esta verba com o Fundo Eleitoral, que é de R$ 4,9 bilhões somente para bancar a campanha eleitoral deste ano. O Fundo Partidário serve para manter o dia a dia dos partidos.

Em tese, ter recursos públicos para bancar os partidos políticos tem sentido. Trata-se de blindar os políticos eleitos da influência de quem tem mais dinheiro e pode financiar partidos e campanhas eleitorais. Mas isso é só em tese. Na prática, a corrupção continua sendo uma possibilidade, independentemente de quem doou o dinheiro. Na verdade, a proibição de doações empresariais foi uma benção para as empresas, não para a democracia, pois as honestas ficam livres de achaques de políticos e as desonestas continuam a corromper a um custo mais baixo.

Os partidos têm total discricionariedade no uso do fundo partidário. Por isso, todos esses gastos “denunciados” pela matéria são absolutamente legais. E, no caso em tela, também são morais, dada a particular moral dos partidos de esquerda. A vanguarda do proletariado merece (e sempre teve) um padrão de vida superior. Tentar encontrar contradição na hospedagem de Lula e Janja na suíte presidencial ou de Carlos Lupi em um resort de alto padrão no Caribe para uma reunião da Internacional Socialista (?!?) é perda de tempo. As dachas dos dirigentes soviéticos seguiam na mesma linha. Eles, assim como todos os dirigentes desses partidos, doaram suas vidas para que o proletariado tenha, em algum ponto no futuro, a felicidade da riqueza distribuída entre todos. Nada mais justo, portanto, que os dirigentes já adiantem a sua parte no pagamento desse “outro mundo possível”.

Os três porquinhos e a disciplina fiscal

Até parece uma continuidade do meu post de ontem. Segundo reportagem de hoje, Lula estaria investindo em reuniões com empresários, apesar de continuar demonizando o capital sempre que tem uma chance. A matéria entrevista alguns analistas políticos para procurar desvendar o mistério dessa aparente contradição. Além da velha desculpa de “ganhar o povo com o discurso, mas garantir que fará outra coisa quando eleito” (também conhecido como estelionato eleitoral), outra explicação chamou-me a atenção: a de que Lula estaria se reunindo com empresários para convencê-los de que, antes de um ajuste fiscal, o país precisa de um “ajuste social”. Seria como avisar o peru de que o dia de Ação de Graças está chegando.

Essa ideia de que o país tem muitas urgências sociais e, portanto, não pode priorizar os credores da dívida, não é exclusiva dos petistas. Fui acusado de “insensibilidade” ao criticar a PEC Kamikaze, pois, como sabemos, há muitos passando fome e é urgente resolver esse problema. E a crítica não veio de petistas, mas de pessoas que, até outra dia, chamavam o bolsa-família de bolsa-esmola. O que não faz pela “consciência social” um político de estimação como presidente.

Sempre que ouço essa ladainha do “social x fiscal” lembro da história dos 3 porquinhos. Não sei se as crianças de hoje conhecem a história, mas eu cresci ouvindo e cansei de contar para os meus filhos essa alegoria da prudência. “Primeiro os deveres, depois os prazeres” era a moral da história.

Óbvio que as necessidades sociais dos brasileiros mais pobres não são prazeres, são necessidades reais e urgentes. Não se trata de minimizar essas necessidades ou postergar a sua mitigação. Trata-se, na verdade, de se encontrar o melhor meio de que essas necessidades sejam atendidas de modo permanente, e não com truques que perdem o seu efeito com o tempo. Trata-se de construir uma casa segura.

É neste ponto que o programa econômico do PT é terrivelmente errado. A questão social é um problema urgente, Lula não precisa gastar sua saliva para convencer os empresários e o mercado financeiro sobre este ponto. O problema, como sempre, é como resolver a questão de maneira permanente.

O problema do PT não são seus programas sociais, em grande parte meritórios. O problema está em como financiar isso. Lula, Dilma e o PT já mostraram à exaustão o que pensam sobre isso. Seu plano sempre envolve turbinar setores escolhidos a dedo por uma burocracia iluminada por meio da expansão do crédito de bancos públicos. A preocupação com o equilíbrio fiscal fica em segundo plano, pois o crescimento econômico gerado por essas ações governamentais geraria o aumento da arrecadação que, por sua vez, equilibraria o orçamento público novamente, em um moto-perpétuo virtuoso.

A coisa até que funciona bem enquanto o lobo mau não chega. Os porquinhos se divertem dentro de suas casas de madeira e de palha, comemorando um “novo tempo”. Mas o lobo mau do aumento dos juros globais, da recessão global, das crises globais enfim, sempre chega, e põe abaixo aquelas construções precárias. Já tivemos oportunidade de ver o começo, o meio e o fim dessa história durante os mais de 13 anos de governos do PT.

Em contraste, os chamados pejorativamente de “ortodoxos” são como o porquinho Prático. Não é que desprezemos as necessidades sociais do país. Muito pelo contrário. Queremos que qualquer avanço social seja perene, não frágil a ponto de ser derrubado pelo primeiro lobo mau que apareça. E a única forma de se fazer isso é respeitar a moeda do país. A moeda é o material usado para construir a casa. Se a moeda é fraca como madeira ou palha, a casa se torna frágil. Se a moeda é forte como tijolo, a casa permanece em pé. Cuidar das contas públicas, no final do dia, é cuidar da saúde da moeda. Isso não é, de maneira alguma, incompatível com programas sociais. Mas sim, é incompatível com programas tresloucados de crescimento econômico que não param em pé.

Os empresários que dão apoio a esse tipo de plataforma econômica se dividem em duas categorias: aqueles que acreditam na “mágica do crescimento” (bem poucos) e aqueles que fornecem a madeira e a palha para construir as casas (a maioria). Estes últimos podem até se aproveitar do voo de galinha, mas estarão ajudando a cavar ainda mais o buraco em que nos encontramos. Ou melhor, a construir casas que não param em pé.