Escrevi exatamente isso aqui ontem. O ministro Marco Aurelio toca no nervo do problema: a prescrição é só a cereja do bolo, a questão verdadeira são as décadas que processos levam para serem julgados em Brasília. Queremos a punição após a 2a instância como uma gambiarra constitucional para um problema de celeridade da justiça.
Óbvio que o STF não vai mover uma palha para diminuir a possibilidade de embargos dos embargos dos embargos, nem mudará uma vírgula seus supremos procedimentos. Então, a prisão após condenação em 2a instância é o que resta no país dos puxadinhos.
Ao proibir o trabalho insalubre de gestantes, o STF reconhece o status legal dos nascituros. Sim, porque a única diferença entre uma mulher grávida e uma não grávida é o nascituro. Se a primeira não pode trabalhar em condições insalubres e a segunda pode, então só pode ser por causa da existência do nascituro.
O ministro Marco Aurélio Mello foi o único a divergir, defendendo a “liberdade da mulher no sentido maior”. Nenhuma referência ao nascituro. Marco Aurélio Mello passa a ser o único ministro do STF que pode defender o aborto sem cair em contradição.
Ontem, a liminar do fim do mundo captou corações e mentes dos brasileiros, e passou despercebida outra decisão do ministro Marco Aurelio: a suspensão de um decreto de Temer que permitia à Petrobras vender ativos sem licitação.
O ministro acatou pedido do PT, que via no decreto uma forma do governo continuar a “devastação” da empresa.
Querem saber? Tanto o PT quanto o ministro Marco Aurélio estão absolutamente certos neste caso.
O governo Temer vem tentando recuperar a maior estatal brasileira do desastre lulopetista. Para tanto, nomeou uma gerência profissional e deu início a um programa de saneamento, o que incluiu a prática de preços de mercado para os combustíveis e a venda de ativos para a desalavancagem do balanço da empresa.
O que o decreto de Temer pretendia era, na prática, equiparar a Petrobras a uma empresa privada, no que concerne à compra de equipamentos e venda de ativos. Trata-se, obviamente, de uma gambiarra.
Na falta da vontade/capacidade política de privatizar a empresa, procura-se torná-la, para todos os efeitos práticos, uma empresa privada, mas permanecendo estatal.
Ora, ou a empresa é estatal ou é privada. Não dá pra ser as duas coisas ao mesmo tempo. Pra que serve uma empresa estatal, senão para cumprir políticas de governo? Que sentido tem o Estado poder tirar petróleo do subsolo se não for para usá-lo como subsídio para suas políticas?
Nesse sentido, Dilma estava absolutamente correta ao usar a Petrobras para controlar a inflação, congelando os preços dos combustíveis. Se a Petrobras não serve para isso, vai servir para o que mais? Também o PT/PMDB/PP estavam absolutamente corretos em usar a Petrobras para obter “fundos partidários” a partir de contratos fraudados. Afinal, se uma estatal não serve pra isso, pra que ela existe mesmo?
O PT acusa o governo Temer de “devastar” a empresa ao equipara-la a uma empresa privada. Certíssimo! Uma estatal que não serve aos interesses do governo de plantão perde a sua razão de existir.
Existem pessoas que genuinamente creem que uma empresa estatal pode ser tão bem gerida quanto qualquer empresa privada. O que o PT e o ministro Marco Aurélio vieram nos recordar é que isso não é possível. Uma estatal deve estar amarrada por uma série de regras que a deixam muito mais ineficiente, mas que, ao mesmo tempo, não impedem a rapinagem, como exaustivamente provado pelo Petrolão.
Temer quis dar um “jeitinho” de privatizar a Petrobras mantendo-a estatal. O PT e o ministro Marco Aurélio corretamente disseram não.
A privatização sem subterfúgios, pra valer, da Petrobras é a única solução definitiva que tirará essa estrovenga das costas dos brasileiros.
O ponto alto desse julgamento sem dúvida foi a reação do Marco Aurélio Mello e do Lewandowski ao voto da Rosa Weber, e a reação da ministra aos dois. Para os anais da história do tribunal, merece um meme.
O documento assinado pela mesa do Senado invoca a independência dos poderes para justificar a desobediência à liminar do ministro Marco Aurélio Melo, que decidiu monocraticamente afastar da presidência do Senado o senador Renan Calheiros. Entendo que há ao menos duas incongruências combinadas aqui:
1) Ao dizer que não acataria a decisão do Supremo por esta ter sido monocrática, o Senado concorda implicitamente que o colegiado do Supremo tem o poder de afastar o seu presidente. Ora, se o colegiado tem este poder, também o tem um ministro que toma uma decisão monocrática, ainda que incorreta. Se assim não fosse, as decisões monocráticas deveriam ser abandonadas de todo, pois nada valeriam.
Mas o segundo ponto é o mais importante.
2) A decisão de Marco Aurélio Melo afrontou a independência entre os Poderes? Ora, quando o Supremo afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara, discutiu-se este ponto, e aparentemente não houve dúvida de que o Supremo poderia ter tomado aquela decisão. Naquele caso, entendeu-se que o Supremo não invadiu as atribuições da Câmara, pois entre estas não está a de julgar os seus pares por crime, sendo esta uma atribuição exclusiva do Supremo. A diferença entre um caso e outro não pode ser decisão monocrática versus decisão colegiada pois, como vimos no ponto acima, as duas têm o mesmo enforcement. Portanto, a decisão, por mais estapafúrdia que seja, deveria ter sido cumprida. Ao não ser que, e este é o ponto crucial no meu entender, O SENADO TENHA INVADIDO A COMPETÊNCIA DO SUPREMO. Se houve desrespeito à separação de poderes, foi do Senado em relação ao Supremo, e não vice-versa.
Como este imbroglio poderia ter sido resolvido pelo Senado? Simples: Renan acataria a decisão, o Senado faria pressão para que o Supremo julgasse rapidamente a liminar, que poderia ser derrubada, desmoralizando (mais uma vez) Marco Aurélio Melo, dado que a decisão foi mesmo estapafúrdia.
Como este imbroglio será resolvido agora, em que o Senado liderou uma desobediência civil? Sinceramente, não sei. O Supremo será obrigado a confirmar a liminar de Marco Aurélio, que de outra forma poderia ser rejeitada, mas ir adiante com qualquer outra penalização é institucionalmente inviável.
Este é um evento grave. De agora em diante, o Congresso decide quais decisões do Supremo sobre seus membros vai ou não acatar, e em que condições.