A estatura do governante

No sábado passado, dia 24/06, comentei aqui um artigo de Mailson da Nóbrega, a respeito da reforma tributária, que criticava a pretensão de autonomia dos estados em detrimento de mais eficiência e produtividade.

Dois dias antes, 22/06, no mesmo Estadão, Felipe Salto havia feito um duro ataque ao Conselho Federativo, órgão a ser criado para a gestão do IVA. Eu havia lido o artigo de Salto, mas naquela momento ainda não havia percebido do que realmente se tratava. Destaco abaixo o trecho central do artigo, atacando a retirada da autonomia dos estados.

Mailson, dois dias depois, ataca o cerne da questão: é justamente a autonomia dos entes subnacionais que cria o pesadelo tributário em que vivemos e diminui a nossa produtividade.

Salto não diz explicitamente porque os estados fazem tanta questão de gerenciar seus próprios impostos. Aliás, nem se dá ao trabalho de definir o que seja “gerenciar”. Mas dá duas pistas em seu texto, ao apontar os problemas que o Conselho Federativo vem resolver: o risco de crédito dos entes subnacionais (um estado não repassar para o outro um crédito tributário) e a guerra fiscal entre estados. Para ambos, Salto sugere “punições severas”. Ora, e desde quando “punições severas” seguraram gestoras públicos? A LRF não impediu que estados virtualmente quebrassem, e depois encontrassem abrigo em um STF muito sensível a questões sociais. Um dos pilares do Plano Real foi justamente o fim dos bancos estaduais, ralos através dos quais os estados exerciam a sua autonomia. Ninguém pensou em substituir a privatização dos bancos estaduais por “punições severas”. A coisa só funciona com base na arquitetura da solução, não na base de leis punitivas, das quais o Brasil está cheio.

Salto sugere, ao invés da reforma tributária, uma reforma infraconstitucional do ICMS, mudando sua incidência da origem para o destino, e deixando assim, intacto, o manicômio tributário. Afinal, para que manter a autonomia, se não for para ter 27 diferentes legislações tributárias, que tanto infernizam a vida do empreendedor, principalmente o industrial? Tanto é assim, que o tal Fundo de Compensações que está sendo negociado entre União e Estados servirá justamente para compensar os efeitos do fim da guerra fiscal. Com a autonomia, os entes subnacionais poderiam continuar alegremente sua marcha batida para o precipício.

É triste ver o governador Tarcísio de Freitas liderando essa resistência dos estados. Em 1997, o “socialista” Mário Covas liderou, com não poucas resistências, o processo de privatização dos bancos estaduais, ele mesmo patrocinando a privatização do Banespa, e, alguns anos depois, a incorporação da Nossa Caixa ao Banco do Brasil. Hoje, o “liberal” Tarcísio de Freitas lidera no sentido oposto, o de manter o status quo que mina a nossa produtividade. A questão, como se vê, nao é ideológica, mas de estatura do governante.

Constrangedor

Quando Mário Covas subiu no palanque de Lula, no 2o turno das eleições de 1989, o gesto foi algo natural. Afinal, Lula era o representante da esquerda, e Covas sempre foi um político de esquerda, apesar de ter privatizado o Banespa e ter repassado a Nossa Caixa para o Banco do Brasil. Tem muito político “de direita” que não quer ouvir falar de privatizar banco estatal. Foi a primeira e única vez que votei em Lula.

Lembremos: o ano era 1989. O PT era apenas uma promessa. Havia eleito poucos mandatários até então, sendo a de maior destaque Luiza Erundina na cidade de São Paulo. O partido era uma página em branco.

Fast forward para 2021. Tivemos o mensalão. Tivemos o petrolão. Lula foi preso com sentença confirmada em três instâncias e só está solto com direitos políticos intactos porque inventaram um conluio entre o juiz e os procuradores, como se as provas levantadas tivessem sido inventadas.

Apoiar o PT em 1989 tinha a desculpa da ignorância. Apoiar o PT em 2021 não tem mais desculpa. Covas, nas eleições de 1998 para o governo de São Paulo, foi para o 2o turno contra Paulo Maluf. Na campanha, mandou espalhar outdoors pela cidade com a foto de um garotinho e, do lado dele, a frase: “papai, é bonito roubar?”. Uma bela sacada, que serviria em uma campanha contra Lula.

Vivo estivesse, não tenho dúvidas de que Covas, se por um lado, se oporia veementemente a Bolsonaro, por outro não sei se faria essa festinha para Lula. Ele não costumava entrar em roubada, se é que me entendem.

Alckmin era a cria política de Covas, tendo sido seu vice na mesma campanha de 1998 e depois assumindo o governo após a morte do governador, em 2001. Desde então, foi governador de São Paulo n vezes e conseguiu a façanha de ter menos votos no 2o turno do que no 1o na campanha de 2006, um ano depois do mensalão. Protagonizou a cena que talvez tenha sido a mais constrangedora da política brasileira, ao vestir um jaleco com os símbolos das estatais, renegando a obra de seu padrinho político.

Nada mais natural que hoje Alckmin se sinta “honrado” em ser lembrado por Lula para ser seu vice. Alckmin caiu em ostracismo depois do vexame da eleição de 2018 e de perder o partido para o seu afilhado Doria. Ser lembrado é, antes de mais nada, um afago no seu ego, mais do que uma escolha política. Talvez seja mais constrangedor que o jaleco das estatais.

O que aconteceu nos últimos 29 anos?

Em 1989, Brizola e Covas subiram no palanque de Lula contra Fernando Collor.

Em 2018, Ciro foi para a Europa e FHC mandou o PT para o inferno. E isso com um candidato bem menos radical como Haddad e contra um adversário como Jair Bolsonaro.

O que aconteceu nesses 29 anos?

Está aí uma boa matéria de reflexão para o PT.

Um eterno déjà vu

Estes são trechos de um jornal 8 dias depois do 1o turno das eleições de 1989.

Leonel Brizola havia sugerido que Lula desistisse da vaga no 2o turno em favor de Covas, pois seria o único capaz de vencer Collor.

O deputado César Maia defendia a formação de uma “frente democrática” de partidos progressistas para vencer Collor.

Brizola lembrava que Collor era o herdeiro do golpe de 64 e, portanto, não podia chegar ao poder.

A política brasileira é um eterno déjà vu.

Quem está errado?

Há duas formas de encarar um resultado eleitoral: colocar a culpa no eleitor ou colocar a culpa no candidato.

O rapaz aí prefere colocar a culpa no eleitor.

Mário Covas, como bem lembrado por Alckmin, colocava a culpa no candidato.

Esse mesmo povo “ignorante” elegeu FHC duas vezes no 1o turno. Neste caso o povo deixou de ser ignorante? Houve alguma espécie de “lapso cognitivo”, em que o povo se tornou “inteligente” por alguns anos, para depois cair novamente na ignorância? Ou foi FHC que soube se colocar eleitoralmente?

É verdade que o país “não dá certo” pelo povo que tem. Mas mais verdade ainda é que o país “não dá certo” porque os representantes políticos que poderiam resolver os problemas do Brasil são tão incompetentes que sequer entendem quais são esses problemas do ponto de vista do eleitor.