Temos acompanhado nos últimos dias mais uma onda de críticas ao Facebook e a seu fundador e CEO, Mark Zuckerberg. Desta vez, o pivô da indignação foi o testemunho de uma ex-funcionária da empresa, Frances Haugen, diante do Senado americano. Segundo a delatora (assim a tem chamado a imprensa em geral), o Facebook teria escondido resultados de pesquisas internas que teriam apontado a “toxicidade” de seus algoritmos, ao promover “discursos de ódio, intolerância e desinformação”. Tudo isso em nome do lucro acima de tudo. Além disso, outra pesquisa interna teria evidenciado o efeito deletério em adolescentes, especialmente meninas, de outro produto da empresa, o Instagram. E, como sempre, a alta direção não teria feito nada para mitigar os danos, sempre de olho no lucro.
O Facebook já foi acusado de muitas coisas. A primeira onda de críticas se referiu ao uso de dados dos usuários e à quebra de sua privacidade. Em seguida, o foco foi deslocado para outros dois problemas, expostos no depoimento de Frances Haugen: a falta de moderação do conteúdo e os algoritmos que visam aumentar o engajamento. Esta trinca (uso de dados dos usuários, algoritmos de engajamento e conteúdos impróprios) penso que resume todas as críticas à empresa. Vejamos cada uma delas.
Sou um usuário do Facebook e não pago nada por isso. Assim como os telespectadores de canais da TV aberta, os usuários do aplicativo “pagam” pelo seu uso através da exposição à propaganda. A diferença do Facebook para a TV aberta é a eficiência no direcionamento da propaganda: a empresa de Zuckerberg consegue, a partir dos dados de seus usuários, dirigir os anúncios de maneira mais focada. A TV aberta também segmenta os seus diversos públicos, como bem sabe qualquer agência de publicidade. Mas o acesso aos dados dos seus usuários é mais limitado. A diferença não é conceitual, mas de intensidade. De qualquer forma, alguns simplesmente não se conformam com o fato de que as pessoas estejam dispostas voluntariamente a expor seus dados pessoais em troca do uso da plataforma. Caso contrário, o Facebook e seus irmãos menores não teriam mais de 3 bilhões de usuários. A empresa poderia lançar uma versão “premium”, em que o usuário pagasse para não ter propaganda em sua tela. Desconfio de que poucos estariam dispostos a pagar por isso.
Os algoritmos de engajamento talvez sejam a acusação mais tenebrosa feita contra o Facebook e todas as outras empresas de tecnologia que vivem de tráfego em seus aplicativos. “Algoritmos” remetem ao conceito de manipulação, algo por trás das cortinas que nos leva a fazer coisas que não faríamos se não fôssemos levados a tal. Seríamos, assim, meras marionetes dos algoritmos. O que dizer? Em primeiro lugar, toda empresa, do mundo virtual ou real, procura engajar seus clientes. As vitrines das lojas nos convidam a entrar, distribuidores de panfletos convidam para lançamentos imobiliários, supermercados fazem promoções. Engajar, portanto, não é um crime em si. A diferença do Facebook e seus congêneres seria a “falta de transparência”. Ninguém sabe realmente como funcionam os tais algoritmos, o que aparece ou deixa de aparecer na linha do tempo do aplicativo. A pergunta é: o que mudaria se os algoritmos fossem públicos? Haveria uma “agência reguladora” de algoritmos? Quais seriam os critérios de um bom algoritmo? Não parece ser um problema fácil de resolver, se é que existe um problema aqui.
Este problema “do que fazer” nos leva à terceira crítica: a moderação de conteúdos. Em 30/03/2019, Mark Zuckerberg publicou artigo no Washington Post afirmando que “eu não pediria que as empresas fizessem esse julgamento (sobre conteúdos impróprios) sozinhas. Acredito que precisamos de um papel mais ativo dos governos e reguladores (neste campo)”. Zuckerberg, espertamente, jogou o abacaxi de censurar conteúdos no colo dos reguladores. Obviamente, depois de mais de dois anos, nada aconteceu. Os políticos continuam patrocinando sessões bombásticas no Congresso, mas o problema tóxico de eliminar conteúdos impróprios continua sendo do Facebook, uma empresa privada, não custa lembrar. É óbvio que postagens que contenham crimes tipificados, como estelionato e incitação à violência física, são inaceitáveis. O problema começa quando se desce para definições do que seja “discurso de ódio” e “intolerância”, ou, pior ainda, o que seriam posições políticas aceitáveis. O curioso é que há muitos que reclamam do excesso, e não da falta, de intervenção do Facebook nos conteúdos postados, desconfiando até que Zuckerberg teria uma agenda oculta. Censura é sempre um assunto muito delicado.
O frisson que mais uma vez tomou conta do debate público passa ao largo da vida real. Nesta, as ações do Facebook estão próximas de sua máxima histórica, indicando que, para os investidores, esses debates não devem influenciar o futuro da empresa. A julgar pela reação dos usuários à instabilidade que tirou do ar a trinca de aplicativos de Mark Zuckerberg por algumas horas na semana passada, os investidores provavelmente estão corretos.