O mundo caiu com a vitória de Kirchner nas primárias do fim de semana: o peso derreteu, a bolsa despencou e o risco-país foi para a Lua. Tudo isso porque Kirchner (por interposta pessoa que fará de conta que é o presidente) congelará preços, dará subsídios e aumentará salários, sem se preocupar com o equilíbrio fiscal e a inflação.
Macri, para mostrar que é o único que pode fazer frente a essa alternativa desastrosa, baixou um pacote em que congelou preços, deu subsídios e aumentou salários, sem se preocupar com o equilíbrio fiscal e a inflação.
Dessa forma, Macri acabou com as últimas incertezas em relação à Argentina: nessa competição populista, o futuro do país é absolutamente certo.
Quando, em 2015, Maurício Macri foi eleito, pensamos todos: que sorte a da Argentina! Livraram-se de Cristina Kirchner através de eleições, sem chorôrô. Aqui, tivemos que passar pelo complicado processo de impeachment, além de ficar ouvindo o tempo inteiro “foi golpe!”.
Mas Macri, com todo o seu discurso liberal, fez pouco no início de seu mandato, optando por uma abordagem gradualista. Anexei dois gráficos neste post: o primeiro é da inflação e o segundo das taxas de juros na Argentina nos últimos 4 anos.
No início do governo Macri, a inflação bateu 40% ao ano, devido ao ajuste dos preços públicos, represados durante o governo Kirshner. Qualquer semelhança com o represamento dos preços dos combustíveis por aqui não é mera coincidência. Depois desse pico, a inflação recuou para a faixa de 25% ao ano em 2017.
Agora observe o gráfico das taxas de juros praticadas pelo BC. Depois de um pico de 32% no início do governo Macri, voltou para 25%, nível em que ficou até meados de 2018. Ou seja, a taxa de juros real praticada foi praticamente zero.
Vamos relembrar o que foi feito pelo BC local. Quando a inflação foi para 11%, o BC, AINDA NO GOVERNO DILMA, elevou a taxa de juros até 14,25%. Ou seja, mesmo o Tombini foi mais ortodoxo do que o BC de Macri. Essa taxa de 14,25% permaneceu por um longo tempo, tendo sido baixada apenas por Ilan Goldfjan, já no final de 2016. E mesmo assim, beeem lentamente, quando a inflação já estava em queda livre. Foi esta ortodoxia que permitiu uma convergência segura da inflação, e hoje podemos usufruir de inflação e taxas de juros mais civilizadas.
Voltando para a Argentina: em 2018, com a elevação das taxas de juros nos EUA, os mercados ficaram nervosos com países que não fizeram suas lições de casa. A Argentina e a Turquia sofreram ataques especulativos contra suas moedas, e não tiveram outra alternativa a não ser elevar brutalmente suas taxas de juros. Na Argentina, a taxa foi para 60% ao ano, como pode ser observado no gráfico. Hoje, a taxa foi elevada para 74% ao ano, em resposta a mais uma desvalorização do peso. Brutal, ainda mais em um país já em profunda recessão. Vale lembrar que o Brasil não precisou subir suas taxas de juros em 2018, mesmo estando na histórica mínima de 6,5% ao ano.
Não estou aqui nem entrando no mérito das contas fiscais, outro ponto em que Macri adotou uma “postura gradualista”, e que ajudou na falta de credibilidade junto aos mercados.
Até entendo os argentinos: se é para ter recessão, moeda super-desvalorizada e inflação, melhor um presidente que pelo menos distribua bolsa-família.
Fica aqui a lição para o Brasil: não há atalhos. É preciso fazer a lição de casa ortodoxa, sempre. Países com um longo histórico de defaults e malandragens não contam com a boa vontade dos seus financiadores. Precisam estar o tempo todo provando que são comportados.
Esse é um recado claro para os políticos da América do Sul de maneira geral e para os do Brasil em particular: o povo não consegue distinguir claramente quem os meteu no buraco, e o governo de plantão acaba levando toda a culpa.
Macri assumiu uma economia em frangalhos e, vamos ser claros, adotou uma tática gradualista demais para o caso de um doente terminal. Resultado: a inflação continua na casa dos 50% ao ano e o país voltou para a recessão. Pouco importa se foram os Kirshners que cavaram o buraco, é Macri quem leva a culpa.
Aqui no Brasil, tivemos a “sorte”, com o impeachment, de estancar a sangria antes que fosse tarde demais. O governo Temer fez o trabalho sujo nos campos monetário (taxa de juros) e fiscal (teto de gastos), estabilizando, assim, a situação da economia, ainda que em um patamar muito ruim.
O governo Bolsonaro começou bem, com a aprovação de uma boa reforma da Previdência. Resta ainda, no entanto, um longo caminho pela frente para revitalizar a atividade econômica e diminuir o desemprego. O exemplo que vem da Argentina mostra que o povo tem “saudades” de um tempo que não volta mais, e está disposto a cair no canto das sereias do populismo que desgraçou o país.
No auge da campanha eleitoral, eu participava de uma das muitas reuniões que tivemos, na empresa onde trabalho, com “analistas políticos”. No caso, se tratava de uma grande e respeitada consultoria global.
Haddad tinha começado sua escalada e o consultor, do alto de seus altos estudos, vaticinou: “Haddad vence o primeiro turno. No 2o turno, Bolsonaro pode virar em função do sentimento anti-petista, mas vai ser uma eleição muito difícil”. Bem, o resto é história.
No que se baseava essa previsão? O impeachment havia sido uma benção para o PT, que havia se livrado de sua própria “herança maldita”, deixando-a no colo da oposição. Se Dilma estivesse ainda no posto, não haveria como disfarçar a calamidade. Já tinha ouvido muito desse tipo de “análise”, mas me espantei com tamanho simplismo vindo de uma consultoria tão renomada.
Aqui entra a saga de Maurício Macri para ilustrar o meu ponto. Digamos que, maquiavelicamente, o mundo político tivesse decidido deixar Dilma “sangrar” no cargo, enfiando o país em um buraco cada vez mais fundo. Assumamos que isso tivesse dado “certo” e um candidato da oposição tivesse vencido a eleição.(Este cenário de uma vitória da oposição é teórico. Com os instrumentos de poder na mão, uma derrota do PT – provavelmente Lula solto – seria mais do que incerta. Fecha parêntesis).
Como estaria esse novo presidente agora? Muito provavelmente como Macri: lutando uma luta inglória para tirar o país do buraco de políticas econômicas equivocadas. E lembre-se: seriam dois anos e oito meses adicionais de caminhada para o abismo.
Hoje, as pesquisas indicam Macri empatado com ninguém menos que Cristina Kirshner! Sua impopularidade explodiu e já empata com a da ex-presidenta. Tudo isso porque ele está tendo que fazer a lição de casa, sempre impopular, de colocar as finanças públicas em ordem. Quanto maior o buraco, maior o desgaste.
Agora, imagine Bolsonaro assumindo depois de oito anos completos de desgoverno Dilma. A imagem mais próxima que consigo imaginar é Collor assumindo depois de 5 anos de desgoverno Sarney. Collor não chegou ao fim de seu mandato.
A história ainda vai reconhecer o papel de Michel Temer. Não só evitou que o país continuasse a caminhar para o buraco ao se colocar como alternativa política viável para substituir Dilma, como aplainou o caminho para a viabilidade política do próximo governo. Carregou o ônus da impopularidade que recairiam nas costas do governo seguinte, como demonstra Macri.
O trabalho que aguarda o governo Bolsonaro não deve ser subestimado. Ajustes gigantescos na estrutura do Estado e das instituições precisam ser feitos para permitir que o país retome seu potencial de crescimento econômico. Mas não tem dúvida também que o terreno é muito melhor do que aquele encontrado por Maurício Macri.
Não, o impeachment não foi útil ao PT, como sugeriu aquela famosa consultoria global. O impeachment foi útil ao País, pois permitirá que o governo Bolsonaro construa sobre bases mais sólidas, graças à limpeza operada por Temer. Se aproveitará a oportunidade, é lá com ele.
“Não adianta uma proposta que aos olhos apenas de economistas e de alguns políticos é maravilhosa, mas que não passa no Parlamento.”
Essas são palavras de Bolsonaro a respeito da reforma da previdência. Para ele, a “reforma do Temer” não passa.
É bom Bolsonaro dar uma olhada para o nosso vizinho ao sul. Na Argentina, Macri tentou fazer um “ajuste gradual”, e deu no que deu. Agora, está sendo obrigado a fazer um ajuste de verdade, muito mais duro do que seria se tivesse encarado o problema de frente.
Essa ladainha de que não se faz reforma para “agradar o mercado” acaba quando termina a paciência dos credores.