Prioridade zero

Trecho de reportagem do Globo deixa claro que o Museu Nacional nunca foi prioridade dentro da UFRJ.

“Os números deixam claro que a maior parte dos recursos da UFRJ são tomados por despesas obrigatórias (essencialmente folha de pagamento). Em 2017, por exemplo, elas consumiram 86,9% do Orçamento da instituição e chegaram a R$ 2,77 bilhões. Este ano, o montante será ainda maior: 87,5%, ou 2,78 bilhões.

Os técnicos do governo apontam, no entanto, que dentro dos recursos que sobram nas mãos da UFRJ, o Museu Nacional não foi uma prioridade. Ele ficou com 0,16% dos recursos livres em 2012; 0,22% em 2013; 0,19% em 2014; 0,1% em 2015; 0,11% em 2016 e 0,09% em 2017.”

Veja reportagem completa:

O culpado não foi a Lei Rouanet

Vejo muita revolta com o fato de que dinheiro da Lei Rouanet foi utilizado para eventos comerciais e nada foi para o finado Museu Nacional. A lista inclui shows da Claudia Leitte, Cirque du Soleil, filme sobre José Dirceu, poesias de Maria Betânia, Queermuseu, turnês de Luan Santana, Detonautas, Peppa Pig e por aí vai.

Quem me acompanha sabe que sou crítico feroz da Lei Rouanet. Subsidiar o Cirque du Soleil ou a Peppa Pig com o dinheiro dos desdentados é daquelas coisas que vão garantir aos seus responsáveis um círculo bastante apertado no inferno. Mas é preciso entender como funciona a Lei Rouanet para que se compreenda porque a Peppa Pig recebeu dinheiro e o Museu Nacional, não.

Grosso modo, a Lei Rouanet funciona da seguinte maneira: o dono do projeto precisa montar um case, preencher certos requisitos de um comitê do Ministério da Cultura, colocar o projeto debaixo do braço e sair na rua tentando convencer empresas a patrocinar o seu projeto em troca dos subsídios fiscais garantidos pela Lei Rouanet.

Note que, por mais que não custe nada para a empresa, ninguém quer associar seu nome a um projeto ruim. Analisar um projeto custa tempo dos responsáveis pelas áreas de Marketing e Finanças da empresa, que devem lidar com uma burocracia razoável. Então, os projetos são muito bem selecionados.

Agora, imaginem a cúpula da UFRJ desenvolvendo um projeto desse porte, com o grau de exigência das empresas privadas. Consta que, no projeto submetido ao BNDES, não havia sequer previsão de recursos para medidas de prevenção a incêndios! Tiveram os próprios técnicos do BNDES que completar o projeto com medida tão óbvia.

Mas a falta de competência técnica é o menor dos problemas. A grande questão, como já disse aqui, é a mentalidade. O PSOL tem ojeriza à iniciativa privada. Há uma desconfiança profunda em relação ao capital. E a Lei Rouanet tem como pressuposto básico a parceria entre artistas e empresas (usando o seu dinheiro, mas esse é só um detalhe que não vem ao caso aqui).

Como bons psolistas, provavelmente a cúpula da UFRJ não via com bons olhos submeter um projeto de renovação do Museu Nacional a empresas privadas. E, pior, mendigando patrocínio ao grande capital! Heresia das heresias! A saída via BNDES era mais aceitável, e foi a opção escolhida.

Portanto, não cabem as comparações entre os projetos da Lei Rouanet e o Museu Nacional, como se o comitê do Ministério da Cultura preferisse a Peppa Pig em relação a Luzia. Quem preferiu a destruição do Museu a pedir dinheiro a empresas foi a cúpula da UFRJ. Essa ojeriza ao capital privado custou 200 anos de história.

Descobriram a restrição orçamentária

23:59 Porque esse teto de gastos é um crime, não vai ter dinheiro pra saúde, pra educação

00:00 Porque vocês precisam entender como funciona um orçamento. A UFRJ não tinha dinheiro pra manutenção do Museu porque tinha outras despesas obrigatórias, como salários.

Bastou a batata do reitor do PSOL começar a assar, o pessoal começou a dar lição de restrição orçamentária.

Isso é tudo o que precisamos saber

Os recursos repassados para a UFRJ pelo governo Temer cresceram de 2015 para cá.

Os recursos repassados para o Museu Nacional pela cúpula da UFRJ, formada por filiados do PSOL, diminuíram de 2015 para cá.

Isso é tudo o que sabemos até o momento.

Como um plano para salvar o Museu Nacional fracassou

Dando continuidade ao assunto, leia a história de Israel Klabin e sua tentativa de arrumar um empréstimo de US$80 milhões do Banco Mundial para o Museu Nacional, e que esbarrou na negativa da então diretoria da UFRJ de abrir mão da governança do Museu:

Como já dissemos, ninguém é louco de dar dinheiro na mão dessa patota.

Nomenklatura

Ainda a Globo News.

Um dos “analistas” pergunta, indignado: “onde estão os mecenas brasileiros? Tantos museus lá fora são sustentados por milionários. Aqui preferem mandar o dinheiro para paraísos fiscais”.

Quero saber quem é o louco que vai entregar dinheiro na mão dessa nomenklatura que dirige a UFRJ.

A Globo merece essa homenagem

Take ao vivo do Museu na Globo News.

“Manifestantes” se aproximam do cordão de isolamento formado pela Guarda Municipal. Mais cedo, tinham tentado invadir e foram dispersos com gás lacrimogêneo.

A repórter da Globo News descreve assim o momento: “vemos agora os manifestantes se aproximando para prestar sua homenagem ao Museu. Foi tudo combinado, trata-se de uma manifestação pacífica”.

Ao fundo, o coro bastante audível: “Globo golpista! Globo golpista!”

A Globo merece essa homenagem.

Vítima de uma mentalidade

O Museu Nacional é de responsabilidade da UFRJ.

Meu amigo Marcelo Gerbassi mandou-me a lista dos responsáveis atuais pala UFRJ:

Reitor: ROBERTO LEHER – filiado ao PSOL;

Vice-reitora: DENISE FERNANDES LOPEZ – filiada ao PSOL;

Pró-reitor de graduação: EDUARDO GONCALVES – filiado ao PCB;

Pró-Reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças: ROBERTO ANTONIO GAMBINE MOREIRA – filiado ao PC DO B;

Pró-Reitora de Extensão: MARIA MELLO DE MALTA – filiada ao PSOL;

Pró-Reitor de Pessoal: AGNALDO FERNANDES – filiado ao PSOL;

Decano do CCJE: VITOR MARIO IORIO – filiado ao PSOL

Provavelmente, essas filiações partidárias não mudaram ao longo dos anos.

A mentalidade dessas pessoas é a seguinte: Cultura não é mercadoria. Portanto, é obrigação do Estado financiar a Cultura, através da arrecadação de impostos. Parcerias com a iniciativa privada estão fora de cogitação, para “manter a independência de interesses mercantilistas”.

Em 2010, a mesma UFRJ retomou o Canecão. Finalmente, a mais famosa casa de espetáculos do RJ estaria livre dos tais “interesses mercantilistas”. Hoje, o Canecão está em petição de miséria.

O Museu Nacional não foi vítima apenas da falta de dinheiro. Foi vítima, antes de tudo, de uma mentalidade. A mesma mentalidade que mantém o país refém da pobreza.

Prioridades mal concebidas

Se alguém vier culpar a “austeridade” pelo fim do Museu Nacional, lembre-se que gastaram R$250 milhões para construir o Museu do Amanhã.

O problema do Brasil não é de falta de dinheiro. É de prioridades mal concebidas.

Tanto faz a cor do brucutu

Quando o Ministério da Cultura foi extinto pelo recém empossado governo Temer, a chamada “intelectualidade nacional”, que engloba artistas globais, professores de universidades públicas e outras categorias menos reluzentes, revoltou-se e acusou o “governo golpista” de querer o desmonte da cultura nacional.

O governo Temer, tíbio como sempre, voltou atrás. O Ministério da Cultura poderia, assim, continuar sua missão de “preservar a cultura nacional”. Como, aliás, todos os governos têm supostamente feito desde a criação do Ministério, em 1985. Governos de esquerda e, portanto, com uma sensibilidade especial para a cultura, marcando a diferença para os brucutus da ditadura militar.

Fica a questão: se o Ministério da Cultura não serve para preservar um patrimônio como o do Museu Nacional, para que serve então? Ok, é só uma pergunta retórica. Sabemos que o Ministério da Cultura serve à resistência democrática, o que, nos últimos anos, se traduziu no movimento “fora Temer”.

No último quarto de século, fomos governados por partidos que se auto-proclamam defensores da cultura. Se isso significa deixar o Museu Nacional queimar até a morte, talvez um brucutu sem sensibilidade na presidência não faça assim tanta diferença.