Vejo muita revolta com o fato de que dinheiro da Lei Rouanet foi utilizado para eventos comerciais e nada foi para o finado Museu Nacional. A lista inclui shows da Claudia Leitte, Cirque du Soleil, filme sobre José Dirceu, poesias de Maria Betânia, Queermuseu, turnês de Luan Santana, Detonautas, Peppa Pig e por aí vai.
Quem me acompanha sabe que sou crítico feroz da Lei Rouanet. Subsidiar o Cirque du Soleil ou a Peppa Pig com o dinheiro dos desdentados é daquelas coisas que vão garantir aos seus responsáveis um círculo bastante apertado no inferno. Mas é preciso entender como funciona a Lei Rouanet para que se compreenda porque a Peppa Pig recebeu dinheiro e o Museu Nacional, não.
Grosso modo, a Lei Rouanet funciona da seguinte maneira: o dono do projeto precisa montar um case, preencher certos requisitos de um comitê do Ministério da Cultura, colocar o projeto debaixo do braço e sair na rua tentando convencer empresas a patrocinar o seu projeto em troca dos subsídios fiscais garantidos pela Lei Rouanet.
Note que, por mais que não custe nada para a empresa, ninguém quer associar seu nome a um projeto ruim. Analisar um projeto custa tempo dos responsáveis pelas áreas de Marketing e Finanças da empresa, que devem lidar com uma burocracia razoável. Então, os projetos são muito bem selecionados.
Agora, imaginem a cúpula da UFRJ desenvolvendo um projeto desse porte, com o grau de exigência das empresas privadas. Consta que, no projeto submetido ao BNDES, não havia sequer previsão de recursos para medidas de prevenção a incêndios! Tiveram os próprios técnicos do BNDES que completar o projeto com medida tão óbvia.
Mas a falta de competência técnica é o menor dos problemas. A grande questão, como já disse aqui, é a mentalidade. O PSOL tem ojeriza à iniciativa privada. Há uma desconfiança profunda em relação ao capital. E a Lei Rouanet tem como pressuposto básico a parceria entre artistas e empresas (usando o seu dinheiro, mas esse é só um detalhe que não vem ao caso aqui).
Como bons psolistas, provavelmente a cúpula da UFRJ não via com bons olhos submeter um projeto de renovação do Museu Nacional a empresas privadas. E, pior, mendigando patrocínio ao grande capital! Heresia das heresias! A saída via BNDES era mais aceitável, e foi a opção escolhida.
Portanto, não cabem as comparações entre os projetos da Lei Rouanet e o Museu Nacional, como se o comitê do Ministério da Cultura preferisse a Peppa Pig em relação a Luzia. Quem preferiu a destruição do Museu a pedir dinheiro a empresas foi a cúpula da UFRJ. Essa ojeriza ao capital privado custou 200 anos de história.