O ESG ainda não sustenta o preço das ações

A Natura publicou o resultado do 3º trimestre na sexta-feira. O preço de suas ações despencou 17,5% e a empresa perdeu quase R$ 10 bilhões de valor de mercado em um dia. De maneira geral, resultado muito ruim, com queda de receita e de lucro. Por isso, a reação péssima dos investidores.

Mas o que chama a atenção é o seu press release, que inclui a agenda ESG (Environmental, Social, Governance) da empresa, que pode ser vista no anexo. São muitas as iniciativas. Nenhuma delas sensibilizou os investidores, que venderam sem dó as ações da empresa. O que comanda a decisão dos investidores são, no final do dia, os lucros da empresa.

Há uma febre ESG no mercado financeiro. Todos muito preocupados com o futuro do planeta e com ações afirmativas. Há dois possíveis racionais para apostar em ESG:1) Empresas com agenda ESG seriam mais sustentáveis e gerariam mais lucro ao longo do tempo e2) Empresas com agenda ESG seriam preferidas pelos investidores por causa da agenda ESG, independentemente do lucro gerado.

O fato é que, até o momento, a razão 2 não tem sido capaz de sensibilizar os investidores. Mesmo uma empresa como a Natura, que é a própria encarnação da agenda ESG, não merece a misericórdia dos investidores quando apresenta resultados fracos. Com relação à razão 1, aparentemente os investidores não estão dispostos a comprar a tese de maneira adiantada. A mensagem é: mostre-me o tal “lucro ESG”, e então compraremos a ação.

A Economist, em sua edição de duas semanas atrás, traz uma reportagem interessante (The uses and abuses of green finance) sobre o porquê de a agenda ESG no mercado financeiro não estar funcionando para tornar o mundo mais limpo. Entre outras razões, a reportagem aponta que a energia suja simplesmente é ainda mais barata que a energia limpa e, portanto, empresas que usam energia suja são mais lucrativas. Mesmo que, por pressão dos investidores, as empresas vendessem seus ativos poluidores, estes seriam comprados com muito gosto por fundos de private equity, ficando longe dos olhos do grande público e continuando a gerar lucros. Afinal, no mundo capitalista, o mais barato se impõe ao mais caro. Sempre. No dizer da revista, “promessas em si não têm o poder de mudar o fato de que as empresas têm pouco incentivo para investir trilhões em tecnologias verdes que têm uma relação risco/retorno medíocre”.

A solução proposta pela revista é a taxação da produção de carbono, penalizando os lucros das empresas poluidoras. Assim, a competição com empresas não poluidoras se daria em um campo mais nivelado. O problema, claro, está em que o preço da energia subiria de maneira relevante, prejudicando principalmente os mais pobres. Penalizar os pobres de hoje para beneficiar os pobres de amanhã seria politicamente viável? Não é à toa que a Cop26 avançou pouco, para dizer nada, neste campo.

Por enquanto, a agenda ESG, no que se refere ao E e ao S, não está sendo premiada pelo investidor. Os preços das ações da Natura que o digam.

Capitalismo na selva

Estudo patrocinado pela Natura mostra que o PIB das cadeias produtivas da “sociobiodiversidade” no Pará é 3 vezes maior que o PIB do próprio estado. Este PIB “oculto” não estaria sendo captado pelo IBGE porque o acesso aos produtores seria “muito difícil”, segundo a reportagem.

Bem, não tive acesso ao tal estudo, não conheço a metodologia. Mas sei que PIB é a soma de tudo o que é vendido para as pessoas. Portanto, imagino que o que deve ter sido feito foi encontrar os produtos das tais cadeias de produção no Pará (açaí, castanha do Pará, palmito etc) à venda em todo o país e somar seu valor de venda. A reportagem menciona a pesquisa em mercados de outros estados. Portanto, a diferença entre este “PIB” e o PIB oficial seria a diferença entre o valor de venda desses produtos para outros estados e o valor da venda nos mercados desses outros estados. Além disso, como várias dessas comunidades não devem ser registradas, sua produção não aparece no PIB oficial.

Mas o que mais me chamou a atenção na matéria foi a declaração final da diretora da Natura. Segundo sua avaliação, essas cadeias “biodiversas” são um exemplo de como é possível gerar riqueza sem “concentrar renda” e “gerar desigualdade”. Quase caí da cadeira.

Antônio Seabra e Guilherme Leal, fundadores da Natura, são literalmente bilionários, estão entre os 100 indivíduos mais ricos do Brasil com certeza. Mesmo a tal diretora deve receber um salário que um produtor de açaí do Pará nunca jamais poderá imaginar um dia ganhar. A Natura é a prova viva de como qualquer atividade produtiva, por mais socioambiental que seja, concentra renda.

Quem me acompanha aqui sabe que não tenho absolutamente nada contra que empresários se tornem bilionários, muito pelo contrário. Se conseguiram, foi porque tiveram habilidade para criar valor para os seus clientes. Não fossem Antônio Seabra e Guilherme Leal, provavelmente grande parte da “riqueza” natural brasileira continuaria enterrada na floresta, e várias comunidades não teriam a sua fonte de renda. Portanto, os bilhões dos donos da Natura são muito merecidos.

O que não dá é patrocinar esse conto-de-fadas idílico, em que os “povos da floresta” e as “comunidades ribeirinhas” podem explorar as riquezas da natureza sem agredir o meio ambiente e, ainda assim, ganhar muito dinheiro. Quem ganha dinheiro é o empresário que transforma e leva esses produtos para quem está disposto a pagar por eles. O resto é narrativa para sair bem na foto.