O deputado Danilo Forte, do Ceará, cobra uma “plano de desenvolvimento do Nordeste” dos dois candidatos.
Para quem, como eu, já está beirando os 60, é impossível não sentir um déjà vu com essa cobrança. Desde que me conheço por gente, lá pela década de 70, ouço políticos prometendo grandiosos projetos para o desenvolvimento da região. Desde a criação do Banco do Nordeste, passando por grandes obras redentoras, como a Refinaria Abreu e Lima e a transposição do São Francisco, até o estabelecimento de programas sociais para “erradicar a pobreza”, o Nordeste tem sido, ao longo de décadas, objeto de “planos de desenvolvimento” mais infalíveis que os planos do Cebolinha para derrotar a Mônica.
Assim que li a cobrança do deputado, lembrei de um artigo de ontem, no Valor, que descreve as dificuldades da ANA (Agência Nacional de Águas) de fazer valer o marco do saneamento em quase 20% dos municípios brasileiros, a maioria no Norte e Nordeste.
O marco estabelece que empresas estaduais de saneamento deveriam provar capacidade econômico-financeira para atingir a meta de universalização da coleta de esgoto até 2033. Caso não provassem, licitações deveriam ser abertas para a entrada de companhias privadas interessadas em explorar a concessão. Parece que, até o momento, dois anos depois da edição do marco, vários estados e municípios da região não cumpriram nenhuma das duas determinações. É duro largar o osso.
Saneamento é um item essencial para o desenvolvimento de qualquer região, sem contar os investimentos diretos das empresas durante a construção da infraestrutura. Mas interesses outros de políticos da região vêm impedindo que a coisa aconteça. E esta é, certamente, somente a ponta de um iceberg de práticas extrativistas por parte das elites da região. Assim como acontece com a ajuda humanitária para países da África ou para o Haiti, o dinheiro doado é sugado, em grande parte, pela elite dirigente, sobrando algumas migalhas para os mais pobres.
O economista Daron Acemoglu, em seu clássico Porque as Nações Fracassam, defende que são as instituições dos países que determinam a sua riqueza, e não seus recursos naturais ou o acesso fácil a riquezas. Sem instituições que ele chama de “inclusivas”, em que todos são cidadãos e onde grupos de interesse não conseguem sequestrar permanentemente a máquina do Estado, as nações estão fadadas, mais cedo ou mais tarde, ao fracasso.
“Não largar o osso” é a forma popular de dizer que instituições extrativistas tomam para si grande parte da riqueza gerada. Ao não “largar o osso” de suas companhias estaduais de saneamento, as elites dirigentes locais estão apenas seguindo a lógica das instituições extrativistas, na definição de Acemoglu. Quando o deputado do Ceará pede mais “projetos de desenvolvimento”, o que está pedindo, de fato, são ossos com alguma carne nova para roer, porque os ossos dos projetos anteriores já deram o que tinham que dar. A elite dirigente da região sempre vai precisar de novos ossos jogados pelo poder central, porque a prática extrativista não gera riqueza. E esta mesma elite dirigente vai pedir votos do povo acenando com projetos redentores de desenvolvimento. Assim, o ciclo da pobreza eterna se fecha.