Um beco sem saída

Assim como hoje, há 4 anos Gilberto Kassab ganhava o status de “homem forte” do governo de São Paulo. Foi alvejado por uma operação da PF antes de levantar voo, pediu licença do cargo que nem chegou a exercer e sumiu. Foi emergir somente este ano, levando o seu PSD a apoiar Tarcísio em São Paulo e a ficar neutro no plano nacional.

Tarcísio, assim como Doria, foi comer na mão de Kassab para formar uma base no legislativo. Que diferença para o discurso anti-política de 2018, em que os bolsonaristas enchiam a boca para cantar em verso e prosa as virtudes da Nova Política. Qualquer ponderação em contrário (e fiz várias ao longo de 2019) era recebida com a foto das malas de dinheiro no apartamento de Gedel Vieira Lima, sugerindo que negociação política era sinônimo de corrupção. Bolsonaro, o campeão da honestidade e pureza, jamais iria capitular para o sistema político, pois o povo nas ruas iria sustentá-lo.

Que diferença quatro anos fazem. Bolsonaro uniu-se a Ciro Nogueira (!) e Valdemar da Costa Neto (!!!) e Tarcísio, a mais preciosa joia do bolsonarismo, uniu-se a Kassab, em um reconhecimento implícito (nunca explícito!) de que a tal Nova Política era uma grande bobagem.

Não existe velha política e Nova Política. Existe política e corrupção. A política é a nobre arte da negociação para alcançar o bem comum. A corrupção é a transformação dessa negociação em negociata. Assumir que toda negociação é, em princípio, uma negociata, levou à patética Nova Política, um beco sem saída.

A “nova-política” está sepultada

No início do governo Bolsonaro, escrevi aqui alguns posts defendendo o diálogo político como forma de avançar a agenda do governo no Congresso. Em determinado momento, caiu-me a ficha ao ler o post de um bolsonarista-raiz: que raios afinal eu queria? Que o governo eleito com o discurso da anti-política, que defendia uma tal “nova política”, entrasse em conchavos típicos da “velha política”? De fato, aquilo não fazia sentido.

A “nova política” seria a política dos superiores morais: o bom, o belo e o justo se imporiam com a força do povo nas ruas. Todas as reformas, econômicas, políticas e morais, se fariam realidade pela liderança de um ser impoluto, a encarnação do bem, liderando uma verdadeira limpeza do ambiente político. O Congresso seria um mero detalhe, um coadjuvante nesse processo.

Na época concordei com esse ponto de vista, ainda que não visse muito futuro nessa linha. Afinal, por mais que a “verdade que liberta” estivesse ao lado do governante de plantão, o sistema político reflete a complexidade de um país multifacetado. Bolsonaro recebeu mais de 50 milhões de votos, mas não conseguiu sequer eleger a maior bancada do Congresso. Bancada essa que se esfacelou em poucos meses. Como ainda temos Congresso, e não parece que estejamos a ponto de fechá-lo, de alguma maneira haveria de haver uma composição.

Não acho estranho que a composição tenha acontecido. Afinal, Bolsonaro pode ser tudo, menos lunático. O que realmente me espanta é que os bolsonaristas, desde os parlamentares até os seus apoiadores aqui na rede, tenham perdoado Bolsonaro por ter “entrado no jogo” da velha política. Afinal, ficou claro que não se segue uma agenda, mas uma pessoa. Esta pessoa já abandonou a agenda anticorrupção e a agenda liberal. Falta a agenda de costumes, mas esta faz parte do núcleo anti-esquerda, então será mais difícil abandonar. E, convenhamos, ao contrário das outras duas, não é preciso abandoná-la para compor com uma parte relevante do Congresso.

A historinha da “nova política” está sepultada. E os bolsonaristas estão fazendo cara de paisagem.

O vácuo de poder

Não existe vácuo na política.

Bolsonaro sempre foi um outsider no Congresso, e capitalizou essa forma de fazer política nas eleições de 2018, colocando-se como o candidato “anti-sistema” diante de um público farto com a corrupção no parlamento, que chegou ao paroxismo com o Petrolão.

Ganhas as eleições, continuou com o mesmo posicionamento: não iria investir na construção de uma base no Congresso, o chamado “presidencialismo de coalização”. No lugar, inaugurava a “Nova Política”. E no que consistia essa “Nova Política”? Basicamente, o Planalto iria propor os temas de seu interesse ao Congresso, e este iria aprová-los, pois os temas de interesse do Planalto se confundiam com os interesses do Brasil e do povo brasileiro. E se, por acaso, os parlamentares não entendessem isso, estavam aí as manifestações nas ruas e nas redes sociais para lembrá-los de seus deveres.

Só que não.

A “Nova Política”, na verdade, significou um vácuo de poder. Enquanto Bolsonaro se auto restringia a ser pouco mais que uma Rainha da Inglaterra, Rodrigo Maia articulava para fazer a sua coalizão no Congresso. Passou a ser o “primeiro-ministro” do Brasil.

Em um regime presidencialista, o presidente da República tem muito mais instrumentos de poder que o presidente do Congresso. É ele que, como dizem, tem a caneta na mão. Mas Bolsonaro abriu mão desse poder, em nome da Nova Política. Não existe vácuo na política.

É verdade que foi nesse esquema de coisas que a Reforma da Previdência, uma pauta fundamental para o Planalto, foi aprovada no ano passado. Mas só foi aprovada porque Rodrigo Maia quis. Se não quisesse, não sairia. Houve aqui uma coincidência de agendas.

– Ah, mas esse Congresso só tem bandido, negociar com eles é fazer parte da bandidagem!

Que seja. Qual a alternativa? Ficar fazendo manifestação na Paulista e nas redes sociais? Pelo visto, não tem funcionado. Outra alternativa seria eleger um Congresso melhor nas próximas eleições. Mas vamos lembrar que o povo que colocou Bolsonaro no Planalto foi o mesmo que colocou esses parlamentares que estão aí no Congresso. Por que seria diferente nas próximas eleições?

– Ah, mas esse sistema eleitoral está viciado, ninguém sabe em qual deputado votou!

Verdade, mas isso não tem realmente influência no jogo de forças dentro do Congresso. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, teve 1,8 milhão de votos. Já Rodrigo Maia teve 25 vezes votos a menos, 72 mil. Mas Eduardo arrastou consigo uma meia dúzia de deputados através do coeficiente eleitoral, deputados esses que não teriam votos suficientes para se eleger. Não por outro motivo, o PSL formou a maior bancada da Câmara. Os votos dados ao partido do presidente se transformaram, através do coeficiente eleitoral, em deputados na Câmara. Se os 58 milhões de eleitores de Bolsonaro tivessem votado em candidatos do PSL, a base de sustentação estava feita. Mas o partido do presidente recebeu somente 11,6 milhões de votos. O restante serviu para eleger esses mesmos deputados que agora estão “chantageando” o presidente. E nem mesmo essa base diminuta Bolsonaro conseguiu manter: metade do PSL já se bandeou para a oposição.

Pode ser que essa notícia do Estadão seja apenas mais uma fake news da chamada “extrema-imprensa”. Pode ser que Bolsonaro continue sendo o paladino da Nova Política, e essas conversas tenham se dado de maneira republicana, sem envolver o vil metal. Pode ser, inclusive, que essas conversas tenham sido inventadas, nunca tenham ocorrido. No primeiro caso, Bolsonaro finalmente terá encontrado políticos no Congresso com quem pôde ter uma conversa republicana. No segundo caso, Maia continuará reinando sozinho no Congresso. O Diário Oficial dirá qual a hipótese verdadeira.

A política corporativista

São cerca de 1,3 milhão de funcionários públicos na esfera federal, que consomem mais de R$ 300 bilhões/ano, nesta que é a segunda maior despesa da União, depois da Previdência Social.

O destemido Bolsonaro arregou diante dessa turma sem nem mesmo ter entrado no ringue. Entendo toda a dificuldade política que envolve o assunto. Afinal, o poder de pressão do funcionalismo sobre os congressistas é maior do que o poder de pressão dos seus eleitores, para quem não dão a mínima bola.

Mas Bolsonaro veio implementar a “nova política” (faz tempo que não ouço essa expressão, por que será?). Sua relação com o Congresso se daria através de iniciativas programáticas, sem o “toma-lá-dá-cá” que caracterizava o presidencialismo de coalizão. Então, por que simplesmente não mandar o projeto para o Congresso? Não era esse o programa do governo? Fosse a “velha política”, o presidente contaria com uma base de sustentação no Congresso, e amarraria a votação de seus projetos. Na “nova política”, eu esperaria que, pelo menos, o abacaxi fosse jogado para os parlamentares, que teriam o ônus de dizer não a um projeto mais do que popular. Mas, por algum misterioso motivo, Bolsonaro, a expressão máxima da “nova política”, não quer se indispor com o Congresso. Ou seja, não temos nem a “velha política” e nem a “nova política”. Não temos política nenhuma.

Enquanto isso, o funcionalismo público federal continua sendo um dos mais bem pagos do mundo em relação à renda per capita de seu país, enquanto continuamos a ser o país com maior carga tributária entres seus pares emergentes e, mesmo assim, não conseguimos gerar superávit nas contas. Por enquanto, o mercado está satisfeito com a reforma da previdência. Daqui a pouco, vai começar a cobrar a continuidade das reformas. Bolsonaro está brincando com fogo.

Velha Política com o seu bolso

Não costumo dar muito peso a essas “notinhas políticas”. Além de não passarem de fofocas irrelevantes de bastidores, já vi algumas vezes serem desmentidas logo em seguida. Mas chamou-me a atenção que Paulo Skaf tenha ligado (três vezes!) para Bolsonaro, a fim de convencê-lo a manter o limite para a Lei Rouanet. O que tem a ver Skaf com os artistas? E mais, o que tem Skaf a ver com Bolsonaro?

A resposta à segunda questão está na mesma página: Skaf é o novo aliado de Bolsonaro em São Paulo para enfrentar João Doria.

Paulo Skaf é o Paulinho da Força dos empresários, defensor número 1 das meias-entradas para a catchiguria. Tem alguma mamat… quer dizer, incentivo para alguma indústria nascente, como a automobilística? Paulo Skaf está lá, articulando. Se Paulo Guedes tinha alguma esperança de tirar o dinheiro do Sistema S, com essa aproximação pode tirar o cavalinho da chuva.

O que nos remete à primeira questão: por que Paulo Skaf teria tanto interesse em manter um limite alto para a Lei Rouanet? Simples: as empresas teriam mais espaço para “incentivar as artes”, colocando os seus logos em filmes e peças teatrais e posando de mecenas sem tirar um tostão do bolso, só usando o dinheiro dos impostos não pagos. É um ganha-ganha, onde quem perde você sabe quem é.

Bolsonaro tem o direito de se aliar com quem quiser. Só não me venham dizer que isso é a Nova Política.

Velha política x Nova política

Entrevista hoje com Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política do Planalto.

Estamos em setembro. Há coisa de 4 meses, no início da tramitação da reforma da previdência, escrevi alguns posts aqui sobre o problema da falta de uma base de sustentação do governo no Congresso. Defendia, na ocasião, que a chamada “Nova Política” não podia abrir mão de fazer política, que significa compartilhar espaços de poder. Fazer política não podia ser sinônimo de roubalheira. A construção da base poderia ser feita com base em um programa de governo. Exatamente o que o ministro diz na entrevista.

Bem, foram tantos os comentários e tantos posts na minha TL execrando o “toma-lá-da-cá”, que escrevi um último post sobre o assunto, dizendo que me havia caído uma ficha: Bolsonaro não havia sido eleito para fazer o que os outros sempre fizeram. Ele não teria uma base no Congresso em troca de cargos indicados por parlamentares.

Isso faz só 4 meses. A defesa da “Nova Política” sumiu da minha TL. Alguns poucos ainda defendem a “visão estratégica” do governo em pontos que fariam cair o mundo há 4 meses.

Dirão que a reforma da Previdência foi aprovada sem o toma-lá-da-cá. Verdade, ainda que, na minha humilde opinião, a reforma foi aprovada APESAR do Planalto, não POR CAUSA do Planalto. Mas deixemos de barato que tenha sido obra da “Nova Política”. Se funcionou com a reforma, por que mudar? Por que a preocupação em ter uma base no Congresso, conforme externado pelo ministro na entrevista? Em time que está ganhando não se mexe. Ou não está ganhando?

Enfim. Na época em que eu ainda discutia “Nova x Velha” política, fiz uma enquete sobre o que aconteceria no futuro. As alternativas eram mais ou menos as seguintes: 1) Bolsonaro se manteria firme e o Congresso não se curvaria, chegando a um impasse institucional, 2) Bolsonaro se manteria firme e o Congresso se curvaria à “Nova Política” e 3) Bolsonaro cederia à “Velha Política”. The winner is…

Nova Política

O Valor Econômico traça hoje um perfil bastante simpático do deputado Alexandre Frota (PSL-SP). Neófito na Câmara, Frota destacou-se como um dos principais articuladores dentro do partido no governo durante a tramitação da reforma da Previdência.

Na matéria, Frota “descriminaliza” as emendas parlamentares e os cargos indicados por deputados. Mas o trecho abaixo resume a descoberta da Política por parte do deputado, que aprendeu rapidamente a transitar em um mundo onde a “vontade do povo” é ouvida através da cacofonia de muitas vozes dissonantes, e onde os consensos são alcançados somente com muita conversa e concessões de lado a lado.

Essa é a Política, com P maiúsculo, que não pode ser confundida com crime.

Negociação

Negociação.

Quantas vez tive que ler aqui que “negociação” era sinônimo de roubalheira. Que o Congresso teria que aprender na marra a seguir as vontades do Executivo por que esta era a “vontade do povo”.

O governo liberou verbas para o Minha Casa Minha Vida, universidades federais e a transposição do Rio São Francisco. Em troca, ganhou aval para não cumprir a regra de ouro. Isto foi uma NEGOCIAÇÃO.

Não vamos nos iludir, no entanto. Tratava-se de uma matéria que afetava diretamente programas para os mais pobres, como Bolsa Família e BPC, e os congressistas sabem onde o seu calo aperta. Então, mesmo em um assunto tão delicado para si próprios, conseguiram arrancar concessões do governo. Além disso, três vetos de Bolsonaro foram derrubados ontem, numa demonstração de que a negociação serviu especificamente para o PLN4.

A negociação ad hoc para cada projeto, sem contar com uma base estável no Congresso, custa mais caro e é mais “emocionante”, pois o Congresso chantageia o Executivo até os 48 minutos do 2o tempo. Melhor seria ter uma base, mas esse não é o modus operandi desse governo.

A boa política

Ia escrever sobre isso ontem, mas ficou melhor ainda com essa foto e esse editorial do Estadão.

Política. A boa política.

Aparentemente, o governo Bolsonaro começa a entender que não se faz política com confronto, mas com negociação. E que negociação não significa automaticamente corrupção.

Como todo governo, Bolsonaro ainda sofrerá muitas derrotas no Congresso, assim como conseguirá muitas vitórias. Assim é a democracia, não uma luta entre o bem e o mal, mas um embate de concepções de mundo na arena regulamentar: o parlamento.

PS.: o Estadão fez muitos editoriais criticando o governo Bolsonaro. Alguns dirão que, se o editorialista está elogiando, é porque Bolsonaro está no caminho errado. Eu prefiro pensar que receber um editorial elogioso é uma conquista para qualquer governo.