Sintonizando a realidade

O que um grupo de militares brasileiros e o prêmio Nobel de economia Paul Krugman têm em comum? Ambos acalentam a sua própria teoria da conspiração, em que “elites financeiras” manipulam os cordões do mundo para atingir seus próprios inconfessáveis objetivos.

Ontem, ficamos sabendo que os militares de um tal Instituo Villas Boas produziu um documento em que acusa as “elites financeiras globais” de trabalhar por um troço chamado “globalismo”, que seria algo muito ruim mesmo.

Hoje, Paul Krugman acusa a “elite financeira digital” de apoiar, oh pecado dos pecados, o Partido Republicano.

Já tive oportunidade de escrever sobre teorias da conspiração. No seu cerne, sempre existe um “grande manipulador”, que não quer e não lhe permite saber “a verdade”. Fechados em seu próprio mundo, os crentes da teoria rechaçam qualquer evidência em contrário à teoria como mais uma manifestação do grande manipulador. Um documentário bem didático sobre o assunto é Behind The Curve, sobre os terraplanistas, disponível na Netflix.

Por algum estranho motivo, os adeptos da teoria consideram-se mais inteligentes e perspicazes do que a média, pois conseguiram escapar da “manipulação”. Ou mais honestos, porque aderem à verdade por mais dura que seja, enquanto outros preferem a mentira certamente por motivos escusos.

George Soros e Elon Musk, cada um para um grupo de crentes, são os representantes máximos dessa “elite financeira manipuladora”. Isso não é nem sequer original. Os Sete Sábios do Sião, livro da virada do século XIX para o XX, descreve como a “elite financeira judaica” manipula as cordas do mundo. E os bolcheviques e todos os seus sucessores à esquerda no século seguinte atribuem os males do mundo a uma “elite financeira”. Aliás, até hoje, para uma boa parcela da população brasileira, os “banqueiros” são os verdadeiros culpados pelas mazelas do país. Essas são verdades que dispensam demonstração de causa e efeito, como em toda boa teoria da conspiração.

Vejam, não estou negando que haja projetos para implementar determinadas agendas, e que estes projetos sejam patrocinados por quem tem dinheiro para isso. A questão é reduzir a humanidade a uma massa manipulável, como massinha de modelar, e colocar-se acima dessa mesma humanidade como aquele que “descobriu” um manipulador por trás de tudo o que acontece.

Na verdade, somos todos, de uma forma ou de outra, manipulados. As ideias são como ondas de rádio, que estão no ar sem que as percebamos. Nossa mente, assim como um aparelho de rádio, sintoniza algumas dessas ideias, enquanto outras lhe são estranhas. Essa sintonia se dá em função de nossa formação e experiências pessoais. O verdadeiro diálogo se dá entre pessoas que admitem que o outro não é um tapado manipulado, apenas sintoniza a realidade de maneira diferente.