O verniz do liberalismo

My Fair Lady foi um fenômeno em seu tempo: levou 8 estatuetas em 1965, incluindo a de Melhor Filme. Conta a história de um professor de linguística que aposta com um amigo que conseguiria disfarçar a origem de qualquer pessoa através de treino de fala. Para tanto, pegam uma vendedora de flores que trabalha nas ruas de Londres, uma mulher do povo, para fazer a experiência. Se, em 6 meses, ela pudesse frequentar uma festa da alta sociedade londrina sem ser desmascarada, o professor ganharia a aposta.

Guedes fez a mesma coisa com Bolsonaro. Ou melhor, neste caso, foi Bolsonaro que contratou Guedes para lhe dar um banho de loja, não de domínio formal da língua, mas de liberalismo. O desafio era fazer Bolsonaro desfilar pelo cenário brasileiro sem acusar sua origem corporativista e estatista.

Em um Roda Viva em julho de 2018, o então candidato Bolsonaro foi questionado com a típica pergunta sobre o legado que gostaria de deixar com o seu governo (o vídeo está disponível no YouTube, a pergunta é logo a primeira). Bolsonaro viaja na resposta, aborda todos os pontos de seu programa, o que leva o jornalista a repetir a pergunta: “mas e se tivesse que escolher um único legado, qual seria”. Bolsonaro responde sem titubear: “que a nossa economia passasse a ser liberal, esse é o nosso sonho”.

Estava feita a transformação, o professor Higgins tupiniquim aparentemente havia ganho a aposta.

Mas descobriu-se, com o tempo, que Bolsonaro havia passado apenas no teste do primeiro baile, o do discurso. Nos bailes seguintes, que exigiam ações concretas, o discípulo falhou miseravelmente.

O tempo encarregou-se de mostrar que a linguagem não muda a pessoa. Assim como o professor Higgins mudou a forma de falar de sua discípula mas não a pessoa que ela era, Guedes conseguiu envernizar Bolsonaro, mas não mudar profundamente as suas convicções.

O pequeno Wilber

Na minha juventude (não faz muito tempo rsrsrs) havia um programa de humor na rádio 89 chamado Os Sobrinhos do Ataíde. Havia vários quadros hilários, mas um dos melhores era o do Pequeno Wilber.

O quadro sempre começava com uma musica bucólica e o narrador, com voz calma, descrevendo como o pequeno Wilber brincava sossegado e feliz. Então, a música mudava de repente e a voz se tornava dramática: um monstro qualquer aparecia e dava início ao massacre do pequeno Wilber. O toque de humor negro vinha sempre com o mote “sem braços, sem pernas, sem a cabeça, mas ainda vivo, o pequeno Wilber…” e o ouvinte tentava imaginar a cena em que os restos do pequeno Wilber falava ou tentava ainda fazer alguma coisa.

Quando vejo Paulo Guedes lembro do pequeno Wilber. Castello Branco é apenas a última perna decepada. Antes dele foram vítimas de massacre Joaquim Levy, Rubem Novaes, Salim Mattar e Paulo Uebel. Cada um deles representava um membro do pequeno Wilber de Chicago. Ainda vivo, Paulo Guedes tenta ainda desesperadamente escapar do monstro.

No esquete do rádio, o pai do pequeno Wilber ficava observando de longe o massacre do filho e, no final, dava alguma dica cretina para o filho escapar do massacre. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Ajudantes de ordens

Sérgio Moro era um técnico à frente do Ministério da Justiça. Foi demitido por cumprir seu dever fiduciário e substituído por um ajudante de ordens.

Nelson Teich era um técnico à frente do Ministério da Saúde. Foi demitido por cumprir seu dever fiduciário e substituído por um ajudante de ordens.

Castello Branco era um técnico à frente da Petrobras. Foi demitido por cumprir seu dever fiduciário e substituído por um ajudante de ordens.

Paulo Guedes é um técnico à frente do Ministério da Economia.

Aposta

Rodrigo Maia talvez tenha sido o presidente da Câmara mais liberal que passou pela casa.

Baleia Rossi é nada menos que o autor da PEC 45, a mais estruturada proposta de reforma tributária em análise na Casa.

Mas Paulo Guedes acha que é o Centrão que vai fazer deslanchar a sua “agenda liberal”.

A única agenda de Guedes, hoje, é a volta da CPMF. Aquela “grande agenda liberal”, com a qual Bolsonaro hipnotizou o mercado financeiro e os empresários, ficou no discurso.

Escrevam aí: não sai nenhuma grande privatização e nenhuma grande reforma até o fim deste governo. Podem printar este post e me cobrar daqui a dois anos.

Terei prazer em reconhecer o erro e pedir desculpas.

Engôdo

Um anúncio de página inteira hoje no Estadão chamou-me a atenção. Patrocinado por várias entidades empresariais, pede foco nas reformas constitucionais de que o país necessita. E chama o teto de gastos de “sagrado”, além de defender a independência do Banco Central.

Chamou-me a atenção porque, quando as entidades empresariais se manifestam, geralmente é para pedir algum benefício para si. Neste caso, no entanto, defendem uma agenda de aumento de produtividade nacional, sem olhar a setor A, B ou C.

No mesmo jornal, a manchete nos diz que Guedes quer aproveitar o novo presidente da Câmara para pautar a volta da CPMF.

Guedes não está preocupado com a reforma administrativa, a reforma tributária, a independência do BC. Seu interesse é a CPMF. As entidades empresariais devem estar enganadas. Essa agenda de produtividade é bobagem. Bom mesmo para o país é a CPMF.

Paulo Guedes é um engodo.

Paulo Guedes está prestigiado

No futebol, quando o time está caindo pelas tabelas, é comum o presidente do clube vir a público para dizer que “o técnico está prestigiado”. Esta frase normalmente precede a demissão. É até natural: quem está prestigiado não precisa de uma declaração formal do presidente, não é mesmo?

Têm sido cada vez mais recorrentes as declarações de Bolsonaro em favor de seu ministro da Economia. Não estivesse sob pressão por resultados, essas declarações seriam dispensáveis. A multiplicação das declarações de apoio estariam antecedendo a demissão? Só o tempo dirá.

Se sair do governo, Guedes estará apenas repetindo a sina dos ministros da Fazenda no Brasil. Desde a proclamação da República, tivemos 77 ministros da Fazenda, incluindo Paulo Guedes. A média de permanência no cargo foi de 1 ano, 8 meses e 20 dias. Guedes já é ministro da Economia há mais de 1 ano e 9 meses, o que já o faz estar na parte superior da tabela.

O ministro da Fazenda mais longevo da história do Brasil foi Artur da Souza Costa, que serviu o governo Getúlio Vargas por nada menos que 11 anos, 3 meses e 9 dias. O segundo mais longevo, acredite se quiser, foi Guido Mantega, que foi ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma durante 8 anos, 9 meses e 7 dias. O terceiro foi Pedro Malan, que foi o ministro da Fazenda de FHC durante 8 anos e o quarto foi Delfim Netto, que serviu os governos de Artur da Costa e Silva e Garrastazu Médici durante exatos 7 anos.

O que podemos observar, sem surpresa, é que situações econômicas instáveis detonam mais rapidamente os ministros da Fazenda. João Goulart, por exemplo, teve 5 ministros da Fazenda em 2 anos e 7 meses de mandato. Sarney teve 4 ministros em 5 anos, enquanto Itamar Franco teve inacreditáveis 5 ministros em 2 anos e 4 meses de mandato, batendo o recorde de João Goulart. Por outro lado, há pouca rotatividade durante períodos de bonança e estabilidade.

Paulo Guedes vai sair? Não sei. O que sei é que as juras de prestígio abundam. Por quê?

Estelionato eleitoral

Entre o final de setembro e o início de outubro de 2018, na reta final da campanha eleitoral, o Posto Ipiranga deu com a língua nos dentes e avisou que estava pensando em um imposto com rabo de CPMF, focinho de CPMF e boca de CPMF, mas não era a CPMF, taokey?

Como o então candidato do PSL sabia do teor tóxico da proposta, a negou veementemente. Lembro que todas as páginas bolsonaristas saíram em defesa do candidato, classificando a notícia como “fake news”. No máximo, havia sido uma “trapalhada” do Posto Ipiranga, que confundira IVA com CPMF. Muito compreensível.

Obviamente, olhando em perspectiva, fica claro que a única proposta tributária do Posto Ipiranga sempre foi a CPMF. É o samba de um imposto só. Marcos Cintra foi convidado para ser o secretário da Receita com um único objetivo: a implantação do seu projeto de vida, o imposto único.

Não consigo dizer se isto estava claro para Bolsonaro desde o início, ou se o Posto Ipiranga contava com o tempo para convencê-lo do seu projeto. O fato é que, hoje, Bolsonaro quer emplacar a CPMF, mesmo sendo um claro estelionato eleitoral.

Em sua mensagem na abertura dos trabalhos do Congresso em 2016, a então presidente Dilma Rousseff defendeu a aprovação da CPMF. Foi o único momento durante aquele discurso em que foi vaiada. Certamente o então deputado Jair Bolsonaro engrossou o coro.

Diz o governo que não vai aumentar a carga tributária, vai apenas substituir os impostos sobre a folha de pagamentos pela CPMF. Bem, o mesmo efeito poderia ser atingido pelo aumento da alíquota do futuro IVA, que vai substituir outros impostos. Por que não o faz? Ora, porque a alíquota do IVA já é grotescamente alta, e aumentá-la ainda mais é inviável. Então, vamos inventar um novo imposto com alíquota pequena pra fazer de conta que não estamos cobrando nada. É a confissão de que é preciso continuar escondendo a derrama a que é submetido o cidadão brasileiro.

E qual teria que ser o tamanho da alíquota? Vamos lá. Em 2007, último ano de cobrança da CPMF, a arrecadação foi de R$ 37 bilhões, o que daria, a valor corrigidos, R$ 73 bilhões. Isso com uma alíquota de 0,38%. O orçamento recém-enviado pelo governo prevê uma arrecadação de INSS (principal imposto sobre a folha) de R$ 417 bilhões, grande parte paga pelo empregador. Só para compensar este imposto, a alíquota teria que ser de 2,17%. Isso com uma taxa de juros de 2%. Uma alíquota de 0,38% pagaria cerca de 1/5 das despesas com INSS. Faltariam o FGTS e o PIS/PASEP. Dá para perceber que a coisa não é tão simples.

Na época da eleição, escrevi aqui um post em que lembrava que eu havia testemunhado o nascimento de muitos impostos e contribuições, mas a morte de somente dois: a CPMF em 2007 e o imposto sindical em 2017. Os dois são, para mim, linhas vermelhas. Voto no Cabo Daciolo, mas não voto no cidadão que recriar um desses dois impostos. Está avisado.

Jogo de cena patriótico

Eu me enganei.

Achei que aquela frase sobre patriotismo era só mais uma no repertório populista do presidente, sem maiores consequências.

Mas me enganei.

O Ministério da Justiça foi pra cima dos produtores e empresários. Claro, pode ser só um jogo de cena, pra mostrar serviço, sem maiores consequências.

Espero não me enganar de novo.

PS.: o silêncio do Guedes sobre o assunto é ensurdecedor.

O governo da semana que vem

Paulo Uebel e Salim Mattar, subordinados diretos do ministro Paulo Guedes, pediram demissão. O primeiro por discordar do atraso da reforma administrativa. O segundo, por discordar do atraso da agenda de privatizações.

Este é o governo do atraso. Ou se preferirem, o governo da “semana que vem”.