Eu já estava convencido de que a Venezuela não tinha dado calote. Pelo menos, foi isso que disse o ministro da Secon, Paulo Pimenta, que explicou direitinho que o BNDES não financia países, financia as empresas brasileiras. E, se o país não paga a dívida com a empresa, “o seguro cobre”, tudo certo.
Agora, vem o Maduro e diz que vai pagar a dívida! Que é isso, Maduro, não se preocupa não amigo, o “seguro já cobriu”, a dívida já foi quitada, você não deve mais nada não, fica tranquilo, pode se dedicar a criar as suas narrativas em paz, sem stress.
E o Maduro ainda vai criar uma “comissão” pra determinar o tamanho da dívida. É muito boa vontade, olha, se todo mundo fosse igual ao Maduro, assim, honesto, o mundo seria muito melhor. Bem fez o Lula de trazê-lo aqui para o Brasil, é de exemplos assim que precisamos.
O Banco Central afirma que a culpa pelos juros altos é do governo. O governo afirma que a culpa pelos juros altos é do Banco Central. Quem tem razão?
Mesmo quem tem conhecimento zero de macroeconomia, poderia responder a essa questão usando apenas a lógica aplicada à observação da realidade. Vejamos.
Digamos, por hipótese, que o BC pudesse colocar a taxa de juros onde quisesse, discricionariamente. Se isso fosse verdade, qual seria exatamente a limitação para praticar taxa zero de juros? Ou, como defende Lara Resende, “taxas de juros abaixo da taxa de crescimento da economia”? Os defensores do MMT são muito modestos em suas ambições. Um BC absolutamente discricionário poderia zerar as taxas de juros, se isso fosse do “interesse nacional”, como afirma o ministro da SECOM. Aliás, quando não seria?
Mas a lógica nos leva mais longe: se, afinal, a taxa zero de juros é a opção óbvia de um BC que trabalha sem restrições, para que mesmo existe um Banco Central? O dinheiro poderia ser gerido diretamente pelo Tesouro Nacional. Um BC sem restrições é, por definição, um BC que não tem razão de existir.
No entanto, sabemos que o BC trabalha sob restrições. Na verdade, uma restrição: a inflação. Inflação é um termo ausente em todo esse debate. Desafio o leitor a encontrar essa palavra nos discursos de Lula, Haddad, Galípolo, e todo o Estado Maior e menor do PT. Quando aparece, é de modo lateral, afirmando que se trata de uma “inflação de oferta”, contra a qual o BC não poderia fazer nada (a inflação seria, então, uma espécie de destino), ou para sugerir uma meta de inflação maior, o que não deixa de ser um reconhecimento inconsciente de que a inflação é, de fato, uma restrição.
Assim, afirmar que o BC poderia praticar taxas de juros menores (quanto menores?) é, na prática, afirmar que o controle da inflação não deveria ser uma restrição a ser respeitada. Mesmo aqueles que, honestamente, reconhecem que o controle da inflação deve ser uma meta do BC, mas acham que o BC deveria dar um peso maior para a atividade econômica (“um pouco mais de inflação para um um pouco mais de crescimento”), na prática estão subordinando a inflação ao objetivo de crescimento. E isso é um problema, porque, a rigor, não há limites para a ambição de crescimento. De quanto deveria ser o crescimento do PIB para que, finalmente, voltássemos a controlar a inflação? 3%? 5%? 10%? Por isso que a missão do BC conta com uma meta de inflação mas não uma meta para o crescimento.
Enfim, o arranjo institucional de um BC independente que tem como meta controlar a inflação só faz sentido se as decisões do BC forem limitadas pela inflação. E se as decisões do BC são limitadas, por definição o BC não pode colocar as taxas de juros onde deseja. Se assim fosse, o BC, a rigor, nem precisaria existir. E, se o BC responde à inflação, essa inflação deve ter sido gerada em outro lugar. Onde?
PS.: o BC pode ser obrigado a aumentar as taxas de juros em resposta a um erro de política monetária anterior, e essa é uma das acusações que se fazem aos BCs do mundo inteiro, por terem demorado a reagir aos gigantescos estímulos fiscais dados durante à pandemia. Mas note que essa crítica é justamente a oposta a que o governo do PT faz ao BC hoje, ou seja, o BC deveria ter sido ainda mais durão antes, para não deixar a inflação chegar aonde chegou. De qualquer forma, esta crítica não nega que a origem da inflação não foi a política monetária (taxa de juros), mas a política fiscal (gastos do governo).