Futebol não é somente uma atividade econômica

Os que leem essa página já devem ter percebido que sou da classe dos capitalistas selvagens. Para mim, a atividade econômica se resume a oferta e demanda, o que você recebe pelo que você paga, valor adicionado, produtividade, essas coisas.

Mas dentro desse coração duro feito pedra mora uma exceção: o futebol.

O futebol não pode ser classificado como uma atividade econômica como as outras. Seria o mesmo que tentar classificar o amor de uma mãe pelo seu filho de acordo com relações de trocas econômicas. Simplesmente não dá.

Futebol é paixão irracional. Seu time de coração é isso mesmo: o time de coração. E o coração tem razões que a própria razão desconhece, diz o ditado.

Outra coisa: futebol é estádio. Acho graça da molecada hoje em dia torcendo para o Barça ou Real Madrid, sem nunca terem ido a um estádio ver um jogo desses times. É quase como um vídeo game. Aliás, faz sentido. Para uma geração formada por Felipe Neto no youtube e viciada em vídeo games, o futebol virtual é até melhor. Mas isso não cria paixão. O estádio é o lugar onde se vive e se morre por um time. Onde estão as lembranças dos entes queridos que nos transmitiram seu amor pelos seus times, e onde comungamos o mesmo destino e a mesma paixão com desconhecidos que se tornam nossos irmãos na tristeza e na alegria. O futebol sem a torcida no estádio não é futebol, que me desculpem. Sim, sim, eu sei que o futebol é também uma atividade econômica. Quanto mais torcedores o time tiver, quanto mais bem organizado for o “time-empresa”, mais condições terá de ganhar títulos e novos torcedores, em um círculo virtuoso. E o contrário também é verdadeiro.

Mas um time de futebol transcende a esfera puramente econômica. Não me perguntem porquê, mas é assim. Por isso, seria preciso pensar em algum arranjo que sustente os times com torcidas menores, que têm mais dificuldade de montar equipes competitivas. Claro, é preciso que a administração seja profissional, esta é uma condição sine qua non que precisa estar garantida. Mas o poderio de um time não pode ser somente função do tamanho de sua torcida. Se assim for, terminaremos com 1 ou 2 times dominando o futebol, como aliás acontece na Europa.

Entendo perfeitamente a lógica de uma Globo, que quer a máxima audiência possível, o que a faz pagar mais para os times com maior torcida. Mas uma competição dominada por um time só perde a graça e, no limite, a audiência. Esta lógica econômica também precisa ser incorporada no processo de decisão.

Essas reflexões me vieram à mente quando li o post do meu amigo José Mauro Delella, a respeito dos 100 anos da Portuguesa de Desportos, que tive o prazer de ver jogar contra o meu Santos, em um 3 x 3 épico, com apresentação de gala de Eneas, que fez os 3 gols da Lusa.

Não se preocupe Zema. A Portuguesa nunca vai morrer enquanto você estiver vivo. Porque um time vive de verdade é no coração dos seus torcedores.


Da página de José Mauro Delella:

Há exatos 100 anos, 5 portugueses que representavam seus times espalhados por São Paulo se uniram para formar um maior e deram a ele o nome de Associação Portuguesa de Desportos. Um desses times se chamava Portugal Marinhense, time de meu bisavô, José Rodrigo, e de seus filhos.

Mesmo bem antes de saber essa história eu já amava a Portuguesa completamente. Amor pouquíssimo correspondido, a propósito. Mais sofrimento que alegria. Mas amor puro. O amor pela Portuguesa tem muito a ver com as nossas ligações familiares. É o meu caso e da maior parte dos torcedores. Sou um sobrevivente de tardes e noites passadas no Canindé com pessoas que já se foram. Minha avó, a mais fanática de todas, meu nonno, italiano convertido, seus três filhos, Antonio, Anibal e José Nicola. Este, meu pai e referência de vida. Descendentes daquele José Rodrigo.

Sempre foi difícil torcer pra Portuguesa. Mesmo em tempos bem melhores, ser o único da classe era regra. Mas os últimos 20 anos foram cruéis. Uma derrocada terrível a partir de 2002 e a morte “de morte matada” em 2013. Muitos jogadores indignos de vestir o manto que já vestiu Djalma Santos, Julinho, Dener, Enéas, Felix, Pinga, carregaram as cores rubroverdes e isso me fez um pouco mais triste.

Talvez haja alguma forma de ressurreição, talvez não. Mas esse amor vai me acompanhar até o fim. Junto com aqueles que já se foram e a quem eu represento.

Se eu torcesse para outro time, eu seria outra pessoa. Parabéns Associação Portuguesa de Desportos.