Lei ad hominem

Duas reportagens sem relação entre si tratam do mesmo assunto: quais as consequências de longo prazo dos supostos abusos do judiciário ocorridos nos últimos dias?

A primeira é uma notinha na Coluna do Estadão, em que “advogados próximos a Lula” (leia-se Prerrogativas) estariam preocupados com o afastamento do governador do DF por Alexandre de Moraes, atropelando o STJ, que seria a instância adequada, no caso.

Na segunda, um estudioso condena o uso da palavra “terrorismo” por Alexandre de Moraes para qualificar os atos de 08/01. Segundo o especialista, a lei anti-terrorismo no Brasil não abriga atos com motivação “política-ideológica”, o que seria o caso.

Em ambos os casos, chama-se a atenção para a jurisprudência criada, que poderia se voltar contra outros atores do quadro político brasileiro, como o próprio Lula ou outros petistas e os movimentos sociais.

Ou seja, a questão não é o que está certo ou errado, mas qual a consequência para o meu grupo político. Se, de alguma forma, a lei abrigasse punição apenas para bolsonaristas, não haveria preocupação. Uma lei ad hominem poderia permitir que Alexandre de Moraes atropelasse o STJ ou classificasse os atos de 08/01 como terrorismo sem que isso significasse algum tipo de risco para grupos políticos associados à ”defesa da democracia e das causas sociais”. Quem sabe esse não seja o próximo passo.

O preço da preservação da democracia

Os advogados do grupo pela impunidade Prerrogativas estão fazendo um “corpo-a-corpo” na “Faria Lima” para convencer o pessoal a não só votar em Lula, como a declarar publicamente o seu voto.

Chamou-me a atenção o argumento de que Lula tem capacidade de oferecer “segurança jurídica”, essencial para os “negócios”. Sem dúvida! Com Lula é assim: os “negócios” voltarão a poder ser feitos sem o receio de “perseguições” da justiça, as “prerrogativas” dos empresários de terem à disposição infinitas chicanas para a sua defesa serão respeitadas. E, se tudo o mais der errado, sempre teremos o STF.

Boa sorte ao pessoal em suas tentativas. Recomendo paciência, porque a “Faria Lima” já experimentou na pele o que é a política econômica do PT e não tem ilusão sobre o que Lula faria em um terceiro mandato. No final, a Faria Lima se adapta, cobrando taxas de juros mais altas e exigindo maior retorno sobre o capital. A “preservação da democracia” sai caro.

Parabéns aos advogados de São Paulo

Normalmente não acompanho as eleições da OAB. Trata-se de uma realidade distante para mim. No entanto, as eleições deste ano me chamaram a atenção por causa de uma candidata: Dora Cavalcanti.

Dora é advogada criminalista e atende VIPs. Mas seu cliente mais famoso, e pelo qual lembrei do seu nome, foi o grupo Odebrecht, no julgamento da Lava-Jato. Dora é muito atuante no, digamos, direito de defesa de quem tem dinheiro para pagar bons advogados, que sabem como explorar as chicanas processuais da justiça brasileira. É conselheira do Instituo pela Defesa do Direito de Defesa e faz parte do grupo de advogados Prerrogativas (Prerrô, para os íntimos), liderado pelo advogado petista Marco Aurélio de Carvalho, que surgiu justamente como uma reação à Lava-Jato e à “perseguição” a Lula.

A candidata Dora, portanto, tinha lado. Fiquei curioso, então, em ver como os advogados paulistas votariam nessa eleição. O resultado, não posso deixar de registrar, deixou-me animado.

Em primeiro lugar, com 36% dos votos, foi eleita a nova presidente da OAB-SP, Patrícia Vanzolini. Em segundo lugar, o atual presidente da Ordem, Caio Augusto Silva dos Santos, recebeu quase 33% dos votos, em uma chegada muito apertada. E, em um distante terceiro lugar, Dora Cavalcanti recebeu 10% dos votos. O restante foi dividido entre outros dois candidatos.

Na entrevista ao Estadão hoje, a presidente eleita da OAB-SP foi perguntada sobre o que os advogados acham da atuação de Sérgio Moro. A resposta foi brilhante: ao mesmo tempo que, como criminalista, tem sérias restrições ao modus operandi do ex-juiz, reconhece que muitos advogados pensam que Moro atuou dentro das 4 linhas. Sendo assim, apesar de sua posição, reconhece que não pode falar pela advocacia neste aspecto.

Esta pluralidade da advocacia paulista provavelmente explica os mirrados 10% dos votos recebidos por Dora Cavalcanti. Os advogados paulistas decidiram que a OAB deveria trabalhar pelos seus interesses e pelos interesses do Brasil, e não pelos de um partido. A OAB-SP livrou-se, por larga margem, de servir como um braço do PT. Parabéns, advogados de São Paulo.

Apoio maroto 2

A exemplo da reportagem de ontem do Valor, em que “empresários” emprestaram seu apoio à candidatura de Guilherme Boulos, hoje é o Estadão que nos quer levar a crer que a “tradicional advocacia paulista” está apoiando o moderado candidato do PSOL.

Dei um Google nos nomes. Oh! coincidência, todos eles são colaboradores do grupo Prerrogativas. Aprendi que o grupo se autodenomina carinhosamente de “Prerrô”. Não consigo pensar em nada mais caviar que isso.

O grupo não esconde sua luta: absolver Lula. “Como amplamente reconhecido pela comunidade jurídica, uma condenação sem provas”, segundo a carta de apresentação do grupo. Pois então: 9 juízes de três instâncias diferentes condenaram o líder das gentes sem provas.

Agora, o tal grupo apoia Boulos. Sim, o tal grupo, e não a “tradicional banca paulista”, como quer nos fazer crer o Estadão.

A pergunta que não quer calar é esta: por que um grupo que quer conservar o atual sistema de justiça, que garante a defesa ad aeternum de criminosos assessorados a peso de ouro, tem tanto interesse na eleição de um sujeito que encarna a “nova esquerda limpinha” e anda de Celta 2007?

Um mundo melhor

A notinha abaixo saiu na Coluna do Estadão de ontem. Alguns poderiam se questionar: por que o destaque para um “advogado apoiador de Guilherme Boulos”?

Bem, para quem não conhece, Marco Aurélio de Carvalho é o coordenador de um grupo de advogados chamado “Prerrogativas”, aquele que se organizou para defender as prerrogativas de clientes endinheirados e politicamente poderosos de se defenderem nos tribunais com chicanas intermináveis, aproveitando tudo o que o sistema judicial brasileiro tem de bom para seus clientes. Não é preciso dizer que estão no grupo os advogados de todos os enredados na Lava-Jato.

Como se vê, Boulos não conta somente com o apoio da juventude ingênua que quer “um mundo melhor”. Há outros interesses menos ingênuos por trás da eleição de Boulos, a ponto de Marco Aurélio declarar publicamente seu apoio à candidatura do PSOL. Será porque o grupo Prerrogativas queira também um “mundo melhor” para os seus clientes?

Em busca de uma narrativa

Em jornalismo existe uma lei que diz que, se você procurar bem, sempre existirá uma estatística que rende uma boa manchete. Este é o caso aqui. Diante da relativa estabilidade do número de mortes causadas por policiais, a reportagem encontrou uma estatística útil: o número de mortes causadas pela Rota dobrou de 2018 para 2019. Prato cheio.

Desde o velho bordão de Maluf (“vou colocar a Rota na rua!”) até filmes como Tropa de Elite, esses batalhões especiais têm seus nomes ligados à eficiência no combate à criminalidade com o uso da violência extrema. Quer coisa melhor do que uma estatística que prove isso?

Mas, como dizia o saudoso Roberto Campos, estatísticas são como biquínis: mostram tudo mas escondem o essencial.

Em primeiro lugar, a reportagem apresenta um bonito infográfico mostrando a evolução do número de mortes pela Rota de 2018 para 2019: 51 para 101.

Vamos combinar que, para dar essa informação, não precisava de um gráfico, né? Mas o problema é outro: e os outros anos? Certamente esses dados existem. Por que não informar ao público? Ficamos sem saber se este número de 2019 é de fato um ponto fora da curva ou faz parte de uma média que vem prevalecendo nos últimos anos. Ficamos na dúvida se a reportagem escondeu esses dados porque não ornam com a versão, ou se foi um simples “esquecimento”.

O ouvidor das policiais tem uma explicação para essa “explosão de mortes”: por ser uma “tropa de elite”, a Rota seria mais sensível ao discurso de que “bandido bom é bandido morto”.

Hein?!? O que tem a ver o cy com as calças? Por que cargas d’água os outros batalhões seriam menos sensíveis a esse discurso? Non sense. Mas o bravo ouvidor não parou por aí. Culpou também o “discurso conservador que permeia o Estado e o País”.

Bem, seria assim se assim fosse. Podemos observar no gráfico que houve um salto da letalidade policial de 2013 para 2014 de uma média de 500 a 600 para uma média de 800 a 900. O número de 2019 não destoa da média desde 2014.

A pergunta que obviamente não foi feita ao ouvidor (mesmo porque jornalista está mais preocupado em lacrar do que em informar) é porque este tal “pensamento conservador” começou a fazer estragos especificamente em 2014, quando o país ainda vivia uma “normalidade democrática” (contém ironia).

Bem, ontem foi o último dia do tal ouvidor. Foi substituído por outro, escolhido de uma lista tríplice pelo governador João Doria. Este novo ouvidor, ao que parece, foi elogiado pelo responsável pelo grupo de advogados “Prerrogativas”, aquele que defende o direito pela impunidade de quem pode pagar bons advogados. Ao que parece, poderemos continuar contando com explicações sociológicas convincentes para a letalidade policial.

As prerrogativas do PT

O PT continua em sua busca por um candidato que carregue o peso da sigla na disputa pela prefeitura de São Paulo. Na falta de Haddad, Lula defende uma “novidade”. Hoje, reportagem do Estadão traz a lista de potenciais nomes novos.

Ao lado de figurinhas carimbadas, como Juca Kfouri e Mário Sérgio Cortella, chama a atenção o nome do advogado Marco Aurélio de Carvalho, ninguém mais, ninguém menos, que o coordenador do grupo Prerrogativas. Sim, aquele grupo de WhatsApp que defende as prerrogativas dos corruptos de terem um julgamento ad aeternum, chamando isso de Estado Democrático de Direito. Por que não estou surpreso?

“Não vota mais em mim”

Não faço parte do “bando de internautas constitucionalistas e juristas” que estão criticando a falta de veto ao juiz de garantias. Não entendo nada disso. Mas o grupo Prerrogativas entende. E estão comemorando. Para mim, é o que basta.

Sim, o juiz de garantias vai me prejudicar, na medida em que introduz uma 5a instância no combate ao crime, em uma já morosíssima justiça. “Não vota mais em mim”. Ok.