O jornalista Hélio Doyle teve uma passagem meteórica pela EBC: tendo sido nomeado presidente em fevereiro, foi demitido em outubro, depois de ter repostado tuíte do cartunista Carlos Latuff, que dizia “Para apoiar Israel não é preciso ser sionista, basta ser idiota”.
Pois bem. A Comissão de Ética Pública do governo houve por bem manter o pagamento de salários ao ex-presidente por 6 meses, em função de potenciais “conflitos de interesses”. Em outras palavras, o jornalista poderia usar dados sigilosos e estratégicos da EBC para a iniciativa privada. Fico cá imaginando que interesse teriam as empresas jornalísticas nos dados dessa potência da mídia brasileira, que tem no traço a marca de sua audiência.
O fato é que o petismo não abandona os seus. Ao ser obrigado a demitir o presidente da EBC pela pressão da opinião pública, o ministro da Comunicações, Paulo Pimenta, deve ter prometido a continuidade da sinecura ao jornalista. Afinal, um defensor da democracia não merece ficar na chuva. A Comissão de Ética cumpriu o seu papel e, de maneira muito ética, determinou o pagamento do salário de R$ 35 mil por mais 6 meses.
Idiotas somos nós.
PS.: Bolsonaro teve 4 anos para privatizar ou fechar a EBC. Não o fez. A culpa é dele.
Maria Cristina Fernandes é a pena do PT no Valor Econômico. Hoje, por exemplo, defende a injunção que o governo Lula fez junto ao STF para ganhar os votos que perdeu no Conselho da Eletrobrás durante o processo de privatização.
Para quem não se recorda, a capitalização da Eletrobrás no ano passado só foi possível porque se limitou a 10% o poder de voto de qualquer acionista no Conselho. Como o governo ainda tem 40% das ações, o governo Lula pretende recuperar o poder de voto proporcional a esses 40%. Na prática, isso significa uma reestatização da empresa.
A operação só foi possível porque houve essa limitação. Se não houvesse, a empresa não estaria hoje capitalizada e pronta para investir. Se essa tentativa do governo prosperar, isso significará uma quebra de contrato, pois os investidores somente toparam capitalizar uma empresa que não tivesse a influência do governo, ainda mais de um governo do PT. Em linguagem popular, baterão a carteira dos investidores: o governo retomará uma empresa capitalizada, que não estaria capitalizada se os investidores soubessem de antemão que seriam sócios minoritários do governo.
Mas, pior do que a mão grande, são as justificativas desfiladas pela jornalista. Em primeiro lugar, afirma que, se houver problemas, a empresa vai pedir penico para o governo. Digamos que seja verdade, o que está longe de ser provável. E daí? Se for o caso, o governo determinará as condições para qualquer ajuda. Inclusive, reestatizar, se for o caso. Agora, vamos reestatizar hoje porque, no futuro, a empresa pode pedir ajuda ao governo. Tenha santa paciência.
Depois, a jornalista faz um paralelo estapafúrdio entre a Eletrobrás e o caso Americanas. O STF estaria sendo chamado a evitar que aconteça algo semelhante com a Eletrobrás. Oi? O que tem a ver o c com as calças? Quer dizer que a Eletrobrás, nas mãos do governo (do PT!) não vai ter nenhuma fraude? Faça-me o favor.
Mas é o terceiro ponto que mais nos interessa aqui, nesses tempos estranhos. A jornalista afirma que a privatização da Eletrobrás se deu “no período em que mais se afrontou a democracia, e não ficou imune a isso”. Ou seja, Maria Cristina Fernandes parece estar sugerindo que decisões do Congresso durante o governo Bolsonaro carecem de legitimidade, pois foram feitas durante um período, digamos, de déficit democrático. Nesse sentido, podemos revisar todas as leis aprovadas durante o governo Bolsonaro, pois não vivíamos em uma democracia legítima. Esse é o tipo de entendimento sobre democracia que nossos democratas defendem. Faz sentido, dentro do contexto. Afinal, democracia só existe de verdade quando minhas ideias prevalecem.
Qual a surpresa? Surpresa haveria se Lula continuasse com o programa de desestatizações. Surpresa houve quando o estatista de quatro costados, Itamar Franco, privatizou a CSN em 1993, a empresa símbolo do Estado empreendedor.
Na verdade, estamos colhendo os frutos da inoperância do “único governo verdadeiramente liberal da história do Brasil”. Guedes assumiu o ministério da Fazenda falando em R$ 1 trilhão em privatizações e venda de imóveis. Chegamos ao fim de seu governo com apenas uma das 15 estatais incluídas no Plano Nacional de Desestatização, a Eletrobras, que já tinha sido colocada na marca do pênalti pelo governo Temer, e só foi privatizada depois que o Congresso pendurou uma “manada” de jabutis no projeto, como recentemente se referiu ao coletivo do quelônio o ministro Haddad.
As outras 14 empresas na lista (Docas do ES, ABGF, Emgea, CBTU/BH, Trensurb, Ceagesp, Casa da Moeda, Serpro, Dataprev, Ceitec, Nuclep, Docas da BA, Correios e EBC) ficaram para as calendas. Como comparação, o “comunista” FHC vendeu “só” a Vale, todo o sistema Telebrás e mais 19 outras empresas menores em seu primeiro mandato.
Lula só está seguindo o seu programa de governo, não deveria ser surpresa para ninguém. Surpresa foi o desempenho pífio do governo Bolsonaro neste campo. Aliás, se há alguma surpresa, é positiva: Lula poderia ter retirado todas as 14 empresas da lista acima, não somente 7. Poderia, inclusive, ter encerrado o PND e estabelecido o PNE – Plano Nacional de Estatização. Seria congruente com seu programa e seu discurso. Podemos dizer que, em termos de privatizações, Lula está sendo mais liberal na prática do que no discurso. Ao contrário de Bolsonaro.
PS.: não adianta vir aqui e mostrar os bilhões de reais obtidos pela venda de participações minoritárias do BNDES, ou a venda de subsidiárias e refinarias da Petrobras. Isso não é venda de controle por parte da União, que é o objeto do PND.
O ministro das Minas e Energia do governo Lula, Alexandre Silveira, voltou a questionar, ontem, a privatização da Eletrobrás. Seguindo o mantra do chefe, afirmou ser “injusto” que o governo detenha 40% do capital da empresa, mas que só possa indicar um de seus nove conselheiros.
O processo de privatização contou com lei própria, e teve o aval do TCU e do STF. Trata-se, portanto, de ato jurídico perfeito. Como tal, gerou efeitos que não podem ser revertidos sem o pagamento de indenização. Por exemplo, os investidores que compraram ações da Eletrobrás no leilão de privatização somente o fizeram porque o governo teria direito a apenas um conselheiro. Compraram ações de uma empresa privada, não de uma empresa de capital misto. Fosse esse o caso, o preço seria bem diferente. Portanto, qualquer mudança nesse status ensejaria ações de ressarcimento, dado que se comprou gato por lebre.
Haveria outra maneira de consertar a “injustiça”: vender as ações em poder da União, de forma a harmonizar o poder de voto com a participação no capital. A preços de hoje, o governo colocaria no bolso algo como R$ 30 bilhões pela sua participação. Aliás, esse era o objetivo de manter a participação de 40%: o governo se beneficiaria da esperada valorização da empresa como entidade privada, e poderia vender esse lote por um valor muito maior. A ingenuidade de quem modelou a venda não permitiu levar em consideração que essa participação de 40% seria usada por um governo do PT como desculpa para tentar reestatizar a empresa. Alguma dúvida de que, entre colocar R$ 30 bilhões no bolso ou usar a empresa para seus “interesses estratégicos”, um governo do PT optaria pela segunda alternativa?
O governo Lula tem batido na tecla dos investimentos em infraestrutura, muitos dos quais dependem de parceria com a iniciativa privada, através de PPPs. Qual será a segurança que os investidores terão em participar de uma parceria com todo jeito de caracú? O que será capaz de fazer, no futuro, o governo do PT para reparar “injustiças” nessas parcerias? Claro que os participantes dessas parcerias cobrarão um preço proporcional ao risco PT.
O ataque à privatização da Eletrobrás tem a mesma natureza do ataque à independência do BC. O PT não se conforma em não ter os meios de poder que agências governamentais e empresas estatais lhe dão para implementar suas políticas. É preciso dominar tudo, sem amarras, para “fazer o bem”. Mesmo que isso signifique atropelar regras mínimas de governança. Afinal, são detalhes que só atrapalham, diante do grandioso futuro que nos espera.
Tem um trecho da entrevista do Haddad que eu gostaria de comentar à parte, pois é o indicativo de muitas coisas. Trata-se de seu comentário a respeito da privatização da Eletrobras.
A jornalista Miriam Leitão pergunta se os “jabutis” que foram colocados no projeto de privatização da empresa seriam revistos. Haddad não responde à pergunta. Afirma apenas que “foi um erro” privatizar com os jabutis. Isso é óbvio. Claro que teria sido melhor privatizar sem os jabutis. Mas não é isso o que ele pensa. A continuação da resposta deixa claro que, para o futuro ministro da Fazenda, teria sido melhor não privatizar de forma alguma. Aliás, essa resposta vale por um tratado de como foi e de como será um novo governo do PT.
Haddad começa dizendo que a Eletrobras ”foi vendida por R$ 30 bilhões”. Está errado. Quem pagou R$ 26,6 bilhões (não R$ 30 bilhões) para o Tesouro foi a própria Eletrobras, em um processo chamado de “descotização”. Rapidamente: em 2013, a Eletrobras foi obrigada, pelo então governo Dilma, a aderir aos termos da MP 579, que determinava cotas de fornecimento de energia a preços mais baixos do que aqueles praticados no mercado livre. Foi dessa maneira que Dilma “conseguiu” reduzir os preços da energia elétrica naquele ano. O que a Eletrobras fez agora foi pagar uma outorga para a União, de modo a readquirir o direito de vender a energia de suas usinas sem estar submetida a cotas. Digamos que esse valor tenha sido o “custo PT” para que a empresa pudesse ser privatizada. Portanto, não há que se falar em “preço de venda” neste caso. A venda se deu por uma oferta adicional de ações no mercado, não acompanhada pela União, de modo que esta deixou de ser majoritária. A União não vendeu uma mísera ação, continua sendo dona do mesmo número de ações que tinha antes da privatização. Mesmo assim, recebeu R$ 26,6 bilhões da outorga paga pela empresa. Que Haddad, o futuro ministro da Fazenda, faça esse tipo de confusão é, no mínimo, preocupante.
Em segundo lugar, Haddad afirma que o governo usou esse dinheiro para “comprar votos”. De quem? Dos mais pobres? Quer dizer que, quando o governo do PT faz programa social é por boniteza, e quando outro governo faz é por safadeza?
Por fim, a cereja que vale pelo bolo todo: “dói na alma” do futuro ministro ver uma empresa construída “por muitas gerações” ser vendida. Ele diz que “sabe o trabalho” que isso deu.
Sabe o quê, Haddad? Sabe o quê???
Haddad, você certamente sabe que o governo do PT pegou a Eletrobras com um patrimônio líquido de R$ 67 bi e valor de mercado de R$ 13 bi, e devolveu, em 2015, com um patrimônio líquido de R$ 42 bi e valor de mercado de R$ 9 bi. O prejuízo acumulado da empresa construída “por muitas gerações” nos 13 anos de governo do PT foi de R$ 13 bilhões, um bilhão para cada ano desse desgoverno. Isso sim, dói na alma. Será que foi a esse “trabalho” que Haddad se referia? Esse papinho mole de “trabalho de gerações para construir a empresa” vai bem para dirigente de grêmio estudantil. Na boca do futuro ministro da Fazenda, nos faz rir. De nervoso.
Temos aí, em apenas dois parágrafos, um suco de PT: 1) desconhecimento técnico, 2) mistificação e demonização dos adversários e 3) amor platônico por estatais quebradas pelos governos do PT. Sim, esse é o “mais tucano dos petistas”. Imagine o resto.
PS: hoje a empresa tem patrimônio líquido de R$ 111 bilhões e valor de mercado de R$ 98 bilhões. Ou seja, patrimônio líquido quase 3 vezes maior e valor de mercado mais de 10 vezes maior do que tinha quando o PT deixou o governo.
Paulo Bernardo foi ministro das Comunicações no primeiro governo Dilma. Durante o seu período como ministro, os Correios conseguiram virar um lucro recorrente para a produção de prejuízos em série. Por isso, Paulo Bernardo tem autoridade para pontificar sobre a empresa, como faz nessa matéria do Valor Econômico.
Começando pelo fim: Bernardo não vê sentido em “privatizar para entregar a parte mais rentável e deixar para a outra (a parte estatal) as obrigações”. Tenho uma sugestão ao ex-ministro: não pare nos Correios. O governo deveria identificar todas as empresas “rentáveis” e estatizá-las. Afinal, que sentido tem deixar empresas rentáveis nas mãos da iniciativa privada, enquanto o governo fica só com o osso?
Os defensores dos Correios nas mãos do Estado recorrem à sua “função social”. Afinal, quem iria entregar cartas nos cafundós dos Judas, uma operação claramente deficitária? Sem prejuízo de que subsídios para esse tipo de operação seriam suficientes para esse tipo de problema, poderíamos estender esse raciocínio para qualquer tipo de necessidade. Por exemplo, alimentar o povo é uma necessidade social urgente. Assim, seria o caso de ter uma grande estatal que cuidasse da plantação, da produção e da distribuição de comida. Segundo Bernardo, melhor ainda se essa estatal fosse rentável. Assim, seria o caso de estatizar fazendas, indústrias e redes de supermercados, uma cadeia rentável e que não está cumprindo a sua função social, pois há brasileiros passando fome. O que o PT está esperando para anunciar esse plano?
Bernardo, logo no início da reportagem, afirma que os Correios precisam ter preços competitivos para concorrer com a iniciativa privada. Além disso, lembra que uma lei de 2011 permitiu aos correios atuar em áreas como logística, serviços financeiros e comunicação eletrônica, concorrendo com a iniciativa privada nessas áreas. Agora, pense um pouco: qual o sentido de uma estatal “concorrer” com a iniciativa privada? Afinal, a estatal existe tão somente para explorar “falhas de mercado”, onde a iniciativa privada não tem interesse em atuar. Não deveria haver competição, portanto. Aliás, com todas as suas amarras regulatórias e interesses políticos envolvidos, além do sequestro corporativo por parte dos empregados, não há mesmo como uma estatal concorrer com a iniciativa privada de igual para igual.
Os Correios não serão privatizados. O governo do PT prefere continuar brincando de empresário, com os resultados já conhecidos. Nenhuma surpresa aqui.
Fernando Haddad, no primeiro debate entre os candidatos ao governo de SP, afirmou que é completamente contra a privatização da Sabesp. E foi além: afirmou que as tarifas de energia elétrica e das telecomunicações são altas por causa da privatização.
Fazendo um pouco de arqueologia jornalística, não foi difícil encontrar pérolas do tempo das telecomunicações estatais. A reportagem abaixo é de 27/12/1992.
Ao ler a reportagem nos lembramos que as linhas telefônicas eram consideradas investimentos, que competiam com o dólar paralelo, o ouro e as ações, e sua cotação dependia da perspectiva de a Telebrás conseguir ou não suprir a demanda por linhas.
Mas o mais cruel é observar que as linhas mais caras eram justamente aquelas localizadas na periferia. Guaianazes, São Mateus, Itaquera e Parelheiros lideram os preços. Para se ter uma ideia, R$ 45 milhões (preço da linha nessas regiões) era equivalente a aproximdamente US$ 3,1 mil, já considerando a cotação do dólar no paralelo. Imagine pagar o equivalente a R$ 16 mil para ter uma linha telefônica fixa! Ou seja, a estatal prejudicava mais justamente os mais pobres. Nenhuma surpresa aqui.
É difícil fazer um paralelo com a energia elétrica, pois se trata de um mercado mais complexo e que não foi totalmente privatizado (a Eletrobrás só foi privatizada agora). Mas você pode estar certo de que o raciocínio é exatamente o mesmo. Não tenha dúvida de que, caso uma boa parte das empresas de energia elétrica não tivesse sido privatizada, o preço das tarifas seria, hoje, o menor dos nossos problemas. Estaríamos pagando o preço que fosse para garantir fornecimento. E, claro, os mais pobres seriam os mais prejudicados.
Depois de todas as evidências empilhadas nos últimos 25 anos, só defende a existência de estatais quem quer um cabide de emprego para uso político ou quem sofre de uma cegueira ideológica que impede de enxergar a realidade tal qual é. Fernando Haddad pertence a este segundo grupo, o mesmo que incluia Dilma Rousseff. São os mais perigosos, pois nada os detém. Nem a realidade.
O Estadão tem publicado uma série de reportagens sobre a agenda do próximo governo. Na terceira da série, aborda a questão das estatais, trazendo alguns números interessantes a respeito do governo Bolsonaro neste campo:
– Cerca de R$ 155 bilhões foram arrecadados com a venda de subsidiárias de estatais, como a BR Distribuidora e a TAG, da Petrobras.
– Cerca se R$ 75 bilhões foram arrecadados com a venda de participações minoritárias do BNDES em empresas como Petrobras, Vale, JBS, Marfrig e Suzano.
– Cerca de R$ 170 bilhões foram arrecadados com concessões de infraestrutura, o que inclui a descotização das hidrelétricas da Eletrobras em seu processo de privatização.
– A soma acima supera em 15%, em dólar, todas as receitas com privatizações de 1980 a 2018. Claro que não são números comparáveis diretamente, em função da inflação nos EUA no período, mas não deixa de ser um volume absolutamente respeitável.
Do lado negativo, temos a criação da NAV, para substituir a Infraero, e da ENBPar, que substituiu a Eletrobras como holding de Itaipu e Eletronuclear. Essas duas estatais são a demonstração cabal de como é difícil fechar definitivamente uma estatal. A Telebras, que continua entre nós como um zumbi, que o diga. Neste lado negativo, a reportagem acrescenta a retirada da Ceagesp da lista de privatizações, em função de uma rinha pessoal do presidente com o ex-governador. O candidato de Bolsonaro para o governo do estado terá que explicar porque seu padrinho decidiu colocar seus interesses pessoais acima dos interesses dos cidadãos do estado que pretende governar.
De qualquer forma, apesar da pisada de bola na Ceagesp e ter na Eletrobrás a única grande privatização de uma estatal de controle direto (o que, diga-se, não é pouca coisa), o saldo é inegavelmente positivo neste campo. E aqui vem, para contrastar, notinha publicada no mesmo jornal, informando que o PSB de Geraldo Alckmin está propondo para o programa do PT a criação de uma nova estatal, a Amazombras. O nome não poderia ser mais cucaracho para simbolizar ideias dinossauricas, parabéns ao marketing do PSB.
A Amazombras seria uma espécie de Embrapa para a Amazônia, uma empresa de pesquisa. Fica a questão de porque não usar a própria Embrapa para essa finalidade. Claro que essa questão é apenas retórica. Sabemos porque o PSB está propondo outra estatal. Trata-se de uma visão de mundo: o Estado precisa intervir na atividade econômica diretamente, através de empresas estatais. Pouco importa a eficiência, o que importa é a ideologia. Que se exploda o cidadão pagador de impostos.
Estatais diminuem a eficiência econômica e aumentam a concentração de renda, ao privilegiar grupos próximos ao poder. Há formas bem mais eficazes e menos intervencionistas de o Estado regular a atividade econômica. Neste ponto específico, a diferença entre o governo do PT e o governo Bolsonaro é da água para o vinho.
No início do governo Bolsonaro, estive em Brasília com investidores japoneses para uma série de visitas aos gabinetes do poder. A melhor reunião de todas, aquela que mais impressionou positivamente os visitantes, foi com Gustavo Montezano, atual presidente do BNDES e então número 2 da secretaria de desestatização, que estava sob o comando de Salim Mattar.
Os planos da secretaria eram realmente empolgantes, e não à toa soaram como música aos ouvidos dos investidores estrangeiros. Mas lembro de que havia uma ressalva: não estava nos planos a venda das chamadas joias da coroa, Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Eletrobras. Estas seriam privatizações muito difíceis, que envolveriam um esforço político que não valeria a pena, dado que havia um mar de oportunidades em outros lugares da administração pública.
É incrivelmente irônico que a única privatização desse governo seja exatamente de uma das joias da coroa. Foi como se um jogador de sinuca cantasse uma caçapa e enfiasse a bola em outra na posição oposta. Um lance de sorte, mas que merece comemoração de qualquer modo.
Claro que uma parte do trabalho, a exemplo da reforma da Previdência, já havia sido feito no governo Temer. Mas há grande mérito em terminar uma empreitada iniciada por outro governo. Os louros pertencem aos dois governos.
O governo Bolsonaro, assim, coloca, em grande estilo, o seu pino no tabuleiro das privatizações, algo que jamais ocorreria em um governo do PT. Aliás, já houve ameaça, por parte de parlamentares do partido, de volta atrás na privatização da Eletrobras, caso o PT chegue ao poder novamente. Durmam tranquilos os brasileiros. O PT teve tempo de sobra (mais de 13 anos) para “voltar atrás” em várias privatizações que condenou veementemente. Não aconteceu nenhuma vez. Por que será?
Confesso que fui pego de surpresa pelo fato de o estado de SP ainda controlar uma estatal que fabrica remédios.
Chama-se FURP – Fundação do Remédio Popular. Estabelecida durante o regime militar, a FURP fornece remédios para o programa estadual Dose Certa, entidades governamentais, como o Ministério da Saúde, e municípios. Seus resultados financeiros, desde 2010, foram os seguintes:
2010: lucro de R$ 5,6 milhões
2011: prejuízo de R$ 19,5 milhões
2012: prejuízo de R$ 36,0 milhões
2013: prejuízo de R$ 53,9 milhões
2014: prejuízo de R$ 40,1 milhões
2015: prejuízo de R$ 25,0 milhões
2016: prejuízo de R$ 20,9 milhões
2017: lucro de R$ 3,2 milhões
2018: prejuízo de R$ 57,5 milhões
2019: prejuízo de R$ 36,6 milhões
2020: prejuízo de R$ 3,8 milhões
2021: prejuízo de R$ 9,2 milhões
Portanto, em 12 anos, a FURP acumulou prejuízos de quase R$ 300 milhões. Mas a coisa não para por aí. Em 2013, precisando aumentar a produção de remédios, mas sem caixa para investir, o governo Alckmin celebrou uma PPP com o laboratório EMS, para investimentos em uma planta localizada na cidade de Américo Brasiliense. Reportagens da época contam que a EMS foi o único laboratório que deu lance pela parceria. Outros dois laboratórios compareceram ao leilão mas não chegaram a dar lance. Então, nos perguntamos: por que tanto desinteresse por um negócio da China que é fabricar e vender remédios para o governo, um cliente líquido e certo?
Por certo, os laboratórios que não entraram no certame avaliaram que o risco não compensava. E estavam corretos. A PPP foi desenhada de tal maneira que os investimentos a serem realizados só se pagavam se os remédios fossem vendidos a um determinado preço. Ocorre que esse preço podia ser razoável em 2013, mas deixou de sê-lo nos anos seguintes. Uma reportagem dá um exemplo: o clopidogrel, remédio contra AVC, era vendido pela EMS por R$ 1,28 (preço estabelecido pela PPP), enquanto o mesmo remédio era vendido no mercado por R$ 0,26. Ou seja, a PPP só parava em pé se os remédios fossem vendidos por preços irreais. Talvez por isso os outros laboratórios tenham pulado fora.
Doria suspendeu a PPP, alegando prejuízos para o estado, e agora o governo paulista busca uma acordo com a EMS para indeniza-la. Com esse histórico, Doria havia colocado a FURP em sua lista de privatizações. Não saiu, talvez pelo mesmo motivo que quase não houve interesse pela PPP: não há nada a ser vendido ali, trata-se de uma operação que só fica de pé porque vende sem licitação para um cliente cativo. Sim, compras da FURP dispensam licitação.
Rodrigo Garcia diz que vai manter a FURP para fabricar dipirona. Acho bem adequado. Afinal, ele vai precisar de muita dipirona para mitigar a dor de cabeça que vai ter pelo fato de ser o primeiro candidato do PSDB a não se eleger governador de SP desde 1990.