Perguntas que não querem calar

Reportagem de hoje no Valor destaca levantamento feito pela LCA Consultores com base na PNAD, e que indica que apenas um terço dos trabalhadores brasileiros recebe mais de 2 salários mínimos. Portanto, saiba que, se você ganha mais de R$ 2.500 por mês, você pertence ao terço mais bem remunerado do Brasil.

O diagnóstico unânime dos especialistas entrevistados é de que a produtividade da mão de obra brasileira não permite remuneração maior. Ou seja, o valor agregado pelo trabalhador brasileiro, em média, é baixo, não permitindo uma remuneração melhor. Lembrando que, para pagar um salário, o empresário precisa vender um produto ou serviço. E as pessoas estarão dispostas a comprar esse produto ou serviço se virem nele algum valor que compense o preço. Se o valor agregado é baixo, o preço será mais baixo e os salários serão mais baixos.

Para aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro só há dois caminhos, complementares entre si: investimento em automação e processos e na qualificação da mão de obra. A reportagem aborda esse segundo ponto, que é uma especie de unanimidade nacional.

No entanto, gostaria de chamar a atenção para o caso do garçom destacado no final da matéria. Ganhando pouco mais de um salário mínimo, o garçom decidiu matricular o seu filho em uma escola particular. O exemplo de dedicação e visão de futuro é louvável, mas é outro ponto que me chamou a atenção: por que raios esse pai sentiu necessidade de pagar uma escola para o seu filho, se tem à disposição uma escola pública “de graça”?

A resposta é óbvia: a qualidade percebida. Certo ou errado, esse pai viu na escola particular mais qualidade do que na escola pública, a ponto de abrir mão de um benefício que o Estado lhe confere. Assim como as pessoas, quando podem, pagam um plano de saúde para não dependerem do SUS, na educação, pagam uma escola particular para não dependerem do ensino público.

O que é pior: muito provavelmente, a qualidade de uma escola barata de bairro não é substancialmente maior do que a de uma escola pública, se é que é maior. A diferença é que os professores não faltam, não tem greve e, principalmente, o pai é um cliente e tem com quem reclamar.

Mas, da forma como está a estrutura dos vestibulares das universidades públicas hoje, esse garoto estará em último lugar na fila se não conseguir entrar através de alguma cota racial. Isso porque as cotas sociais exigem que o candidato tenha cursado ensino fundamental e médio na escola pública. Portanto, o filho do garçom disputará vaga com jovens que cursaram escolas muitas vezes mais caras. Qual a chance? O mais provável é que este garoto tenha que pagar uma faculdade particular barata também de baixa qualidade, o mesmo que seu par da escola pública que não conseguiu entrar pelas cotas raciais/sociais. A sua produtividade continuará baixa.

Falei acima que educação é uma espécie de unanimidade nacional. Dilma Rousseff chegou a escolher como lema de seu governo “Brasil, Pátria Educadora”. Por que, então, com todo o investimento feito no setor (que não é pouco), não saímos do lugar? Por que é tão difícil elevar a qualidade do nosso ensino básico público? Com a palavra, os especialistas.

Eu gostaria de ter escrito esse texto


Pare e pense: você seria capaz de viver com R$ 387,07 por mês?

Duro, não?

Mas acredite: há 52 milhões de brasileiros sobrevivendo com essa quantia por aqui. Se nós colocássemos todas essas pessoas numa ilha, ela seria mais habitada que o Canadá e a Espanha.

E R$ 220? Impossível?

Segundo o IBGE, há outros 24,8 milhões de brasileiros vivendo com ainda menos do que isso. Incríveis 12,1% da população.

Se você não tem muita dimensão do que isso significa, eu desenho: há uma Austrália vivendo no Brasil com dinheiro suficiente no mês apenas para abastecer um carro com 52 litros de gasolina, ou adquirir 14 Big Macs, ou ainda conseguir pagar a metade de uma cesta básica. E mais nada.

E tem gente em situação ainda pior. Outros 4,4 milhões de brasileiros – o equivalente a uma Croácia – se viram como podem todos os meses com o mesmo que dois ingressos de cinema: R$ 73.

Se você ainda tinha alguma dúvida é a hora do fim da inocência. Nós indiscutivelmente não somos um país rico – dos brasileiros que trabalham, metade recebe menos que um salário mínimo por mês.

É uma vida do cão. E nas piores condições.

São quase 100 milhões de pessoas (mais do que a população da Coreia do Sul e da Argentina somadas) sem coleta de esgoto, 17 milhões (uma Holanda) sem acesso à coleta de lixo e outras 4 milhões (mais que um Panamá) sem um mísero banheiro em casa.

Eu não faço ideia de quem você seja, mas a sua situação é certamente melhor do que essa. Só por estar lendo este texto tenho certeza que o seu futuro é mais promissor que o de 50 milhões de brasileiros analfabetos ou analfabetos funcionais que não seriam capazes disso.

Também sei que você é mais rico que 35% da população sem qualquer conexão à internet.

Com um salário de R$ 1.500 por mês você ganha mais que 84% dos baianos. Com R$ 2 mil você está melhor que 91% dos maranhenses. Com R$ 2.500 você está acima de 86% dos mineiros. Com R$ 3.500 você está na lista dos 10% com os maiores salários do Brasil.

E o pior: você provavelmente nem sabia disso.

9 em cada 10 brasileiros acham que estão na metade mais pobre do país. Nós somos tão ignorantes a respeito da nossa condição socioeconômica que 68% dos brasileiros que ganham ao menos R$ 4.700 por mês – ou seja, entre os 7% mais ricos do país – acham que estão na parte de baixo da pirâmide social.

E antes que me esqueça – nós evidentemente somos um país com diferenças salariais abissais entre a imensa maioria da população e uma pequena parcela de brasileiros que recebem bem acima desses valores.

Mas não é como se dividir o dinheiro de todo mundo de forma igual fosse uma opção. Primeiro porque esse dinheiro dividido não resolveria a vida de ninguém – a renda domiciliar per capita no Brasil é de R$ 1.268.

Segundo porque essa tentativa já foi realizada em mais de vinte países no século passado e resultou apenas em fuga em massa, desemprego, baixa produtividade, escassez de produtos básicos e violência generalizada.

A grana iria secar rápido.

Como resolver? Não tem outro jeito: aumentando a nossa produtividade.

E eu sei que isso soa economês castiço, mas é bem mais simples do que parece.

A produtividade geral do trabalho no Brasil está entre as mais baixas do mundo: US$ 19,52 por pessoa empregada por hora. A média dos países analisados pelo International Institute for Management Development é de US$ 40,54.

Ou seja: se colocar um brasileiro e um gringo para produzir um prego, eles produzirão o dobro da gente no mesmo espaço de tempo. Nós seremos humilhantemente derrotados.

E não será por acaso.

A nossa educação é pior que a deles. A nossa infraestrutura também. Mas especialmente: as nossas leis são as mais estúpidas do mundo.

Neste momento, cada empresa brasileira segue uma média de 3.796 normas tributárias, com mais de 11 milhões de palavras – o correspondente a quase 6 quilômetros de normas para cada uma delas; uma fila interminável de papel.

Literalmente não há nenhum outro lugar do planeta onde isso aconteça.

Segundo o Banco Mundial, nós estamos apenas na posição 109 no ranking de facilidade de fazer negócios – atrás de Zâmbia, Tonga, Guatemala e Namíbia.

Tudo isso bloqueia a nossa produção de riqueza. E essa não deveria ser uma posição ideológica: o maior programa social é o crescimento econômico. Mesmo os defensores de uma maior presença do Estado na vida das pessoas deveriam entender que a única maneira de construir bem-estar social sustentável é destravando os mecanismos capazes de aumentar a renda média da população.

Não existe milagre.

Passou da hora de medir riqueza pela sua régua. Você vive numa bolha de classe média. Tem gente lá fora sofrendo de verdade. Gente suja, ignorante e mal paga, abandonada por instituições com cada vez menos poder de proteção.

Essas pessoas deveriam ser a prioridade do país. É no colo delas que cai cada tragédia.

E aqui, só entre nós: redistribuição de renda não resolverá os nossos problemas. O esgoto neste país é muito mais baixo. E ele fede muito menos na sua casa.

Rodrigo da Silva, editor do Spotniks

Faltam técnicos… que trabalhem

Pedi uma simples mudança de endereço da minha linha fixa da Vivo (sim, sou da velha guarda, ainda tenho linha fixa).

Isso foi na sexta-feira passada. Não apareceu ninguém.

Liguei no sábado, reclamando. Prometeram que um técnico iria entrar em contato até segunda-feira para agendar a visita. Ninguém ligou.

Na própria segunda, liguei para Vivo para reclamar. Fui informado que deveria aguardar 5 dias úteis para ser informado do que estava acontecendo. Coloquei uma reclamação na Anatel e estou aguardando.

Hoje, quarta-feira, descobri o que aconteceu. A foto abaixo mostra uma conferência de técnicos da Vivo na avenida JK, um trabalhando e quatro observando. Não sobrou técnico para fazer o meu serviço.

A baixa produtividade da mão de obra brasileira é um dos grandes entraves ao crescimento econômico.

O retrato da tragédia brasileira

Hoje fui à casa de meus pais. Como fazem todo sábado à tarde, estavam assistindo ao programa do Luciano Huck.

Um dos quadros é o tradicional “perguntas e respostas” valendo dinheiro. A convidada não conseguiu responder qual era a capital do Paraná, e quem escreveu a carta sobre o descobrimento do Brasil. Detalhe: nesta última havia somente duas alternativas: Pero Vaz de Caminha e Cristóvão Colombo.

Minha mãe, obviamente, respondeu às duas questões. Bem, nem tão obviamente. Minha mãe chegou aqui vinda da Polônia com 11 anos de idade (claro, sem dominar uma palavra de português), e completou apenas o que hoje é o Ensino Fundamental. A convidada do Luciano Huck, por outro lado, foi criada em uma favela do complexo do Alemão, e é estudante de jornalismo.

Ao comentar como podia uma estudante de jornalismo não responder duas questões tão básicas, enquanto minha mãe, quase sem educação formal, tê-las respondido de pronto, minha mãe matou a charada: “Claro, eu leio!”

Sim, minha mãe lê. Lê muito. Está sempre lendo alguma coisa. Eu aprendi a ler com minha mãe. É a única pessoa que conheço que conseguia ler na sala com a TV passando a novela. Prestava atenção nas duas coisas. Acho que logo notou que poucos neurônios eram necessários para entender a novela, então aproveitava os neurônios ociosos para ler um livro.

Voltando à estudante de jornalismo que não sabe qual é a capital do Paraná. O problema da Brasil vem muito antes da qualidade do ensino. O problema é que as pessoas não leem. E este não é um problema da escola. É um problema de formação familiar, de mesma natureza, por exemplo, de saber que não se pode jogar lixo na rua.

Sintomaticamente, a única pergunta que a estudante de jornalismo conseguiu responder sem a ajuda de algum “universitário” tinha a ver com os quesitos de julgamento das escolas de samba. Alguns dirão: “mas Carnaval é cultura popular!”. Sim, cultura que não exige leitura, apenas o acompanhamento da cobertura do Carnaval pela Globo.

A estudante de jornalismo que nasceu na favela é uma história de superação. É muito, mas é pouco, muito aquém do necessário para que o país passe para o próximo nível. É o retrato acabado da tragédia brasileira.