O representante do centro mostra porque o centro não existe

Entrevista com o ex-senador Tasso Jereissati. Reproduzo abaixo o início e o fim, o resto é tão irrelevante quanto a figura entrevistada.

Comecemos pelo fim. Tasso afirma que “não queremos” ocupar o lugar do bolsonarismo, mas sim, “queremos” ocupar o lugar do centro. “Queremos” quem, cara pálida? Quais forças políticas Tasso Jereissati está representando? Esta é só uma pergunta retórica, claro. O ex-senador representa um partido com passado glorioso, mas completamente irrelevante para o futuro do país. E essa entrevista só atesta essa triste realidade.

Um político que quer fazer oposição ao petismo não pode se dizer “muito surpreso” com a agenda econômica de Lula. Em que planeta estava o senhor senador enquanto o PT destruía a economia entre 2006 e 2015? “Ah, mas era legítimo esperar o Lula que governou entre 2003 e 2005”. Sim, era, para quem tem 18 anos de idade. Alguém que tem cabelos brancos e, em tese, é um político experimentado, não tinha esse direito. Na minha série “A Economia na Era PT”, demonstro que a semente do desastroso governo Dilma encontrava-se já no 2o mandato do governo Lula. De onde tiraram a ideia de que Lula voltaria 20 anos no tempo? “Ah, mas Lula teria aprendido com os erros do governo Dilma”. Que erros? O PT por acaso erra? Foi tudo culpa da queda dos preços das commodities, da Lava-Jato e do Eduardo Cunha.

O início da entrevista orna com o fim. Expressar “muita surpresa” no campo econômico encaixa-se perfeitamente com a babação de ovo a respeito da politica externa e da vacinação. Se fosse um governo responsável no campo econômico, seria nada menos que perfeito. É esse tipo de “oposição” que espera ganhar do PT em 2026?

O ex-senador tece loas à política externa do governo Lula, por conta do discurso na área ambiental. Adivinha qual o único político de expressão que condenou o atracamento de navios de guerra do Irã em porto brasileiro? Pois é. E ainda ficam espantados com o fato de Bolsonaro ter conseguido 49% dos votos.

Garcia não é o PSDB


Trecho do editorial do Estadão

De todos os apoios políticos recebidos por Bolsonaro até o momento, provavelmente o mais inesperado e doído para os petistas tenha sido o de Rodrigo Garcia. Todas as cabeças iluminadas do partido, entre políticos e intelectuais, já haviam pulado para o colo de Lula antes mesmo do 1o turno, explícita ou implicitamente. FHC puxou a fila, com aquele aperto de mão infame com Lula vários meses antes das eleições. Ali foi o momento em que o médico finalmente fechou os olhos ao moribundo, encerrando a longa agonia do partido. Os resultados dessas eleições são apenas o fétido odor de um cadáver insepulto.

A adesão de Rodrigo Garcia ao bolsonarismo pode ser tudo, menos surpreendente. Garcia entrou para o partido, pelas mãos de João Doria, apenas em 2021, depois de ter construído toda a sua carreira política no Democratas, hoje também um partido extinto, engolido pelo que restou do PSL não bolsonarista, formando o União Brasil. O plano de Doria era lançar-se à presidência e deixar em seu lugar o vice. Para tanto, se fazia necessária a migração para o PSDB, pois essas eram as 4 letras mágicas que dominavam a política paulista há quase 30 anos. Tratou-se de uma migração por conveniência, não por convicção, como é regra na política brasileira.

Doria não era desse PSDB chorado por Bucci ou pelo editorial do Estadão. Apesar de ter uma longa história no partido, Doria não pertencia a essa intelectualidade prima-irmã do petismo. Por isso, não teve escrúpulo de abraçar-se com Bolsonaro em 2018, para salvar uma eleição quase perdida. Depois, o seu anti-bolsonarismo de ocasião não passou despercebido do eleitorado e do mundo político (que age de acordo com suas bases), soando como uma manobra artificial (mais uma) mais do que convicção. O final da história conhecemos.

Garcia, portanto, foi o implante de Doria no PSDB em uma cirurgia delicada com vistas ao seu projeto político. O (ainda) governador de São Paulo tem sua base política no interior do estado, que votou majoritariamente em Bolsonaro. É realmente muita ingenuidade achar que um político vai se posicionar contra o sentimento de sua base de eleitores em nome da “pureza ideológica” de um partido morto e a que sequer pertence de coração.

Fiquem portanto tranquilos Eugênio Bucci e o editorial do Estadão. O verdadeiro PSDB (FHC, Serra, Alckmin, José Aníbal, Tasso, Malan, Arida, etc) está apoiando Lula contra “aquele-que-não-se-pode-nomear”, honrando, assim, as cores do partido. Garcia é um forasteiro, não representa o PSDB. O fato de ser um dos poucos quadros do partido com alguma perspectiva de futuro político é mero detalhe.

O espírito do velho PSDB

O ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, ”desistiu” de votar nulo e agora vai votar em Lula no 2o turno.

A coisa é mais ou menos a seguinte: enquanto estava clara a vantagem de Lula segundo as pesquisas, Arminio declarava voto nulo com a certeza da vitória de seu candidato in pectore. Estava em uma posição confortável, delegando a outros o trabalho sujo e posando de virtuoso no cenário. Agora, com uma diferença bem menor do que mostravam as pesquisas, Arminio decidiu que ele mesmo vai precisar sujar as mãos.

De Arminio na cena política, lembro apenas do memorável debate com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, na campanha de 2014. Arminio, no papel de ministro da Fazenda designado pelo candidato Aécio Neves, era muito mais preparado, mas foi jantado com farinha por Mantega, sob o olhar atônito da mediadora Miriam Leitão. Aquele debate foi simbólico de quanto o PSDB estava despreparado para fazer oposição ao PT. Arminio representa o espírito desse velho PSDB que está morrendo (que já morreu).

Anti-tucanismo

A torcida é grande. A reportagem afirma que “nunca um petista esteve tão perto do Palácio dos Bandeirantes”, usando, para fazer essa afirmação, o número de votos absolutos, que, como sabemos, aumentam vegetativamente de ano para ano. Em termos relativos, foram 36% dos votos.

O fato é que vários petistas também chegaram “perto” do governo Paulista segundo esse critério. Em 2002, José Genoíno obteve 32% dos votos no primeiro turno e 41% no segundo. Em 2006, Mercadante obteve novamente 32% dos votos, em eleição vencida por José Serra no 1o turno. Em 2010, Mercadante obteve 35% dos votos, em eleição vencida no 1o turno por Alckmin. Em 2014 e 2018, aí sim, tivemos um fiasco retumbante do PT no estado. O que aconteceu agora em 2022 foi a volta ao patamar que o PT sempre teve em SP. Capaz de Haddad chegar ao mesmo nível de Genoíno em 2002, dada a força do anti-bolsonarismo. E só.

A reportagem exalta o feito de Haddad, como se não tivesse havido uma imensa frustração. Realmente, davam como certo um 2o turno em que todas as “forças democráticas” se uniriam em torno do mais tucano dos petistas. Os paulistas, no entanto, decidiram mandar pra casa o neo-tucano Garcia, e muito provavelmente rejeitarão também o petista-tucano Haddad. O anti-petismo, em SP, se transmutou em anti-tucanismo.

O PSDB morreu

Realmente não sei de onde o repórter que escreveu essa matéria tirou a ideia de que o “posicionamento do PSDB” influenciará qualquer coisa em São Paulo. O PSDB morreu. Da velha guarda, FHC está aposentado, Serra não foi eleito deputado federal, Alckmin é vice do Lula, e os velhos social-democratas são viúvas de um país que nunca existiu. Da “nova guarda”, Doria saiu com o rabo entre as pernas depois de tomar de assalto o partido, Garcia (que nem tucano é) conseguiu ficar de fora do 2o turno mesmo sendo governo e Eduardo Leite, a estrela da nova geração, por pouco não conseguiu a mesma façanha.

Trata-se de algo definitivo? Nada é definitivo, a política é um jogo sem fim. Mas qualquer eventual recuperação do PSDB como força política é um projeto incerto de longo prazo. Nessa eleição, o segundo turno será decidido pelos eleitores de Garcia, não pelo PSDB.

O PSDB acabou

Ouve-se um farfalhar nervoso de asas no ninho tucano. Tuíte na página oficial do partido, com estrondosas 166 curtidas, afirma que Lula é “hipócrita” ao buscar líderes tucanos. Aécio xinga o candidato petista de “arrogante”.

Mas a manchete alarmista do Estadão (“… abala busca por apoios entre rivais históricos”) é desmentida na própria reportagem.

Aloysio Nunes apertou o “confirma” no 13 ainda no 1o turno, apesar do “reparo” à fala de Lula. E resta alguma dúvida de que o PSDB histórico estará ao lado de Lula no 2o turno, independentemente do que o petista fale?

Que o PSDB acabou não há dúvida. O partido quis ser uma oposição europeia no ambiente político brasileiro. Para que isso funcionasse, seria necessário que seu adversário também fosse europeu, de preferência alemão. Mas o PT é latino-americano, com toda a falta de institucionalidade que nos caracteriza. Precisou chegar um sujeito como Bolsonaro, que entende que a regra do jogo é dedo no olho e chute da medalhinha pra cima, para concorrer com o PT de igual para igual. Como cereja do bolo cuidadosamente preparado durante anos a fio, o partido, a começar por seus “líderes históricos”, sabotou o seu próprio candidato escolhido pelos filiados nas prévias. Realmente, não tinha risco de dar certo.

A prova máxima do fim do PSDB está em um tuíte do próprio perfil oficial do PSDB, 24 horas depois do tuíte anterior. Ao retuitar notícia do UOL, o perfil oficial do PSDB (convém repetir) reproduz a foto que acompanha o tuíte do UOL: Lula de mãos dadas para o alto com Alckmin, em gesto de união e vitória. É o troféu de Lula exibido na sala de estar do partido. O PSDB acabou.

Vai com Deus

“Depois do dia de ontem, o PSDB tem o dever moral de não lhe dar a legenda para disputar a presidência”.

Escrevi a frase acima no dia 01/04, o dia do Fico de João Doria, quando ele desistiu da desistência de renunciar ao mandato de governador. Uma palhaçada, alçada à categoria de “estratégia política”. Só na cabeça perturbada do ex-governador.

Escrevo essa pequena nota com cautela, vai que amanhã o empresário e dublê de político resolve dizer que a desistência de hoje era também “uma estratégia”. De qualquer forma, o alto tucanato fez a única coisa que lhe restou fazer depois de toda essa lambança: negou-lhe a legenda, conforme eu havia previsto em 01/04. Não era difícil de prever o desfecho, dado o nível da patuscada.

Desde quando decidiu concorrer para a prefeitura de São Paulo em 2016, o único objetivo político de João Doria era tornar-se presidente do Brasil. Frustrado em seu objetivo, tal qual um executivo que foi preterido por um concorrente ao cargo de CEO, só lhe resta retirar-se da empresa. No caso, da vida pública. Vai com Deus.

PSDB, o partido do diálogo

Entrevista com o ainda senador José Serra. Na primeira pergunta, Serra afirma que é preciso acabar com essa “polarização entre extremos”. Na pergunta seguinte, ao ser questionado sobre as conversas que Lula vem mantendo com próceres do partido, Serra diz achar “natural” o diálogo político mesmo entre aqueles que ”não compartilham bandeiras”.

O senador é inteligente e perspicaz, e certamente tem consciência da contradição em termos entre as duas respostas. O que ele faz é subestimar a inteligência e perspicácia do leitor. Afinal, não é preciso ser muito inteligente e perspicaz para sacar que, para fins eleitorais, não dá para condenar os extremos e, ao mesmo tempo, aceitar o diálogo com um deles.

Serra dá uma resposta de sarau literário, onde os problemas nacionais são resolvidos em tese. Claro, o diálogo sempre é superior à guerra. Em tese. Na prática, com um candidato de seu próprio partido buscando desesperadamente firmar-se como uma alternativa à polarização indicada pelo próprio senador, esse “diálogo” só interessa a Lula. Enquanto os tucanos históricos “dialogam”, Lula trata de ganhar a eleição.

Não é à toa que Doria ganhou as prévias. Com todos esses tucanos pré-históricos apoiando Eduardo Leite, ficou claro onde estava a mínima chance de futuro para o partido. Digo mínima porque é mínima mesmo, a maior probabilidade é que o PSDB saia menor dessa eleição do que entrou, justamente porque a ala pré-histórica insiste em diálogos de sarau.

Lula só pensa em eleição. Bolsonaro só pensa em eleição. Doria causa repulsa dentro de seu partido porque, vejam só, só pensa em eleição. Serra, Tasso, Zé Aníbal e outros tucanos pré-históricos fariam bem em seguir o caminho de Alckmin, e cair de vez no colo do ex-presidiário. Ao menos deixariam de criar ruído para a campanha do candidato de seu próprio partido.

A volta dos que não foram

Passeando por alguns posts antigos, redescobri esta pérola. Faltando pouco menos de um ano para as eleições de 2018, o então pré-candidato do PSDB à presidência, Geraldo Alckmin, coloca para fora todas as suas convicções sobre o capitalismo, em um evento patrocinado por uma ala do partido chamada “Esquerda Pra Valer”.

A estratégia era, segundo a reportagem, tentar herdar os votos de Lula, caso o então pré-candidato do PT e já condenado em 1a instância fosse impedido de concorrer.

Como se viu, a estratégia não deu lá muito certo. Mesmo tendo um latifúndio de tempo de TV e o apoio de 279 partidos, Alckmin mal ultrapassou 5% dos votos, a menor votação do PSDB desde a redemocratização. Enquanto isso, um candidato que prometia privatizar tudo quase papou a eleição no 1o turno. Sua estratégia não era herdar os votos de Lula. Era herdar os votos das viúvas do PSDB, abandonadas por um partido que insistia em ser o lado B do PT.

Hoje, o responsável pela tal “Esquerda Pra Valer” foi expulso do partido, enquanto Alckmin se auto expulsou. O PSDB, sob o comando de João Doria, quer ocupar um espaço mais à direita no espectro político. É o popular “muito pouco, muito tarde”. O PSDB perdeu o trem da história, e agora virou um coadjuvante no cenário da disputa presidencial.

Em que planeta vivem?

Abaixo, trecho da entrevista de Tasso Jereissati, hoje, no Estadão. Como sabemos, a exemplo de FHC, Tasso também foi se encontrar com Lula. O jornalista, então, pergunta se se trata de uma aliança eleitoral. Já teria sido suficientemente ruim apontar nessa direção, mas Tasso foi além: trata-se de uma aliança para governar!!!

Em que planeta vivem esses dirigentes históricos do PSDB, para achar que o PT vai aliviar a barra de um eventual governo psdebista??? Os petistas vão fazer a oposição desonesta e perniciosa que sempre fizeram, está em seu DNA. Para os petistas, ou o governo é do PT ou não serve. Todo não petista é fascista, como já deveriam ter aprendido FHC, Tasso e outros.

Não é à toa que Doria vai levar a indicação da candidatura pelo partido. É o único que tem alguma noção de realidade. Se o PSDB ainda tem uma micro chance de sucesso nas eleições é com alguém que pode bater em Lula de maneira crível. E esse alguém, no PSDB de hoje, é Doria. O que nos leva à conclusão de que, se Doria é o único com alguma noção dentro do PSDB, então as chances do partido nas eleições são realmente muito diminutas.