A primeira medida de impacto do governo Temer foi a aprovação da PEC do teto de gastos, no final de 2016. Os credores da dívida olharam aquilo e pensaram: “Puxa, agora é pra valer! A disciplina fiscal está inscrita na Constituição! É muito difícil mudar isso, precisa de um quórum muito alto”.
De fato, o saldo positivo nas contas públicas durante 15 anos seguidos foi obtido sem que houvesse uma lei do “superávit primário”. O 2o governo FHC elevou a carga tributária, o governo Lula navegou uma onda de crescimento global e o governo Dilma, até 2014, varreu pra debaixo do tapete despesas (as famosas “pedaladas”), mas todos tinham um compromisso não escrito de manter o superávit primário, compromisso este crível, pois suportado por um track record de vários anos. Tanto era assim que, em 2015, quando o governo mandou pela primeira vez um orçamento prevendo déficit primário, foi um rebuliço tal que tiveram que mandar outro, prevendo superávit. Mas o cristal já estava trincado, principalmente porque começava a vir à tona os truques usados para obter os superávits nos anos anteriores.
Com o fim da era dos superávits primários, era necessário um movimento forte, que recuperasse a credibilidade do governo junto aos seus financiadores. Este movimento foi a PEC do teto de gastos. Inscrito na Constituição, o teto dava a garantia de que os superávits voltariam a ser produzidos no futuro. Era uma questão matemática: com as despesas aumentando somente com a inflação e as receitas aumentando com o PIB nominal, em algum momento estas ultrapassariam aquelas.
Bolsonaro, uma vez eleito, trouxe Paulo Guedes, um fiscalista de quatro costados, para comandar a economia. O ministro até cunhou um termo, os “fura-teto”, para se referir àqueles que, dentro do governo, tramavam despesas além do teto. Até que chegou o mês de outubro de 2021. Pressionado politicamente a encontrar solução para o aumento de gastos no ano seguinte, ano eleitoral, o governo patrocinou a PEC dos precatórios, que, além de postergar o pagamento dessas dívidas, espertamente mudava a data para a medição da inflação usada para o cálculo do teto. Essa mudança abriu um espaço adicional no teto, uma espécie de claraboia.
Guedes jurou que não se tratava de abandonar o teto, mas o estrago já estava feito. Ficou claro para os credores que o fato de ter uma PEC do teto não trazia segurança alguma. Uma outra PEC poderia modificá-la, e não era assim tão difícil obter quórum, se Executivo e Legislativo estivessem irmanados no mesmo objetivo de gastar além dos limites. Ali se quebrou um cristal, assim como havia acontecido em 2015.
O anúncio de uma nova PEC para subsidiar os combustíveis é apenas a confirmação dessa suspeita, a de que a PEC do teto não é um compromisso sério só pelo fato de ser uma PEC. O compromisso fiscal, no final do dia, depende da credibilidade do governo, não de uma lei.
O programa de governo do PT, recém divulgado, afirma, com todas as letras, que vai acabar com o teto de gastos, pois a regra “perdeu credibilidade”. É com dor no coração que falo isso, mas o PT está certo neste caso. O regime fiscal brasileiro perdeu credibilidade, porque fabricamos PECs ao gosto da necessidade do momento. Quem deveria guardar a chave do cofre, se presta a encenar óperas bufas, como o anúncio de ontem. Depois não entendem porque o mercado não vê muita diferença entre Lula e Bolsonaro.
O preço das mercadorias é o termômetro da doença, não a sua causa. Controlar preços não fará a doença sumir. Pelo contrário. Se a doença continuar lá, o estado do paciente somente piorará, o que demandará tratamento posterior ainda pior.
Dois exemplos apareceram nos jornais nesses dias. O primeiro foi um decreto legislativo para suspender o aumento do preço da energia elétrica no Ceará.
O segundo, uma nova peroração do presidente contra a política de preços da Petrobras, após a divulgação de seu resultado recorde no 1o trimestre.
Já passamos (acho) da fase em que pensávamos que congelar todos os preços da economia resolvia a questão da inflação. Vimos, depois de apanhar muito, que o resultado desse tipo de política é o desabastecimento e a volta da inflação muito mais virulenta posteriormente. Atacávamos a febre, não a doença.
Por algum estranho motivo, no entanto, grande parte da população ainda acha que controlar os preços dos combustíveis e da eletricidade não causará os mesmos problemas. Claro que combustíveis e eletricidade são mercadorias diferentes de arroz e automóveis. Mas a lógica empresarial é a mesma: é preciso investir antecipadamente, assumindo risco, para produzir e distribuir a mercadoria. E é neste ponto que o controle de preços atua negativamente, desestimulando novos investimentos. Vejamos os dois exemplos.
No caso dos combustíveis, a Petrobras atua em um ramo bastante instável. Agora o preço do petróleo está acima de US$ 100, mas estava em US$ 50 há um ano e chegou a bater US$ 20 no pior momento da pandemia. Que empresa consegue se planejar com essa volatilidade de preço do seu principal produto? Isso sem contar com o câmbio… Então, como qualquer empresa que produz commodities, a Petrobras precisa faturar e lucrar muito durante o tempo das vacas gordas para compensar os lucros menores dos tempos das vacas magras. Caso contrário, os investidores não estarão dispostos a financiar a atividade da empresa.
É curioso ouvir o presidente dizendo que “os gordos fundos de pensão americanos” é que estão enriquecendo com os preços praticados pela Petrobras. O presidente, como representante máximo do maior acionista da empresa, deveria era estar dando graças a Deus que ainda tem investidor disposto a correr o risco Petrobras. Isso só está acontecendo porque o governo Temer estabeleceu em lei que a empresa é obrigada a praticar preços de mercado, garantindo que os tempos das vacas gordas compensem os tempos das vacas magras. A Petrobras, hoje, poderia estar produzindo muito mais, se o governo Dilma não tivesse controlado os preços, afastando investidores e tornando a Petrobras a empresa mais endividada do planeta. Estamos pagando a conta de uma política populista de preços, que o atual presidente quer ver repetida. Quebrar o termômetro não elimina a doença.
A eletricidade é uma mercadoria completamente diferente do petróleo, mas a lógica empresarial é a mesma. As empresas assumem compromissos de décadas em troca de regras estáveis de reajuste de preços. Repito: o compromisso dessas empresas é de 20 ou 30 anos. Assinar um contrato com esse horizonte de tempo no Brasil exige muita coragem, em um país instável como o nosso, onde as regras não valem a tinta gasta para escrevê-las. A tentativa do Congresso de “congelar” os reajustes tarifários de eletricidade é somente a constatação desse fato. Não à toa, é preciso acenar com taxas de retorno atraentes para que empresas se aventurem nesses empreendimentos.
As empresas de geração, transmissão e distribuição de energia investem em infraestrutura para depois se remunerarem com as tarifas ao longo dos anos. Se essa remuneração não for suficiente, essas ou outras empresas exigirão taxas de retorno ainda maiores para fazer novos investimentos na ampliação e manutenção do parque de energia elétrica. No limite, não haverá empresas dispostas a investir, seja qual for a taxa de retorno do investimento. A mercadoria mais cara é aquela que não existe. Restarão as estatais, que investem a qualquer preço, dado que seus prejuízos são pagos pela população, não por investidores.
Se o preço dos combustíveis está nas alturas porque acompanha o preço do petróleo no mercado global, o preço da eletricidade está nas alturas porque a conta precisa carregar um monte de penduricalhos acumulados ao longo do tempo, inclusive a conta da redução ”na marra” do preço da eletricidade patrocinada pelo governo Dilma em 2013. E já temos contratados novos penduricalhos, que acompanharão a privatização da Eletrobras e pesarão sobre as contas no futuro. Além dos impostos, que representam mais de um terço do preço total. Quebrar o termômetro não elimina a doença.
Controlar preços sempre, SEMPRE, desorganiza o mercado, diminui investimentos e deixa uma conta ainda maior para o futuro. Os tão celebrados jovens deveriam usar o seu poder de voto para elegerem políticos que entendam isso. Pois a conta será paga por eles.
No dia 10/03, foi aprovado no Senado o PL 1472/2021, que dispõe, entre outras coisas sobre a criação da Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-C daqui em diante). A ideia de uma conta de estabilização desse tipo não é nova. Toda vez que o preço do petróleo sobe no mercado internacional, essa ideia é ressuscitada.
Neste artigo vamos, em primeiro lugar, entender o mecanismo de funcionamento da CEP-C. Em seguida, estudaremos as suas potenciais fontes de financiamento. E, por fim, vamos entender por que essa é uma ideia que não deve ir para frente.
A lei aprovada no Senado
A redação da lei é a seguinte (os grifos são meus):
Art. 68-J. É criada a Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-Combustíveis), com a finalidade de reduzir, observadas as regras fiscais e orçamentárias, o impacto da volatilidade dos preços dos combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, para o consumidor final.
O mecanismo utilizado está descrito no parágrafo primeiro:
§ 1º A CEP-Combustíveis:
…
III – utilizará os limites superior e inferior da banda de que trata o art. 68-I e os preços de referência, discriminados em regulamento por produto, considerando a seguinte sistemática, visando sua sustentabilidade financeira:
a) a diferença a mais entre o preço de referência e o limite superior será compensada em favor dos agentes produtores e importadores de combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, considerando as quantidades comercializadas;
b) a diferença a mais entre o limite inferior e o preço de referência será recolhida em favor da CEP-Combustíveis, considerando as quantidades comercializadas pelos agentes produtores e importadores de combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural.
O artigo 68-I, que define as “bandas” dos preços é o seguinte:
Art. 68-I. O Poder Executivo regulamentará, ouvida a ANP e observadas as regras fiscais e orçamentárias, a utilização de bandas móveis de preços com a finalidade de estabelecer limites para a variação de preços dos combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, definindo a frequência de reajustes e os mecanismos de compensação.
§ 1º Os mecanismos de compensação referidos no caput não devem inviabilizar a competitividade dos biocombustíveis.
§ 2º Os limites das bandas móveis serão definidos de maneira a refletir variações extraordinárias de preço.
Vamos a um exemplo para entender este mecanismo.
O mecanismo da Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis
A lógica da CEP-C é relativamente simples: quando o preço do petróleo sobe, o dinheiro acumulado no CEP-C é utilizado para compensar a Petrobrás por não subir os preços dos combustíveis. Ou seja, a empresa recebe a mesma remuneração que receberia se tivesse aumentado os preços. Desta forma, o lucro da Petrobrás não é penalizado pelo controle dos preços. Por outro lado, quando os preços internacionais do petróleo caem, ao invés de essa queda ser transmitida para os preços dos combustíveis, os preços permanecem mais altos, e a Petrobrás transfere essa arrecadação adicional para a CEP-C.
Antes de explorarmos um exemplo numérico, vamos lembrar que o preço no posto inclui impostos, a mistura de etanol e a margem do posto de gasolina, além do valor da gasolina cobrado pela Petrobrás na refinaria, conforme podemos observar na figura a seguir, retirado do site da Petrobrás:
Para o nosso exercício, digamos que se queira limitar o preço nas bombas em R$ 5,00 por litro (preço de referência), com uma banda de R$ 0,50 para cima e para baixo. Assim, temos:
Agora, digamos que o preço do petróleo no mercado internacional, que é a referência para a determinação do preço da gasolina, esteja em R$ 350 o barril (este preço é resultado do preço do barril em dólares multiplicado pelo câmbio). Para descobrir qual seria o preço da gasolina equivalente, vamos usar a relação histórica entre o preço da gasolina e o preço do barril de petróleo. Para tanto, usei os preços da gasolina e do petróleo (em reais) desde 2017, quando a Petrobrás inicia a nova política de preços, referenciada nos preços internacionais do petróleo. O resultado está no gráfico a seguir:
Cada ponto deste gráfico representa a relação entre o preço médio da gasolina no país e o preço do barril de petróleo (em reais) no final de cada mês, desde janeiro de 2017 até março de 2022. Este último ponto corresponde ao último aumento de combustíveis anunciado pela Petrobrás, e é representado pelo ponto mais à direita no gráfico.
Em primeiro lugar, podemos observar que, de fato, os preços da gasolina seguem de maneira bastante fiel os preços do petróleo. As pequenas distorções se devem a eventuais movimentos naturais dos preços entre os reajustes. A linha de regressão nos permite calcular o preço teórico da gasolina para cada patamar do preço do petróleo. A tabela abaixo nos dá os preços da gasolina para alguns preços selecionados do barril de petróleo (destacamos os preços que nos levam ao limite da política do preço de referência e suas bandas:
Observamos, então, que o preço da gasolina deveria ser de R$ 5,15 quando o preço do petróleo está em R$ 350. Portanto, neste ponto, a gasolina está um pouco acima do preço de referência definido pelo governo, que é de R$ 5,00, mas abaixo do teto da banda, que é de R$ 5,50. Como estamos dentro da banda definida, a CEP-C não é acionada.
Digamos, agora, que o preço do barril de petróleo dê um salto de R$ 50, para R$ 400. Neste caso, o preço da gasolina deveria ser elevado para R$ 5,64, segundo a tabela acima. No entanto, este preço está acima da banda superior do preço da gasolina definida pelo governo. Qual a solução? Simples: a CEP-C compensa a Petrobrás com a diferença. Assim, a Petrobrás cobra um preço que resulta em R$ 5,50 pelo combustível na bomba, e os outros R$ 0,14 são transferidos da CEP-C para a Petrobrás.
Por outro lado, se o preço do barril de petróleo cai para R$ 250, a Petrobrás poderia cobrar um preço pela gasolina que resultaria em R$ 4,18 por litro de gasolina na bomba, conforme a tabela acima. No entanto, a banda inferior é de R$ 4,50. Então, a Petrobrás cobra um preço que resulta em R$ 4,50 na bomba e transfere os R$ 0,32 adicionais para o CEP-C.
O esquema está ilustrado na figura a seguir:
O mecanismo é esse. Vamos agora colocar alguma realidade nesses números. Digamos que queiramos diminuir o preço do combustível na bomba dos atuais R$ 7,50 para o nosso preço de referência, R$ 5,00. Para calcular quanto a Petrobrás precisaria receber em compensação para manter o preço da gasolina em R$ 5,50 na bomba (topo da banda definida), precisamos saber o preço que a Petrobras cobra das distribuidoras. Lembre-se que o preço cobrado pela Petrobrás é apenas uma parte do preço da bomba, e é essa parte que precisa ser compensada. Para isso, vamos fazer uma correspondência entre o preço da gasolina na bomba e os preços da Petrobrás na tabela abaixo (essa correspondência foi calculada com base na proporção atual entre impostos, margem da distribuidora e preço de realização da Petrobrás):
Podemos observar que, para fazer essa redução, a Petrobrás precisaria reduzir o seu preço em aproximadamente R$ 1,25.
O mesmo vale para o diesel. Para fazer o mesmo cálculo que fizemos com a gasolina, precisamos do break-down do preço do diesel, também fornecido pela Petrobrás, conforme figura abaixo:
Fazemos a mesma regressão entre o preço do petróleo e o preço do diesel na bomba, considerando a atual configuração entre preço de realização da Petrobrás, margem do posto e impostos:
E, por fim, calculamos quanto precisaríamos reduzir o preço cobrado pela Petrobrás. Para tanto, vamos considerar que o preço de referência do diesel na bomba fosse determinado em R$ 4,25, também com bandas de R$ 0,50 para cima e para baixo, e que o preço atual do diesel na bomba seja de R$ 6,40. Temos então:
Portanto, precisamos de dinheiro suficiente no CEP-C para reduzir o preço do litro da gasolina em R$ 1,25 e o preço do litro do diesel em R$ 1,30 na refinaria. De acordo com o seu balanço do 4o trimestre, a Petrobras vendeu aproximadamente 400 mil barris/dia de gasolina e 800 mil barris/dia de diesel para o mercado doméstico em 2021, o que equivale a aproximadamente 63 milhões de litros de gasolina e 127 milhões de diesel por dia. Portanto, se fizesse um desconto de R$ 1,25 por litro de gasolina e R$ 1,30 por litro de diesel, a Petrobrás estaria deixando de arrecadar um total de R$ 244 milhões por dia. Ou R$ 7,3 bilhões por mês. Ou R$ 88 bilhões/ano.
De onde viria este dinheiro hoje? As fontes de recursos estão descritas no parágrafo segundo da lei aprovada.
As fontes de recursos do CEP-C
Vejamos a redação da parte da lei que nos informa sobre as fontes de recursos:
§ 2º É autorizada a transferência para a CEP-Combustíveis, no caso de esgotamento ou inexistência do saldo oriundo da banda de que trata o art. 68-I, observadas a disponibilidade orçamentária e financeira e as regras fiscais, de recursos:
I – de participações governamentais relativas ao setor de petróleo e gás destinadas à União resultantes do regime de concessão e resultantes da comercialização do excedente em óleo no regime de partilha de produção, ressalvadas as vinculações estabelecidas na legislação;
II – de excesso de arrecadação, relativo à previsão da lei orçamentária anual, dos dividendos da Petrobrás pagos à União;
III – de receitas públicas não recorrentes relativas ao setor de petróleo e gás, em razão da evolução das cotações internacionais do petróleo bruto, desde que haja previsão em lei específica, observado como limite o valor que exceder ao previsto na lei orçamentária anual; e
IV – do superávit financeiro de fontes de livre aplicação disponíveis no balanço da União, em caráter extraordinário.
Comecemos pelo primeiro item, royalties. Em 2021, foram arrecadados com royalties o equivalente a R$ 74 bilhões, um recorde. Deste montante, cerca de 35% ficam livres para a União, ou R$ 26 bilhões. O resto é distribuído a Estados, municípios e para vinculações obrigatórias. Devemos ter em mente que este é um valor excepcional, muito acima da média, que foi de R$ 35 bilhões nos 5 anos anteriores.
O segundo item refere-se aos dividendos da Petrobrás. Também esse ano tivemos uma distribuição excepcional de dividendos. Foram quase R$ 73 bilhões desembolsados em 2021, e mais um dividendo suplementar a ser pago em maio deste ano, totalizando R$ 101 bilhões. Para termos uma ideia, a média dos dividendos pagos nos 5 anos anteriores totalizou menos de R$ 4 bilhões por ano. Daquele montante, cerca de R$ 29 bilhões foram ou virão para os cofres da União. Vamos considerar, para simplificação do raciocínio, que não houve nenhuma previsão orçamentária de recebimento de dividendos (a lei fala em usar para o CEP-C o excesso de arrecadação de dividendos). Portanto, seriam mais R$ 29 bilhões disponíveis para alimentar o CEP-C.
Os outros dois itens são incertos e de difícil estimativa, de modo que não consideraremos em nosso raciocínio.
Temos, então, um montante de R$ 55 bilhões (R$ 26 bilhões dos royalties e R$ 29 bilhões dos dividendos) para alimentar o CEP-C em um ano realmente excepcional. Podemos raciocinar de duas formas (sempre considerando estabilidade do consumo de combustíveis em relação a 2021. Se o consumo aumentar, as contas serão menos favoráveis):
Este montante seria suficiente para bancar cerca de 7,5 meses do subsídio calculado acima. Depois disso, teríamos que rezar para o preço do petróleo ter recuado.
Considerando 12 meses de subsídio, o preço do diesel poderia ser reduzido de R$ 6,40 para R$ 4,90 (um pouco acima do teto de R$ 4,75), sem qualquer redução do preço da gasolina. Ou, o preço da gasolina poderia ser reduzido para R$ 5,50 (o teto da banda), e o preço do diesel para R$ 5,65, abaixo dos atuais R$ 6,40, mas bem acima do teto de R$ 4,75.
Uma outra conta possível é a seguinte: quanto o CEP-C teria acumulado se tivesse sido estabelecido no início da vigência da nova política de preços da Petrobrás? A paridade internacional começou a ser adotada oficialmente em outubro de 2016. Digamos que o CEP-C tivesse entrado em vigor em janeiro de 2017. Vamos considerar um preço mínimo de R$ 4,50 para a gasolina e de R$ 3,75 para o diesel durante este período. Os gráficos a seguir mostram que, em grande parte desse tempo, os preços ficaram abaixo do limite mínimo.
Como os preços ficaram abaixo da banda mínima até o início de 2021, teria sido possível acumular um bom montante no CEP-C durante esse período. Considerando o mesmo consumo de 2021 nos anos anteriores apenas para fins do exercício, teríamos a seguinte evolução do montante acumulado no CEP-C:
Observe que o pico teria sido atingido no início de 2021, com aproximadamente R$ 155 bilhões na conta. A partir de 2021, com a disparada dos preços do petróleo e do dólar, a conta começaria a ser consumida, e teríamos hoje ainda algo como R$ 100 bilhões, montante mais do que suficiente para manter os preços na parte superior da banda por mais um ano pelo menos, se os preços do petróleo não subirem além do patamar atual.
Podemos testar outras bandas de preços. No gráfico abaixo, observamos o saldo do CEP-C para preços de referência da gasolina em R$ 4,50 e R$ 4,00, e do diesel em R$ 3,80 e R$ 3,40, respectivamente (sempre com as mesmas bandas de flutuação).
Observe como, nos dois casos em que os preços dos combustíveis são determinados mais para baixo, o CEP-C não é suficiente para manter os preços nesses patamares. No pior caso, estaríamos hoje devendo R$ 150 bilhões para o CEP-C. E a conta ainda estaria crescendo.
Este exercício nos será útil para entender por que o CEP-C não tem como dar certo.
O CEP-C é uma péssima ideia e eu vou provar
O CEP-C é uma ideia muito ruim em várias dimensões. Vejamos.
Como determinar o preço de referência?
A determinação do preço de referência é um pepino político. Quando temos um preço determinado pelas forças do mercado, podemos espernear e nos revoltar, mas o preço é o preço, o culpado é o mercado. Quando o governo (ou o Congresso) trazem para si a responsabilidade de determinar o preço, qualquer critério será questionado.
Hoje o governo já é criticado pelo preço dos combustíveis porque o povo entende que o governo tem o poder de determinar os preços, dado que a Petrobrás é uma empresa estatal. Imagine quando o governo tiver realmente este poder, a pressão política que vai sofrer. Hoje, pelo menos, existe a desculpa (que não é uma desculpa, é a realidade) de que este é o preço de mercado e a Petrobrás precisa praticar preços de mercado.
Vimos acima que, para juntar um montante razoável de dinheiro na CEP-C, é preciso praticar preços muito mais altos do que os que tivemos até 2021. No caso da gasolina, por exemplo, o preço médio entre 2017 e 2020 foi de R$ 3,85, ao passo que, se houvesse o preço de referência de R$ 5,00, o preço médio teria sido de R$ 4,50 (limite inferior da banda), ou seja, 17% mais alto. E isso ao longo de 4 anos. Quando se trata de cortar preço todo mundo quer uma CEP-C. O problema é que isso significa preços mais altos ao longo do tempo. Isso nos leva ao segundo ponto, a seguir.
2. O problema não é a volatilidade. O problema é o preço alto.
Vou aqui recuperar o texto da lei:
Art. 68-J. É criada a Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-Combustíveis), com a finalidade de reduzir, observadas as regras fiscais e orçamentárias, o impacto da volatilidade dos preços dos combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, para o consumidor final.
Note que a intenção declarada do legislador não é ter preços mais baixos dos combustíveis, mas menor volatilidade. O problema é que o consumidor não quer menor volatilidade. Ele quer menor preço mesmo. Ninguém realmente reclama quando o preço cai. O problema é quando o preço sobe. Não por outro motivo, ninguém falava de CEP-C quando os preços do petróleo estavam em US$ 40. Aquele era o momento de se pensar em uma conta de compensação, elevando o preço dos combustíveis para começar a montar um fundo de compensação. Mas quem é louco de propor um troço desses quando está todo mundo curtindo preços baixos de combustíveis?
Claro que, agora que sabemos a que altura pode subir o preço do petróleo, todo mundo quer colocar um trinco na porta arrombada. O problema é que não fizemos uma poupança precaucional para este momento. A questão é: quando o preço do petróleo ceder (se um dia ceder), vamos realmente segurar os preços? A questão é política (vide item 1 acima). Mas digamos que o governo/Congresso consigam esta proeza. O que pode acontecer?
3. Dinheiro na mão é vendaval
Imagine chegarmos em 2021 com uma conta de quase R$ 160 bilhões acumulados, ali, dando sopa. O que você acha que aconteceria?
Já consigo ouvir os discursos no Congresso: esse dinheiro é do povo brasileiro, deve ser usado para o seu benefício. A tentação de usar essa montanha de dinheiro para outras finalidades não é fácil de ser vencida. Na prática, funcionaria como um imposto sobre combustíveis: os combustíveis ficam mais caros do que deveriam, e a diferença seria usada para outros fins muito nobres.
Mas este é um problema teórico. O problema prático é o inverso.
4. Dinheiro não tem carimbo
Hoje, o nosso problema é arrumar dinheiro extra para subsidiar os combustíveis, dado que não usamos o período de bonança para montar o CEP-C. Como vimos acima, esse dinheiro viria dos royalties e dos dividendos da Petrobrás. Mas este dinheiro, se não houvesse o CEP-C, seria usado para outros fins. A grande questão não respondida é a seguinte: subsidiar combustíveis é o melhor uso possível para este dinheiro?
Dinheiro não tem carimbo. Não é porque o dinheiro veio da alta dos preços do petróleo no mercado internacional que deve ser usado necessariamente para compensar os efeitos dessa mesma alta. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. A alta dos preços do petróleo pode ser uma benção: o governo brasileiro arrecadou R$ 55 bilhões adicionais (como vimos mais acima) e pode usar esse dinheiro extra na área social, ao invés de subsidiar os custos de indivíduos e empresas com combustíveis. Alguns dirão que esses custos acabam nas costas dos mais pobres, na forma de preços mais altos dos produtos. Ao que eu respondo que existem muitas linhas no balanço das empresas entre o preço do combustível e o preço final do produto, e nada garante que subsídios terminarão lá nos preços. Nunca há essa garantia para os subsídios concedidos, a bem da verdade.
O fato é que controlar preços com recursos orçamentários não parece ser uma boa ideia. Na verdade, controlar preços de qualquer maneira não parece ser uma boa ideia. Preços são a forma de o sistema capitalista se autoajustar. É o que veremos a seguir, no ponto de argumentação que considero o mais importante.
5. A intervenção nos preços sempre envia uma sinalização errada para os agentes econômicos
Quando o preço de uma mercadoria sobe, isso significa que há mais demanda do que oferta por aquele produto. Pode ser que a demanda tenha subido ou a oferta tenha se reduzido, e então o preço se ajusta para cima em um novo equilíbrio entre oferta e demanda. O novo preço mais acima diminui a propensão das pessoas em consumir aquela mercadoria, reduzindo a demanda, ao passo que atrai novos produtores, aumentando a oferta.
Claro que há mercados em que esses ajustes são mais ou menos imediatos. No caso dos combustíveis, a demanda tem uma certa inelasticidade (sensibilidade ao preço), pois as pessoas precisam continuar a se movimentar, e reduzem seu consumo de outros produtos em um primeiro momento para acomodar o aumento do preço dos combustíveis. No entanto, em um segundo momento, mudam hábitos e encontram alternativas. Além disso, a diminuição do seu poder de compra de outros produtos acaba por levar a uma desaceleração da atividade econômica, o que, por si, já diminui a demanda por combustíveis. No lado da oferta é a mesma coisa: é difícil aumentar a produção do dia para a noite, e normalmente o que ocorre é o uso de estoques reguladores. Em um segundo momento, no entanto, produtores menos eficientes são atraídos pelos preços mais altos da mercadoria, ajustando a oferta.
Ao intervir nos preços, o governo está destruindo este delicado balanço. Os indivíduos e empresas não procuram reduzir a sua demanda, e novos produtores não são atraídos para normalizar a oferta. A tendência é termos uma demanda estruturalmente maior do que a oferta ao longo do tempo, o que pressionará os preços para cima cada vez mais, exigindo montantes cada vez maiores de subsídios. Este é um mecanismo, portanto, de retroalimentação, que exige cada vez mais recursos orçamentários para ser mantido. Obviamente, como todo processo artificial, esse modelo tem um limite, e a sua saída costuma ser caótica, como em toda manutenção de preços em níveis artificiais durante muito tempo.
Por fim, em tempos de substituição de energias sujas por limpas, o preço alto do petróleo é uma benção, pois viabiliza a adoção de fontes alternativas de energia. Não deixa de ser interessante que mesmo governos que se dizem defensores da agenda ambiental estejam, neste exato momento, procurando meios de reduzir os preços dos combustíveis. As boas intenções sempre terminam na próxima campanha eleitoral.
Conclusão
A ideia da CEP-C parece ser boa em princípio, pois não intervém diretamente na política de preços da Petrobrás, usando recursos orçamentários para reduzir os preços dos combustíveis. Mas é sintomático que este tipo de ideia somente seja discutida quando os preços estão nas alturas, e não quando temos eventualmente espaço para construir o lastro da conta de compensação. Hoje, este projeto parece mais um cala-boca da classe política diante do clamor popular diante dos preços dos combustíveis, um preço simbólico determinado por uma empresa simbólica.
Parece pouco provável que este projeto vá para frente, dadas as dificuldades técnicas apontadas acima e porque, até ser aprovado e regulamentado, o preço do petróleo terá recuado, tirando a pressão política por sua implementação. E não será ruim que este projeto seja esquecido. Não precisamos de mais um artificialismo em nossa economia já repleta deles.
Roberto Castelo Branco foi escolhido como presidente da Petrobras por Paulo Guedes. Um dos chamado “Chicago Oldies” – assim como Guedes, egresso da Universidade de Chicago – a escolha de Castelo Branco servia para demonstrar que o Brasil estava entrando em uma nova era de racionalidade na economia e no trato da coisa pública. O novo presidente era a garantia de que a Petrobras não seria mais utilizada como instrumento desenvolvimentista, nem tampouco para a implementação de políticas demagógicas às expensas de seus acionistas minoritários.
Pois bem. Castelo Branco não sobreviveu ao primeiro choque de preços do petróleo, e foi defenestrado por Bolsonaro em abril de 2021. A acusação era de que o Chicago Oldie não tinha “sensibilidade social” e, além disso, fazia o que bem entendia antes de conversar com o presidente da República. Como se a Petrobras não fosse uma empresa de economia mista regida por estatutos internos bastante rígidos. Aliás, a não interferência da presidência da República era exatamente o que diferenciava o novo governo do governo do PT. Mas, segue o jogo.
Castelo Branco caiu e, em seu lugar, Bolsonaro nomeou um militar de sua confiança (era, pelo menos, o que ele pensava), o ex-presidente da Itaipu Binacional, general Joaquim Silva e Luna. O mercado reagiu mal, pois precificou a volta da intervenção do Planalto na empresa. Estavam, o mercado e Bolsonaro, redondamente enganados. Silva e Luna tem se mostrado um liberal tão ou mais ortodoxo do que seu antecessor. As reclamações de Bolsonaro e sua entourage são um deja vu (estou abusando do francês hoje), parece que estamos vivendo abril de 2021 com outro personagem, até os termos usados são os mesmos.
A questão, agora, é saber o que Bolsonaro pretende fazer. Vai substituir Silva e Luna por alguém que, finalmente, ”converse com o presidente”? Ou continuará com Silva e Luna, apenas marcando sua posição em entrevistas como se fosse mais um brasileiro que não tem nada a ver com isso? Substituir Silva e Luna por outro liberal que vai “respeitar a lógica econômica da empresa” não resolveria nada.
O grande paradoxo que assombra o governo Bolsonaro (e não é só na questão da Petrobras) é ter um governo liberal liderado por um demagogo populista. Claro que os preços dos combustíveis são um problema político sensível, e o presidente da República não pode deixar de se posicionar a respeito. Isso é uma coisa. Outra coisa é demonizar a Petrobras ou o seu presidente por decisões que qualquer empresa privada tomaria no mesmo contexto. A não ser que se considere a Petrobras como um puxadinho do governo. Mas, nesse caso, já não se trataria de um governo liberal. Então, temos uma empresa que age de acordo com o perfil liberal e é criticada pelo presidente que lidera um governo auto-intitulado liberal. Esta é a esquizofrenia.
De qualquer modo, há que se reconhecer que estamos a anos-luz do que os governos do PT fizeram com a empresa, e prometem fazer novamente se forem eleitos. É melhor um governo esquizofrênico que reclama das suas próprias virtudes do que outro com discurso coerente mas terrivelmente equivocado.
Super-Homem: amigos, temos uma emergência. O nosso presidente Mito está sob ataque desde que Despero aumentou os preços dos combustíveis.
Robin: mas Super-Homem, o Despero não foi colocado na Petrobras pelo próprio presidente?
SH: Sim, menino-prodígio. Mito e Despero foram colegas de escola, e ele acreditava que poderia contar com a lealdade do velho amigo. O nosso Mito é muito ingênuo. É por isso que estamos aqui, para defendê-lo de suas escolhas desastrosas.
Mulher-Maravilha: e agora, o que vamos fazer?
Aquaman: por que não acabamos com a raça do Despero e forçamos a Petrobras a diminuir os preços?
SH: Não é fácil. A Petrobras é defendida pela Liga da Injustiça, que só pensa em seus lucros. E o Mito não quer briga com esse pessoal.
Batman: tive uma ideia. Vamos à raiz do problema. Podemos arrancar Prometheus do poder na Rússia. A guerra acaba, os preços do petróleo derretem e a Petrobras pode baixar os preços dos combustíveis.
Robin: Santa astúcia, Batman!
SH: Não, Batman. Seria muito arriscado, ele é defendido por uma tropa de Marcianos Brancos. Além disso, o Mito tem uma quedinha por Prometheus, não sei se convém tirá-lo do poder.
Mulher-Maravilha: então vamos lançar mão de nossa especialidade, a bomba de fumaça.
SH: como seria isso, Mulher-Maravilha?
MM: Simples. Precisamos encontrar uma escorregada de algum inimigo do Mito. Jogamos isso nas redes, lideramos um linchamento moral e o pessoal esquece os preços dos combustíveis.
SH: parece uma boa ideia, Mulher Maravilha. Mas quem? Acho que já terminou a lista de inimigos do Mito que jogamos na lama das redes.
MM: Aí é que você se engana, Super-Homem. Sempre tem mais um que apoiava o MIto e depois se tornou um traíra. Estava pensando aqui no Darkseid.
SH: Sim, é verdade! Darkseid era um entusiasta do Mito, mas passou a criticá-lo sem dó nem piedade. Mas o que temos contra ele?
Batman: enquanto vocês falavam, pesquisei na minha bat-biblioteca eletrônica, e encontrei a cena de um filme de 5 anos atrás que Darkseid roteirizou, em que o protagonista é pedófilo.
MM: Uau! É disso que precisamos!
Todos assistem atentamente ao achado de Batman. Com exceção de Robin, que não tem idade para isso.
SH: Mas esse cara é o vilão da história. O fato de ser pedófilo depõe contra a pedofilia, não a favor. Além disso, se fosse assim, todo filme em que ocorrem assassinatos ou gente fumando drogas poderia ser considerado uma apologia aos assassinatos ou às drogas.
MM: Super-Homem, você já deveria saber que isso pouco importa. As mães preocupadas com a saúde moral dos seus filhos e que não conseguem controlar o que eles veem no Netflix vão reagir à palavra “pedofilia” como cães de Pavlov. Ninguém vai assistir ao filme pra conferir do que se trata. Além disso, você sabe como essas coisas funcionam, existem outros 3.451.890 filmes com conteúdos impróprios na Netflix, mas quando começarmos a nossa campanha bomba de fumaça, esse filme, que ninguém assiste há muitos anos, se tornará o principal problema moral do país.
SH: Estou começando a gostar da ideia. Mas vejo um problema exatamente nisso: esse filme tem 5 anos, vai fazer sentido ressuscita-lo agora? Não vai parecer estranho?
MM: Ora, Super-Homem, até parece que você é neófito nessas campanhas. Tanto faz, o que importa é a palavra “pedófilo” junto da palavra “Darkseid”. O resto é detalhe a que ninguém presta atenção.
Batman: Além disso, não sei se vocês notaram, o roteiro é do Darkseid, mas o ator da cena é o Starro, inimigo bem conhecido do Mito. Essa combinação é explosiva.
SH: Sim, concordo. Mãos à obra, então, amigos da Liga da Justiça!
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Na verdade, Darkseid estava disfarçado de Mulher-Maravilha na reunião da Liga da Justiça. Seu plano era promover o seu filme, no que teve estrondoso sucesso.
Ha alguns anos, tive um problema com uma compra na internet. Não lembro exatamente com o quê, porque faz muito tempo. Decidi procurar o PROCON para tentar resolver. Lembro que, a muito custo, consegui registrar a minha reclamação, em um site pouco amigável.
Foi quando descobri o site do Reclame Aqui. A diferença era brutal: fácil de usar, consegui registrar minha reclamação em uma fração do tempo que havia gasto no site do PROCON. Em poucos dias, havia resolvido a minha situação. Algum tempo depois, recebi um e-mail do PROCON, solicitando o envio de uma série de documentos para dar andamento à reclamação! Ali ficava clara a inutilidade do órgão.
O diretor do PROCON-SP, Fernando Capez, quando aparece no jornal, é para ameacar empresários de praticarem “preços abusivos”. Enquanto o papel do PROCON, que é proteger consumidores de práticas abusivas de empresas, é feito por uma empresa privada, a autarquia se preocupa em “controlar preços”, algo sem amparo algum na lei. No Brasil, os preços são livres. Se um dono de posto quiser colocar a gasolina a R$ 20 o litro, não há lei nenhuma que o impeça. A única lei que regula o impulso do dono do posto é a lei da oferta e da demanda.
A preocupação do PROCON deveria ser evitar a formação de cartel. Mas, nesse caso, a fala do diretor do órgão deveria ser “o PROCON vai combater a cartelização”, e não a “especulação”. Como, de resto, deveria ser papel permanente do órgão, e não somente quando a Petrobras aumenta seus preços.
Com essa fala, o diretor do PROCON sanciona o potencial comportamento abusivo de seus fiscais. O dono do posto, depois de investir o seu bom dinheiro no estabelecimento de um negócio, pagar seus funcionários, recolher impostos e, depois disso, ainda tentar dar lucro, precisa lidar com os pequenos xerifes da justiça social, que sabem qual o preço “justo” do combustível. O espírito do cruzado, que, em 1986, prendeu donos de supermercado por praticarem “preços abusivos”, continua vivo e alerta. O brasileiro médio concorda com Fernando Capez, é preciso tratar esses empresários com rédea curta.
O curioso é que Fernando Capez foi nomeado pelo governador João Doria, o champion da iniciativa privada. Doria, depois de uma fala desse tipo, para ser coerente com suas convicções liberais, deveria demitir o diretor do PROCON sumariamente. Mas coerência não é artigo em abundância no mercado hoje em dia.
A Petrobras tenta se defender das acusações de querer lucrar às custas dos brasileiros. Segundo a empresa, apenas R$2,33 é de sua responsabilidade no preço da gasolina. Aliás, essa é a realidade de praticamente todos os produtos que compramos: a diferença entre o preço de produção e o preço final é gigantesca, devido, principalmente, à cunha tributária.
Mas não é sobre isso que quero falar hoje. Vamos falar de subsídios. E se, da noite para o dia, a Petrobras decidisse diminuir em R$ 1,00 o preço do combustível que vende? Ok, com os preços nas alturas em que estão, R$ 1,00 não faria muita diferença, mas já ajudaria um pouco. Qual seria o impacto disso no balanço da companhia?
De acordo com o seu balanço do 3o trimestre, a Petrobras vendeu 1,3 milhões de barris/dia entre diesel e gasolina para o mercado doméstico, o que equivale a 208 milhões de litros por dia. Portanto, a Petrobras, se fizesse um desconto de R$ 1,00 por litro, estaria deixando de arrecadar R$ 208 milhões por dia. Ou R$ 6,2 bilhões por mês. Ou R$ 75 bilhões/ano.
Para termos uma ideia do que significam R$ 75 bilhões, basta saber que toda essa celeuma em torno do teto de gastos está ocorrendo porque o governo quer R$ 30 bilhões adicionar para “ajudar os pobres” no ano que vem. Aliás, o atual bolsa família gasta metade desses R$ 75 bilhões anualmente. Quer dizer, um desconto de R$ 1,00 nos preços dos combustíveis significaria dois anos de bolsa família. O governo tem esse dinheiro? Não.
Mas aí é que entra a criatividade dos nossos políticos. Por que não usar a Petrobras para diminuir o preço dos combustíveis? A ideia é realmente genial, e vou explicar porque.
O governo é dono de 37% da Petrobras. Portanto, recebe 37% do lucro distribuído pela companhia. Assim, se o lucro diminuir em R$ 75 bilhões, o governo deixa de receber cerca de R$ 28 bilhões em dividendos. Desse modo, ao invés de pagar R$ 75 bilhões do seu apertado orçamento para subsidiar os preços dos combustíveis, estaria usando apenas R$ 28 bilhões. E, o que é melhor, longe dos olhos do respeitável público. Afinal, quem presta atenção em dividendo não recebido?
E quem paga a diferença? Claro, os troux… os otár… os acionistas minoritários, aqueles mesmos que financiam 63% das atividades da empresa. Aliás, na real, bem mais do que 63%, porque na última grande capitalização da Petrobras, em 2010, o governo entrou com barris de petróleo a serem explorados. Quem entrou com dinheiro mesmo, aquele que serve para fazer investimentos, foram os troux… os otár… os acionistas minoritários.
Alguém poderia dizer “ah, mas a Petrobras lucra demais, poderia ter um lucro menor”. Não, a Petrobras lucra menos que suas congêneres internacionais. E, na verdade, precisaria lucrar mais, pois deve pagar o risco político de ter, a qualquer momento, seus lucros tungados para fazer política populista de preços. Dinheiro não tolera desaforo.
Já publiquei este estudo aqui (O imbróglio do petróleo), estou apenas atualizando com os dados até o final de outubro.
No gráfico 1, mostramos o preço do barril de petróleo do tipo Brent em reais. Ou seja, pegamos o preço em dólar e multiplicamos pelo câmbio entre o real e o dólar. Mostramos o preço sem ajuste nenhum (em azul) e o preço ajustado pela inflação (IPCA) no período.
Podemos observar que o preço do barril de petróleo, em reais, está na máxima dos últimos 10 anos, tendo dado uma estilingada nos últimos 2 meses, tanto em função do aumento do preço do petróleo, que saiu de US$61 para US$83, quanto do câmbio, que saiu de R$5,15 para R$5,64. Em termos absolutos, o barril de petróleo vale hoje 2,5 vezes mais do que há 10 anos. Ajustando pela inflação (IPCA), estamos um pouco acima do pico do governo Dilma.
No gráfico 2, mostramos a relação entre o preço do barril de petróleo em reais e o preço do diesel na refinaria. Este gráfico dá uma ideia da defasagem de preços: quanto mais alto o índice, mais defasado estará o preço do diesel em relação aos preços internacionais.
Podemos observar que durante uma parte do governo Dilma (até outubro de 2014, mês da eleição, oh coincidência!), a média do índice é bem superior ao que temos no período seguinte. Hoje, no entanto, a defasagem alcançou a média do governo Dilma. Os preços dos combustíveis vão ter que andar mais. Ou rezamos para o preço do petróleo cair. Não parece que vai acontecer tão cedo.
Por fim, no gráfico 3, mostramos a variação, ano a ano, do preço do petróleo no mercado internacional (em dólar), a variação do câmbio e a variação do preço do petróleo em reais, que é a composição dos outros dois fatores.
Podemos observar que Bolsonaro é um azarado mesmo: até outubro, o preço do petróleo subiu nada menos que 60% no mercado internacional, a maior alta em um ano nos últimos 10 anos. Está certo que o governo não se ajuda: em 2016, por exemplo, o preço do barril subiu 50%, mas o dólar se desvalorizou 15%, amenizando uma parte dessa alta. Neste ano, pelo contrário, o dólar se valorizou 10%, piorando ainda mais a situação.
Enfim, tudo isso pra dizer que pode congelar ICMS, dar dura na Petrobras, falar em privatizar a empresa, dar cambalhota no Congresso. Nada disso vai resolver o problema da combinação explosiva do preço do petróleo nas alturas com uma moeda desvalorizada. A não ser que queiramos quebrar a Petrobras novamente.
A nova fórmula de cálculo do ICMS, proposta pelo presidente da Câmara, é a seguinte: o imposto incidiria sobre a média de preços dos combustíveis nos últimos dois anos, e permaneceria fixo durante um ano. Essa fórmula retiraria permanentemente receitas dos estados somente na implausível hipótese de que o preço do petróleo subisse para sempre. Caso o preço do petróleo caísse (o que um dia vai acontecer, como sempre aconteceu), os estados vão travar um preço mais alto do petróleo durante algum tempo.
O efeito sobre os preços dos combustíveis é que o repasse tanto da alta quanto da baixa do preço do petróleo será mais lento. Quando o preço do petróleo baixar no mercado internacional, é bem provável que subamos vários lugares no ranking dos combustíveis mais caros do mundo.
Do ponto de vista de arrecadação de longo prazo, dá na mesma: o que não for arrecadado agora será compensado no futuro, com bases de cálculo mais altas do que aquelas que seriam justificadas pelos preços correntes do petróleo.
Do ponto de vista de sinalização para o consumidor, trata-se de medida distorsiva: o preço alto do petróleo sinaliza escassez, o que deveria ser acompanhado por redução do consumo. O preço mais baixo artificialmente leva a uma demanda incompatível com a oferta do produto. E vice-versa: quando o preço do petróleo cair, a demanda ficará aquém da oferta, pois o preço do combustível estará artificialmente alto.
Finalmente, do ponto de vista da inflação, essa metodologia representará um alívio imediato, mas ao custo de uma queda da inflação mais lenta ao longo do tempo, quando o preço do petróleo cair. Particularmente, acho que essas fórmulas ad hoc introduzem mais distorções que benefícios. Mas o populismo tarifário sempre fala mais alto.
“Os governadores têm de se sensibilizar, têm que dar sua cota de sacrifício”.
Falou em redução de impostos, eu sou o primeiro na fila a aplaudir. O problema é quando essa redução de impostos não vem acompanhada de redução de gastos. Então, a redução de impostos se transforma em aumento de dívida.
A maior parte dos estados está quebrada. O que Lira está sugerindo é que os estados se endividem ainda mais. Tenho uma outra sugestão: que tal o governo federal subsidiar a gasolina, devolvendo para os estados uma eventual renúncia fiscal do ICMS? Ah, não tem dinheiro? Pois é…
Lira estava falando desde a sua base eleitoral, em Alagoas, estado governado pelo seu desafeto Renan Filho, do clã Calheiros. Não por outro motivo, Fernando Collor o estava acompanhando no palanque. Ao pedir “sensibilidade” aos governadores, Lira estava fazendo política paroquial com um assunto nacional de extrema importância. É desse nível de “estadista” que dependem os destinos da nação. Como dizia o Gil do Vigor, o Brasil tá lascado.