A Receita Federal soltou uma nota que responde à pergunta que fiz no post anterior sobre “o que fez a Receita”. Pelo que entendi, a coisa é a seguinte:
1) Não pode entrar com objetos acima de US$ 1 mil sem declarar (isso já sabíamos)
2) Os oficiais da Receita orientaram as autoridades brasileiras sobre o procedimento de regularização, qual seja, provar que se tratava de objetos de interesse histórico, de modo que pudessem ser incorporados ao acervo da República.
3) O ponto fundamental da nota é o esclarecimento de que não basta uma “iniciativa pessoal”. É necessário “efetivo interesse público”. Deduzo aqui que, em momento algum se conseguiu (ou se tentou) provar que aqueles objetos tinham interesse público.
4. O prazo para produzir tais provas se encerrou em julho/22.
Essa nota, para mim, afunila o caso. Temos dois fatos que precisam ser explicados:
1) Inexplicavelmente, um funcionário do governo tenta entrar no País com um presente diplomático sem declara-lo.
2) Inexplicavelmente, o governo não conseguiu (ou não tentou) provar para a Receita o caráter público das joias, passados 6 meses.
Assim, por mais que se queira caracterizar o caso como “perseguição política” contra Bolsonaro, trata-se de evento muito estranho. Isso porque ainda não entramos no mérito de porque o príncipe árabe decidiu gastar 3 milhões de euros em presentes de cunho claramente pessoal, e não com presentes genéricos, como normalmente acontece.
O caso das “joias da Michelle” tem uma desimportância ímpar para os destinos da nação. Não estaria comentando aqui, não fosse o fato de representar um desafio lógico-dedutivo, ao confrontar duas versões para o mesmo fato. E, confesso, tenho um fraco por esse tipo de desafio.
Vejamos as duas versões. Em comum às duas, temos que, no dia 26/10/21, um assessor do ministro Bento Albuquerque é retido em inspeção de rotina na alfândega, em voo de volta de Riad, em posse de uma caixa de joias no valor estimado de 3 milhões de euros. A partir daí, as versões se bifurcam.
Na versão da imprensa, a receita oferece a opção de declarar aqueles objetos como “acervo do Estado brasileiro”, opção de pronto afastada pelo ministro. A partir daí, teriam se seguido ao menos outras 5 tentativas de liberar as joias: 1) 03/11/21: ofício do Itamaraty à Receita; 2) 03/11/21: ofício de Bento Albuquerque à Receita; 3) 28/12/22: ofício do secretário da Receita para a área de alfândega do aeroporto de Guarulhos; 4) 28/12/22: ofício do próprio presidente Bolsonaro ao gabinete da Receita; 5) 29/12/22: um funcionário da presidência toma um voo da FAB para São Paulo, com o objetivo de liberar as joias.
Na versão dos bolsonaristas (até onde pude entender), há dois ofícios que desmontariam a versão da imprensa. O primeiro, de 29/10/21, do gabinete de documentação histórica da presidência da República para o gabinete de Bento Albuquerque, respondendo a um ofício deste, datado de 28/10/21, afirmando que as joias “…enquadram-se na condição de encaminhamento a este gabinete, para análise quanto à incorporação ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República…”.
O segundo ofício, de 03/11/21, de Bento Albuquerque à Receita (mencionado também pela reportagem), afirma que “… se faz necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”. Esse “destino legal adequado” seria o acervo da Presidência da República, ainda que não esteja claro no ofício.
Para reforçar essa versão, há também uma suposta carta de Bento Albuquerque para o príncipe bin Salman, de 22/11/21, em que o ministro afirma que os presentes teriam sido incorporados ao “Brazilian official collection”.
A meu ver, há algumas perguntas que precisam ser respondidas, antes que consigamos concluir algo:
1) Por que o assessor de Bento Albuquerque escolheu o “nada a declarar” na alfândega, quando estava carregando o que supostamente era um presente oficial de um governo estrangeiro? Não há procedimentos diplomáticos em casos como esse?
2) Se os agentes da Receita, como afirma a reportagem, deram a opção de oficializar a entrada das joias como “acervo da Presidência”, por que essa opção não foi aceita pelo ministro? Ou essa opção não foi ofertada e as joias foram apreendidas sem que os agentes da Receita aceitassem qualquer argumentação nesse sentido?
3) Onde estão os ofícios da Receita, respondendo aos ofícios do Itamaraty, de Bento Albuquerque e do próprio Presidente? Esses ofícios podem esclarecer por que a Receita continuou a cobrar o imposto e a multa, se o gabinete de Bento Albuquerque tinha deixado claro que se tratava de ”acervo da Presidência” e não ”do Presidente”. Ou a mensagem não foi clara o suficiente, permitindo outra interpretação por parte da Receita?
4) Por que Bento Albuquerque escreveu uma carta para o príncipe árabe, afirmando que os presentes já tinham sido incorporados ao acervo da Presidência, quando ainda estavam retidos na alfândega?
5) O que se passou entre o ofício de Bento Albuquerque à Receita em 03/11/21 e o ofício de Bolsonaro à Receita em 28/12/22? Houve outras tentativas de liberação? Se não, porque se passou mais de um ano sem que esse problema burocrático fosse resolvido?
6) Quantos mais assessores passaram pelo “nada a declarar” da Alfândega com presentes de outros dignatários e não foram selecionados para passar pelo raio X? Onde estão esses presentes hoje? Ou esse foi o único caso desse tipo, e justamente este teve o azar de ser parado pela alfândega?
São muitos os furos nessa história. Acompanhemos o seu desenrolar nos próximos dias.
“… o que não pode é continuar essa terra de ninguém”, decretou o ministro de “súbitas convicções jurídicas adquiridas”, como bem o apelidou Fernão Lara Mesquita em artigo de hoje.
E o que serão essas “normas de organização e procedimentos” para o compartilhamento de dados do COAF e da Receita com a polícia e o ministério público? Simples: só pode compartilhar se tiver autorização judicial. Isso significa que para compartilhar dados de políticos ou de ministros do Supremo, será necessária a autorização de um… ministro do Supremo, dado o foro privilegiado. Para compartilhar dados de pessoas da planície, como eu e você, bastará a ordem de um “juizeco de 1a instância”, na já clássica definição de Renan Calheiros.
A “terra de ninguém” a que se refere Gilmar é justamente equiparar todos diante da lei. As “normas e procedimentos” visam retornar ao status quo das Ordenações do Reino: todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que outros.
Trata-se de tema hermético, de difícil mobilização popular. Mas é a coisa mais fundamental que a Suprema Corte do país vai fazer para livrar a cara de políticos com foro privilegiado. Teremos, como sempre tivemos, duas justiças. Não é à toa que o clima em Brasília está um “ninguém solta a mão de ninguém”.
“A Receita Federal do Brasil informa: foi enviada uma mensagem importante para a sua Caixa Postal em 17/11/2019”.
Assim, desse jeito, veio o SMS em pleno domingão, informando-me que a Receita havia me descoberto! Seria por conta de minhas atividades de lavagem de dinheiro? Ou minha sociedade em empresa fantasma? Ou minhas atividades sem emissão de nota fiscal? Ou ainda meu patrimônio incompatível com meus rendimentos?
Coração aos saltos, fui até o site da Receita. Era uma intimação! Meu Deus!
Fui ver então no detalhe: tratava-se de uma prosaica cobrança da contribuição previdenciária sobre o salário de minha empregada doméstica. Eu acho que paguei, mas devo ter feito alguma barbeiragem no site do E-Social (um site, como todos sabem, muito fácil de usar), então não constava o pagamento. Para provar que eu havia pago seria necessário comparecer a um posto da Receita, etc, e o valor não valia a pena. Paguei, aliviado por não ter sido pego em minhas outras falcatruas.
Se bem que o Toffoli agora está cuidando pessoalmente dessa parte, então estou mais tranquilo.
Amigos, estou apelando para os meus contatos aqui no FB, porque parece que nada mais funciona no trato com o Leviatã, vulgo burocracia estatal.
O caso é o seguinte: minha declaração de IR do exercício de 2006, ano-base 2005 caiu na malha fina. Você leu direito: exercício 2006, não 2016. Faz 11 anos.
Muito bem. Depois de muitas idas e vindas, finalmente o fisco reconheceu que me devia dinheiro, e me enviou um ofício dizendo que eu tinha direito a restituição. Este ofício – atenção! – é de dezembro de 2013. Portanto, completaram-se 3 anos desde que, supostamente, o assunto se encerrou.
Como todo brasileiro cordato, esperei o anúncio da devolução durante o ano de 2014 inteiro. Nada. Em março de 2015, descobri que o MInistério da Fazenda tem uma Ouvidoria, e então enviei minha primeira reclamação. Recebi como resposta: “O processo está sendo trabalhado. Acrescentamos que são dezenas de procedimentos e formalidades a cumprir e inúmeros os fatores que podem influir/interferir, tornando impossível precisar a data para conclusão.”
Pois bem, o brasileiro cordato esperou mais um ano, e nada. Enviei outra reclamação para a Ouvidoria, em janeiro de 2016, de onde veio a seguinte resposta: “Sua mensagem foi encaminhada para o setor responsável nos trabalhos de seu pleito e será trabalhada com a maior brevidade possível”. Bem, pensei, a mensagem foi diferente, o que mostra que há pessoas, não robôs do outro lado. Senti um certo alívio.
No final de 2016 (mais um ano de espera, portanto), o brasileiro cordato perdeu a paciência. Fui até o posto da receita do meu bairro, para ser atendido pessoalmente. A técnica que me atendeu foi muito gentil, mas não obtive nada de útil. Pesquisando no sistema, disse-me que o processo estava parado. “Ok, pensei, isso eu já disse, não precisava do sistema”.
Perguntei o que poderia ser feito. A resposta foi um marco na minha relação com o Leviatã, um novo patamar: “Envie sua reclamação para a Ouvidoria”. Ok, já o fiz mais de uma vez. “Envie várias vezes. Comece semanalmente, e depois aumente a frequência para diariamente”. Fiquei pensando: a Ouvidoria trabalha pela insistência? Será que eles fazem um ranking do número de reclamações da mesma pessoa? Enfim, tudo é possível, quando tratamos com o Leviatã.
Fiz o que a técnica da receita me orientou. Comecei de leve. Mandei uma mensagem no final do ano, e depois comecei a mandar semanalmente no início deste ano. A última resposta me intimidou: “Aguardar manifestação da Equipe”. Assim, curto e grosso, diferente dos salamaleques das anteriores. Como se a pessoa do outro lado já estivesse de saco cheio da minha insistência. E essa “Equipe” então, com letra maiúscula? O que seria essa “Equipe”, meudeusdoceu? Enfim, achei que era melhor parar de mandar as reclamações para a Ouvidoria, para evitar qualquer ranço que pudesse piorar a situação.
Então, estou pedindo aos meus amigos aqui no FB: caso vocês conheçam alguém que trabalhe no interior do Leviatã, que conheça suas entranhas, agradeço muito se puder me indicar. Não quero pedir para passar o meu processo na frente, não quero privilégios. Quero apenas saber o que se passa, algo mais do que “aguarde a manifestação da Equipe” (brrr).