Que tal confiscar toda a fortuna dos muito ricos?

Bolsonaro já avisou que não vai tirar dos pobres pra dar pros paupérrimos.

Muito bem. Então vamos tirar dos ricos. Está aí a lista dos brasileiros mais ricos, segundo a última edição da Forbes.

Na linha do “imposto sobre fortunas”, minha ideia é não ficar no meio termo. Vamos parar de fingir que estamos resolvendo o problema e vamos resolvê-lo de fato. Minha ideia é taxar os “brasileiros mais ricos” em 100% de sua fortuna. Confisco mesmo. Nada de soluções meia-boca, vamos partir para a ignorância.

Não se atenha a detalhes sem importância, como o fato de grande parte dessas fortunas serem representadas por ações das empresas dos quais esses brasileiros são sócios, o que significaria a venda dessas empresas supostamente para estrangeiros, pois brasileiros com bolso para comprar essas ações também seriam confiscados.Tendo feito o confisco, teríamos aproximadamente R$ 500 bilhões (faça a soma você mesmo). Com R$ 500 bilhões na mão, o que o governo poderia fazer? Eu lhe digo.

Com R$ 500 bilhões, o governo poderia pagar mais 10 meses de auxílio emergencial. Ou 1,5 mês de suas despesas totais, que somam R$4 trilhões por ano. E depois? Ah, depois vamos pra cima dos próximos 10 da lista.

Obviamente a fortuna dos próximos 10 brasileiros mais ricos soma muito menos que R$500 bilhões. Acredite, há concentração de renda no topo da pirâmide também. Talvez tivéssemos que pegar os próximos 20 ou 25 para somar R$ 500 bilhões. Daria pra pagar mais 1,5 mês de despesas. E depois?Pois é, dá pra perceber que logo chegaríamos nos milionários, o que inclui boa parte da classe média, pequenos empresários, profissionais liberais, executivos de empresas e funcionários públicos de alta patente. Se você tem um apartamento quitado em um bairro de classe média, você já é um milionário, taokey?

Ok, confisco foi só uma forma de estressar o argumento. Mesmo com 100% de imposto sobre fortunas, estaríamos longe, muito longe, de resolver os problemas do país. Sem contar que, ao taxar fortunas de empresários, provavelmente se estará inibindo a formação de novas empresas no país. Mas isso é discussão para outro post.

O ponto é que o número de muito ricos é proporcionalmente baixo. Para fazer face a despesas de R$4 trilhões por ano, o governo precisa ir pra cima dos pobres e remediados. E aí é que está a perversidade da coisa: o governo está continuamente tirando dos pobres para dar para os paupérrimos, não sem antes separar a sua parte. Só que este imposto é camuflado, ninguém vê, está embutido nas mercadorias compradas pelos mais pobres. Na verdade, a coisa é ainda mais perversa, pois existem vários mecanismos de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, mas isso também é assunto para outro post.

Falar em imposto sobre fortunas é uma forma de fugir do problema. O ponto é que o governo gasta R$4 trilhões por ano, e todo mundo sabe o que acontece quando precisa de um serviço público. Não há imposto sobre fortunas que dê jeito nisso. Continuaremos a tirar dos pobres para dar para os paupérrimos, para desgosto do presidente.

Porque 1% deve ser muito mais rico que o restante 99%

Olhe o mundo ao seu redor. Olhe com atenção. Enumere as coisas que você vê. Enumere as coisas que você usa no seu dia-a-dia. Responda:

  1. Quantas dessas coisas você fez com as suas próprias mãos?
  2. Quantas dessas coisas foram feitas por indivíduos solitários (artesãos)?
  3. Quantas dessas coisas foram feitas por pequenos grupos de indivíduos, organizados em pequenas empresas?

Sou capaz de apostar que a sua resposta seja zero, ou algo muito próximo, para estas três perguntas. O mundo ao nosso redor é produzido por grandes empresas. Grandes empresas são organizações que congregam muitas pessoas, cada uma realizando um trabalho muito específico.

Adam Smith, no início do seu “A Riqueza das Nações”, destaca a diferença entre o que ele chama de “nações selvagens” (o que hoje chamaríamos de subdesenvolvidas) e “nações civilizadas” (as que hoje seriam as economias desenvolvidas):

“Entre as nações selvagens de caçadores e pescadores, todo indivíduo que está apto para trabalhar está mais ou menos empregado em algum trabalho útil, e procura prover, tão bem quanto possa, as necessidades e conveniências da vida, para si próprio, para sua família ou tribo, seja ele muito velho, ou muito novo para caçar ou pescar. Estas nações, entretanto, são tão miseravelmente pobres que, às vezes, são reduzidas à necessidade de eliminar ou, pelo menos, abandonar suas crianças, seus idosos e aqueles afetados por doenças, a perecer pela fome, ou serem devorados por bestas selvagens.

Entre as nações civilizadas, ao contrário, apesar de um grande número de pessoas não trabalhar de maneira alguma, muitas dessas pessoas consomem a produção equivalente a dez vezes, frequentemente a cem vezes o trabalho daqueles que produzem; mas a produção do trabalho de toda a sociedade é tão grande, que todos são abundantemente atendidos; e um trabalhador, mesmo o mais baixo e mais pobre, se ele é frugal e trabalhador, pode aproveitar uma parcela muito maior das necessidades e conveniências da vida que seria possível para qualquer selvagem obter.”

Tenha em mente que Adam Smith escreve este texto no final do século XVIII. Portanto, suas categorias e linguajar podem causar um pouco de estranheza, como quando, por exemplo, ele chama as nações mais atrasadas de “selvagens”. É a forma da época. Mas o centro da ideia de Adam Smith é que as nações desenvolvidas conseguem, de alguma forma, ser mais produtivas que as nações menos desenvolvidas. Nas nações menos desenvolvidas, apesar de todos trabalharem mais, a produtividade é muito baixa, e a produção não é suficiente para todos. Já nas nações desenvolvidas, mesmo que nem todos trabalhem, a produção é tão abundante, que sobra conforto até para os trabalhadores mais pobres.

Ao longo do livro, Adam Smith vai desenvolvendo esta ideia, começando justamente pelo conceito de empresa: várias pessoas trabalhando em conjunto, com a especialização de tarefas. Smith demonstra que a produtividade aumenta exponencialmente quando existe organização do trabalho.

Olhe novamente à sua volta. Praticamente tudo o que você vê e usa no dia-a-dia é fruto do trabalho de uma extensa cadeia de produção, formada por trabalhadores organizados em torno de grandes empresas. Graças a isso, podemos usufruir de um nível de conforto simplesmente inimaginável para nossos ancestrais de, digamos, 200 anos atrás.

Para que tudo isso seja possível, são necessárias ao menos duas coisas:

  1. A genialidade do indivíduo que inventa novas coisas ou novas formas de fazer as mesmas coisas e
  2. A genialidade do indivíduo que consegue organizar o trabalho de outros indivíduos da forma mais produtiva possível.

Uma coisa não existe sem a outra. Quantas pessoas geniais não existem no mundo, e que morrem anônimas com suas geniais invenções nas gavetas de suas casas? E, claro, o contrário também é verdadeiro: não existe empresa que fabrique algo que antes não tenha sido inventado.

Se o papel do inventor parece indubitavelmente muito precioso, o papel do CEO de uma empresa já é um pouco mais polêmico. Esta é uma percepção comum: por que o salário do manda-chuva tem que ser 20, 50 ou até 100 vezes maior do que o salário de quem realmente põe a mão na massa e produz?

Vou fazer uma outra pergunta antes de responder a esta: quando a Wal Mart começou suas atividades (e o mesmo vale para McDonalds, Magazine Luiza, Microsoft, e todas as outras grandes empresas em que você possa pensar), havia milhares de outras lojinhas no mundo. Por que a Wal Mart se tornou a Wal Mart e outras lojinhas permaneceram outras lojinhas, ou morreram e deram lugar a outras lojinhas? Será porque os trabalhadores da Wal Mart, aqueles que põem a mão na massa, trabalhavam mais duro do que a média? Ou será porque o CEO da Wal Mart estava disposto a apostar em sua visão, e tinha liderança para fazer com que outros o seguissem em sua visão?

Jogadores de futebol, há milhares no mundo inteiro. Mas Messi, há um só. As pessoas vão ao estádio não para ver o Barcelona jogar. As pessoas vão ao estádio para ver Messi jogar. Os outros jogadores se esforçam, e suam a camisa durante os mesmos 90 minutos. O treinador, o massagista, o roupeiro, todos trabalham muito, até mais do que Messi. Aliás, Messi não jogaria sozinho, ele precisa dos seus companheiros e de toda a infra-estrutura do clube. Mas as pessoas vão ao estádio para ver Messi.

A GM não inventou o automóvel, mas Alfred Sloan fez da GM a maior fabricante de automóveis do mundo durante muitos anos. O Facebook não inventou as redes sociais, mas Mike Zuckerberg fez do Facebook a maior rede social do mundo. O Google não inventou os mecanismos de busca na Internet, mas Larry Page e Sergei Brin fizeram do Google o maior mecanismo de busca na Internet do mundo. Não foram os trabalhadores mais capacitados da GM, do Facebook ou do Google que fizeram dessas empresas as líderes de seus setores. Foram Sloan, Zuckerberg e Page/Brin. Se dependessem dos trabalhadores, todas essas empresas seriam do tamanho de seus talentos: lojinhas de esquina.

Assim como as “nações civilizadas” se diferenciam das “nações selvagens” pela forma como organizam a sua produção, as empresas de sucesso se diferenciam das lojinhas da esquina pela forma como organizam a sua produção. No caso dos países, entenda-se por “organizar a produção” todas as instituições que permitem o livre empreendimento e a acumulação de capital físico e humano ao longo do tempo. No caso das empresas, entenda-se por “organizar a produção” desde ter uma estratégia de longo prazo, até a habilidade de atrair e reter os melhores talentos.

– Mas Guterman, há muito CEO incompetente que ganha rios de dinheiro!

Sem dúvida. Assim como há muitos trabalhadores incompetentes que continuam ganhando os seus salários regularmente. Mas não confunda a fotografia com o filme. Ninguém consegue se segurar eternamente em uma determinada posição se não tiver o talento necessário. Isso vale tanto para CEOs quanto para trabalhadores. Quando se está iniciando na carreira, esta afirmação parece um pouco forçada. Depois que se vai ganhando experiência, vamos percebendo que as pessoas, cedo ou tarde, são “marcadas a mercado”.

Assim, chegamos ao cerne da questão: são poucas, muito poucas pessoas mesmo, que fazem a diferença no mundo. 1% é muito generoso. Provavelmente, estamos falando de 0,001%. Estes 0,001% agregam mais valor ao mundo do que os restantes 99,999%. Valor aqui, bem entendido, material. Não me ocupo aqui de outras dimensões, tão ou mais importantes. Para um filho, a mãe agrega muito mais valor do que qualquer outra pessoa no mundo. Para um aluno, o professor certamente agrega mais valor. Acho que já me fiz entender.

Sendo assim, parece ser natural que existam bilionários no mundo. E, em um segundo escalão, milionários. Estas pessoas, ou seus ascendentes, agregaram valor equivalente. E, na medida em que os benefícios criados por estas pessoas atingem cada vez mais pessoas em um mundo globalizado, não é de se estranhar que as fortunas sejam maiores do que no passado.

A concentração de renda, preocupação de 10 em cada 10 governantes na atualidade, não deveria causar espanto: é o resultado natural da lógica capitalista. Os governantes, com seu viés populista, querem vender a ideia de que todos podem ser iguais. E não podem. Nem em países comunistas isso aconteceu: a Nomenklatura contava com privilégios vetados ao povo em geral.

A única forma de diminuir a concentração de renda é diminuir a o gap entre a capacidade das pessoas. Programas sociais desacompanhados de melhoras substantivas na educação e saúde do povo somente diminuem o crescimento potencial do país (via aumento de impostos), sem melhorar em uma vírgula a concentração de renda. Programas como o Bolsa Família são meritórios na medida em que exigem uma contrapartida (manter os filhos na escola), diminuindo o gap educacional. O benefício em si pode ter efeitos conjunturais, passageiros, mas não estruturais.

Mas por mais que se diminua a diferença de capacidade produtiva entre as pessoas, o 0,001% sempre existirá. E é essencial que exista e seja muitíssimo bem remunerado. Caso contrário, a civilização, tal qual a conhecemos, não existiria.

Protestos no Chile

Estão querendo comparar os distúrbios no Chile com as manifestações brasileiras de 2013.

Há uma certa semelhança em seus inícios, com o reajuste dos preços dos transportes públicos servindo de estopim para manifestações violentas. Mas por enquanto, é só.

No Brasil de 2013, multidões foram às ruas reclamar da inépcia do governo, que iria patrocinar uma Copa do Mundo “padrão FIFA” e, ao mesmo tempo, entregava serviços “padrão CBF” para a população. Onde estão as multidões no Chile? Por enquanto, estão em casa. Em todas as fotos, o que aparece são elementos dispersos jogando bombas Molotov e quebrando tudo. Isto não é manifestação, é vandalismo.

Os problemas elencados pelos “analistas” resumem-se ao péssimo sistema de saúde pública, ao endividamento da juventude com as mensalidades dos cursos superiores e às aposentadorias muito baixas. Esse conjunto de mazelas recebe o nome genérico de “desigualdade”, o que é muito útil quando se quer demonizar o capitalismo liberal pelos problemas insolúveis da sociedade.

No final do dia, trata-se de criar mecanismos em que a sociedade como um todo subsidie a renda dos mais pobres. Fim muito nobre, mas de boas intenções o inferno está cheio. Temos montanhas de exemplos ao longo da história demonstrando que a máquina criada para “redistribuir” a renda cria vida própria, engolindo boa parte da renda da sociedade. O resultado é pobreza generalizada.

Infelizmente, a escolha se dá entre igualdade e geração de riqueza. As sociedades que buscam a igualdade a todo custo acabam na pobreza. E, adivinha, quem sofre são justamente os mais pobres.

Tenho consciência de que esse tipo de raciocínio fere os espíritos mais sensíveis, os monopolistas do bem. Só eles sabem o que é sofrer, ser pobre, e só eles têm a solução para o “problema da desigualdade”. Esse pessoal vive em um mundo utópico, onde todos têm acesso à USP, ao Einstein e à aposentadoria integral. Bastaria ter “vontade política”, e todos esses problemas se resolveriam como que em um passe de mágica. Só não fazem isso (sujeito indeterminado) porque esses capitalistas são maus como o pica-pau. São “a favor da desigualdade”, como sugere a legenda da foto abaixo.

Isso aí no Chile não vai dar em nada, por ser iniciativa de meia dúzia de “revolucionários toddynho”, como este que aparece na foto abaixo. A maioria dos chilenos sabe que, apesar das mazelas de todo país subdesenvolvido, o Chile é uma ilha de prosperidade dentro da América Latina.

Foto extraída do jornal O Estado de São Paulo

Quanto vale um CEO?

A reportagem era sobre o retumbante sucesso do novo filme da franquia Marvel, primeiro filme a ultrapassar um bilhão de dólares de bilheteria no fim de semana de estreia.

Mas não poderia deixar de haver dois parágrafos com a “polêmica” criada pela “ativista” Abigail Disney, que sugeriu que parte dos ganhos do CEO da Disney deveria ser repartido com os funcionários que ganham menos. Abigail, como o sobrenome sugere, é herdeira do império Disney.

O que é o CEO de uma empresa? Gosto de compará-lo com um maestro. Eu não entendo nada de orquestra sinfônica, e fico confuso com a proeminência dada ao maestro. São para ele principalmente as palmas, é ele quem entra por último e para ele vai toda a deferência da plateia. E o cara não faz mais do que mexer um pauzinho no ar! Para o leigo, como eu, os músicos estão tocando sozinhos, e o maestro fica ali só fazendo aquelas piruetas.

Mas sabemos que não é assim. Cada músico ali pode ser um virtuoso de seu instrumento. Se não estiver ali o maestro, aquilo se transforma em uma cacofonia insuportável. Basta ouvir o momento da afinação dos instrumentos, antes do início da peça. O maestro junta as peças em um todo harmonioso, que pode chegar a fazer inveja aos anjos. Mérito dos instrumentistas? Sim, mas, principalmente, mérito do maestro.

Assim também em uma empresa. São poucos, muito poucos, no mundo, que nasceram para serem CEOs de sucesso. Não é nada fácil ficar mexendo o pauzinho no ar, e a empresa funcionar como música. É preciso capacidade de liderança, visão, formação de equipes que funcionem e entreguem resultados. Não é fácil. Não é nada fácil.

Bob Iger, CEO da Disney desde 2005, liderou as aquisições da Pixar, Marvel e Lucas Films, criando um império de franquias cinematográficas. As ações da Disney valiam US$20 quando Iger assumiu, e ontem fecharam a quase US$140. Sete vezes mais, uma valorização de mais de 15% ao ano nesse período. Em dólares. Para comparação, o S&P500 valorizou-se 140% no mesmo período, ou 6,7% ao ano.- Ah, mas o mérito é de todos os funcionários, que deveriam receber mais pelo seu trabalho.

Com todo respeito aos funcionários da Disney, todos eles muito simpáticos e trabalhadores, atendentes de bilheteria se encontram aos milhões em todo o mundo. Inclusive, tem muito filho da classe média brasileira que daria o dedo mindinho pra trabalhar uma temporada nos parques Disney. Basta ver o concorrido processo de seleção para summer job. Agora, um CEO como Bob Iger, que cria valor para os acionistas e mantém milhares de empregos bem remunerados, trata-se de uma agulha no palheiro. E sim, 15 dólares/hora é um senhor salário, mesmo nos EUA. Quantos no mundo não adorariam ganhar uma fração disso?

Abigail Disney é “cineasta”, e dedica sua filmografia a “temas sociais”. Sua fortuna é avaliada em meio bilhão de dólares, o que deve bastar para financiar sua “luta”. Pelo menos enquanto Bob Iger continuar trabalhando para gerar os lucros que a sustentam.

Consertando o capitalismo

Entrevista com Muhammad Yunus, o “banqueiro dos pobres”. Fez um negócio na Índia de micro-crédito, sem garantias. Não sei da saúde financeira da empresa, mas suspeito que viva de doações da parte da economia que “dá lucro”.

Aliás, esse é o projeto de Yunus: dois tipos de empresas, aquelas que “dão lucro” e aquelas que têm “preocupação social”. É a velha filantropia, com roupagem revolucionária.

Yunus defende que a máquina capitalista precisa ser concertada, pois é geradora de desigualdades. Propõe em seu lugar “empresas sociais”, que não distribuiriam lucros. Fica a dúvida de quem financiaria essas empresas, se as empresas que “dão lucro” desaparecessem.

As críticas ao capitalismo são fáceis. Suas mazelas estão aí para quem tem olhos para ver. Mas ainda não inventaram uma forma de coordenar a produção de bilhões de itens produzidos ao redor do mundo inteiro de modo a que cheguem às bilhões de pessoas que deles necessitam, gerando mais riqueza do que poderiam sequer imaginar nossos ancestrais cinco ou seis gerações atrás. Um favelado hoje vive mais e melhor do que um nobre da idade média. Isso é fato.

Aliás, essa coisa de “máquina” é bem típico de pessoas com mente totalitária, em que um “planejador central” sabe o que é melhor para todos, e projeta a “máquina” que vai “resolver os problemas”. O capitalismo tem essa vantagem: nasce da livre iniciativa de pessoas, e se adapta ao que as pessoas querem, através do capital de risco, do livre comércio e de um sistema de preços livres.

Desculpem-me se vou ser repetitivo, mas adoro parafrasear este pensamento de Churchill (ele se referia à democracia): o capitalismo é o pior sistema econômico, com exceção de todos os outros.

Eu gostaria de ter escrito esse texto


Pare e pense: você seria capaz de viver com R$ 387,07 por mês?

Duro, não?

Mas acredite: há 52 milhões de brasileiros sobrevivendo com essa quantia por aqui. Se nós colocássemos todas essas pessoas numa ilha, ela seria mais habitada que o Canadá e a Espanha.

E R$ 220? Impossível?

Segundo o IBGE, há outros 24,8 milhões de brasileiros vivendo com ainda menos do que isso. Incríveis 12,1% da população.

Se você não tem muita dimensão do que isso significa, eu desenho: há uma Austrália vivendo no Brasil com dinheiro suficiente no mês apenas para abastecer um carro com 52 litros de gasolina, ou adquirir 14 Big Macs, ou ainda conseguir pagar a metade de uma cesta básica. E mais nada.

E tem gente em situação ainda pior. Outros 4,4 milhões de brasileiros – o equivalente a uma Croácia – se viram como podem todos os meses com o mesmo que dois ingressos de cinema: R$ 73.

Se você ainda tinha alguma dúvida é a hora do fim da inocência. Nós indiscutivelmente não somos um país rico – dos brasileiros que trabalham, metade recebe menos que um salário mínimo por mês.

É uma vida do cão. E nas piores condições.

São quase 100 milhões de pessoas (mais do que a população da Coreia do Sul e da Argentina somadas) sem coleta de esgoto, 17 milhões (uma Holanda) sem acesso à coleta de lixo e outras 4 milhões (mais que um Panamá) sem um mísero banheiro em casa.

Eu não faço ideia de quem você seja, mas a sua situação é certamente melhor do que essa. Só por estar lendo este texto tenho certeza que o seu futuro é mais promissor que o de 50 milhões de brasileiros analfabetos ou analfabetos funcionais que não seriam capazes disso.

Também sei que você é mais rico que 35% da população sem qualquer conexão à internet.

Com um salário de R$ 1.500 por mês você ganha mais que 84% dos baianos. Com R$ 2 mil você está melhor que 91% dos maranhenses. Com R$ 2.500 você está acima de 86% dos mineiros. Com R$ 3.500 você está na lista dos 10% com os maiores salários do Brasil.

E o pior: você provavelmente nem sabia disso.

9 em cada 10 brasileiros acham que estão na metade mais pobre do país. Nós somos tão ignorantes a respeito da nossa condição socioeconômica que 68% dos brasileiros que ganham ao menos R$ 4.700 por mês – ou seja, entre os 7% mais ricos do país – acham que estão na parte de baixo da pirâmide social.

E antes que me esqueça – nós evidentemente somos um país com diferenças salariais abissais entre a imensa maioria da população e uma pequena parcela de brasileiros que recebem bem acima desses valores.

Mas não é como se dividir o dinheiro de todo mundo de forma igual fosse uma opção. Primeiro porque esse dinheiro dividido não resolveria a vida de ninguém – a renda domiciliar per capita no Brasil é de R$ 1.268.

Segundo porque essa tentativa já foi realizada em mais de vinte países no século passado e resultou apenas em fuga em massa, desemprego, baixa produtividade, escassez de produtos básicos e violência generalizada.

A grana iria secar rápido.

Como resolver? Não tem outro jeito: aumentando a nossa produtividade.

E eu sei que isso soa economês castiço, mas é bem mais simples do que parece.

A produtividade geral do trabalho no Brasil está entre as mais baixas do mundo: US$ 19,52 por pessoa empregada por hora. A média dos países analisados pelo International Institute for Management Development é de US$ 40,54.

Ou seja: se colocar um brasileiro e um gringo para produzir um prego, eles produzirão o dobro da gente no mesmo espaço de tempo. Nós seremos humilhantemente derrotados.

E não será por acaso.

A nossa educação é pior que a deles. A nossa infraestrutura também. Mas especialmente: as nossas leis são as mais estúpidas do mundo.

Neste momento, cada empresa brasileira segue uma média de 3.796 normas tributárias, com mais de 11 milhões de palavras – o correspondente a quase 6 quilômetros de normas para cada uma delas; uma fila interminável de papel.

Literalmente não há nenhum outro lugar do planeta onde isso aconteça.

Segundo o Banco Mundial, nós estamos apenas na posição 109 no ranking de facilidade de fazer negócios – atrás de Zâmbia, Tonga, Guatemala e Namíbia.

Tudo isso bloqueia a nossa produção de riqueza. E essa não deveria ser uma posição ideológica: o maior programa social é o crescimento econômico. Mesmo os defensores de uma maior presença do Estado na vida das pessoas deveriam entender que a única maneira de construir bem-estar social sustentável é destravando os mecanismos capazes de aumentar a renda média da população.

Não existe milagre.

Passou da hora de medir riqueza pela sua régua. Você vive numa bolha de classe média. Tem gente lá fora sofrendo de verdade. Gente suja, ignorante e mal paga, abandonada por instituições com cada vez menos poder de proteção.

Essas pessoas deveriam ser a prioridade do país. É no colo delas que cai cada tragédia.

E aqui, só entre nós: redistribuição de renda não resolverá os nossos problemas. O esgoto neste país é muito mais baixo. E ele fede muito menos na sua casa.

Rodrigo da Silva, editor do Spotniks

Concentração de renda e crescimento: o caso chinês

Reportagem hoje no Estadão descreve o surgimento de grupos “marxistas radicais”. Formados por estudantes das melhores universidades chinesas, esses grupos pregam a volta ao “marxismo puro”, aquele que “nunca foi implementado direito”.

Esses grupos reconhecem que a implementação de reformas capitalistas ajudou no crescimento econômico chinês das últimas décadas, mas os frutos desse crescimento não estão de acordo com a cartilha marxista, que é a da “distribuição igualitária” da riqueza gerada.

A apoiar seu raciocínio, nada melhor do que uma estatística que, como diria Roberto Campos, “como um biquíni, mostra tudo, mas esconde o essencial”. Segundo a reportagem, citando dados da World Inequality Database, os 1% mais ricos da China detinham 15% da renda em 1995 e hoje (suponho 2017), os mesmos 1% detém 30% da renda. Um escândalo, que deve estar fazendo Marx revirar-se no túmulo.

No entanto, vamos colocar alguns números nessa análise, para torná-la, digamos assim, mais completa.

Segundo dados do FMI, em 1995, a renda per capita dos 99% chineses mais pobres era de 1,8 mil dólares internacionais, que medem o poder de compra dos habitantes de um determinado país, o Purchase Power Parity. Usando o PPP, isolamos a questão cambial da análise. Em 2017, esta mesma renda per capita era de 11,8 mil dólares internacionais, o que resulta em um aumento do poder de compra dos 99% mais pobres de 635% neste período, ou 9,5% ao ano.

Mas, dirão os marxistas, o crescimento de renda dos mais ricos foi muito maior! Sem dúvida: os 1% mais ricos aumentaram a sua renda, no mesmo período, em 1.686%, ou 14% ao ano.

Os marxistas puros têm a ilusão de que se fossem dadas as condições para diminuir a concentração de renda neste período, os 99% estariam hoje mais ricos. Não conseguem entender que as reformas capitalistas que concentraram a renda são as mesmas que fizeram a China crescer de maneira espetacular nas últimas décadas. Hoje, os chineses mais pobres estão 6 vezes mais ricos do que estavam há pouco mais de 20 anos. E isto não teria sido possível sem as reformas capitalistas que concentraram a renda.

Um contraexemplo é o caso brasileiro. Desde 1995, tivemos TODOS os governos muito preocupados com a distribuição de renda. Proteções trabalhistas, aumento real do salário mínimo, bolsa-família, foram todas políticas que tiveram como objetivo melhorar a vida dos mais pobres. O que se conseguiu?

O World Inequality Database nos informa que o 1% mais rico concentrava 26% da renda em 2001 e 28% da renda em 2015. Esse é um primeiro dado interessante: anos de “políticas distributivas” não fizeram cócegas nos dados de distribuição de renda.

Vamos assumir, só para efeitos de simulação, que a concentração de renda no Brasil tenha ficado constante entre 1995 e 2017 (mesmo período do estudo chinês) em 27%. Sendo assim, em 1995, os 99% mais pobres no Brasil tinham uma renda per capita de 7,0 mil dólares internacionais, contra 1,8 mil dos chineses. Em 2017, a renda per capita tinha subido para 13,1 mil dólares internacionais, contra 11,8 mil dos chineses. O crescimento da riqueza dos 99% foi de 87% neste período, ou 2,9% ao ano.

Ou seja, mesmo com um aumento brutal da concentração de renda, os chineses mais pobres melhoraram seu padrão de vida quase 3 vezes mais que os brasileiros. Quem se saiu melhor, os pobres chineses ou os pobres brasileiros?

A ênfase na distribuição de renda não funcionou nos últimos 30 anos. Será que não está na hora de mudar o disco, e concentrar esforços no crescimento da economia?

Vamos tentar um projeto de País diferente, só para variar?

Onde se lê “Bolsonaro não tem um projeto para o País” leia-se “Bolsonaro tem um projeto para o País que não é do meu agrado”.

Vamos ser justos: na entrevista, Luciano Huck diz que não viu “projeto de País” nos programas de nenhum dos candidatos, não somente no de Bolsonaro. Pena que Huck não nos tenha dado a chance de votar em um verdadeiro “projeto de País”, pois afinou e fugiu da briga. Talvez porque tenha pensado que o País ainda não estivesse preparado para o seu grandioso “projeto de País”.

Na entrevista, Huck deixa claro o principal ponto de um “projeto de Pais” digno do nome: diminuir a desigualdade. Afinal, ele se orgulha de ter viajado pelo País nos últimos 19 anos, e viu muito disso por aí. Como se precisasse. Qualquer cidadão das grandes cidades tropeça em moradores de rua e a realidade das favelas fere os olhos dos brasileiros. Mas não, somente Huck tem a verdadeira noção do que é a desigualdade. Como podemos abrir mão de toda essa experiência?

Em determinado momento, Huck deixa claro qual é o seu projeto: “Acho super legal as iniciativas do terceiro setor e de filantropia. Por outro lado, só quem vai ter o poder, de fato, de reduzir a desigualdade, é o Estado”. Está aí o “projeto de País” de Luciano Huck: transformar o Estado brasileiro em uma grande agência filantrópica!

Huck fala como se nunca no Brasil tivesse havido algum projeto de redução de desigualdades. Desde 1994, fomos governados por presidentes inegavelmente preocupados com esse tópico. FHC é um dos grandes ídolos de Huck, o governo Lula mereceu elogios na entrevista por ter patrocinado “políticas sociais” e Dilma, bem, ninguém aqui vai duvidar das credenciais sociais de Dilma. Pois bem, foram mais de 20 anos de governos “preocupados com a desigualdade social”. Resultado? Explosão da dívida pública, da violência e uma desigualdade que agride almas sensíveis como a de Luciano.

Em 1994, a Coreia do Sul tinha uma renda per capita 36% maior que a brasileira. Hoje, a renda per capita do país asiático é 157% maior. Lá, os mais pobres estão em muito melhores condições que os mais pobres daqui. Não perca o seu tempo perguntando se no “projeto de País” da Coreia havia algo como “reduzir as desigualdades”. Não, Bolsonaro não tem o projeto de País de FHC, Lula, Dilma e Huck. Seu projeto, assim como foi o de Temer, é, primeiro, limpar a merda deixada pelos projetos de “redução de desigualdades” dos governos anteriores. Em seguida, aumentar a produtividade do País, de modo a retirá-lo da armadilha de eterno país de renda média. E isso só se consegue, em um país democrático, retirando o Estado da atividade econômica, não o inverso. Se a este projeto se der o mesmo tempo que se deu ao projeto de “Estado filantropo”, quem sabe daqui a 20 anos os mais pobres estejam em melhores condições do que hoje.

Resolvendo o problema da pobreza

Para colocar “fim à pobreza”, bastariam R$ 120 bilhões por ano. Isso equivale a aproximadamente 5% da atual arrecadação de impostos. Ou seja, bastaria aumentar a carga tributária dos atuais 32,5% do PIB para aproximadamente 34% do PIB. Não parece ser um impacto relevante.

Mas a coisa não é tão simples assim. Como os impostos não poderiam ser cobrados dessa parcela mais pobre, este aumento da carga deveria ocorrer sobre os 75% mais ricos. Portanto, este aumento deveria ser de 6,66% para essa parcela da população. Continua não parecendo impressionante. Vamos seguir.

Este aumento de impostos deveria se dar na forma direta. Se cobrar indiretamente (sobre produtos e serviços) os mais pobres pagariam também, anulando parte do efeito pretendido.. Então, a alíquota do IR deveria ser aumentada para os 75% mais ricos. Em quanto?

A arrecadação do IR pessoa física é de aproximadamente R$ 120 bilhões/ano. Ou seja, se o IR da pessoa física fosse majorado para “resolver” o problema da pobreza no Brasil, as alíquotas deveriam ser dobradas.

Uma outra forma de resolver o problema é remanejar despesas. O Bolsa-Família, por exemplo, distribui R$30 bilhões/ano para os mais pobres. Para “resolver o problema da pobreza”, este valor deveria ser quintuplicado, para R$150 bilhões/ano. Ao mesmo tempo, a União gasta R$300 bilhões/ano com servidores públicos federais. Ou seja, se estes servidores reduzissem seus ganhos em 40%, estaria resolvida a questão da pobreza no Brasil.

Poderíamos diminuir também os gastos com previdência. A União gasta R$750 bilhões/ano com aposentadorias. Bastaria que os aposentados aceitassem um abatimento de 16% nos seus vencimentos para “resolver o problema da pobreza no Brasil”.

Como vimos, por traz de números aparentemente irrelevantes (aumento de 5% na carga tributária) escondem-se ajustes brutais. Como também puderam observar, coloquei entre aspas o objetivo de “resolver a pobreza”. É muito estreito o conceito de “pobreza” definido como um montante de dinheiro. O que faz o brasileiro mais pobre é a falta de emprego, educação, saneamento básico e segurança pública. Colocar mais dinheiro na mão dos brasileiros pode mitigar certos desejos de consumo de curto prazo, mas essas pessoas continuarão sendo pobres. Amanhã, a tal “barra” que define a linha da pobreza vai subir, e voltaremos a ter pobres no país.

É simplesmente uma ilusão achar que vamos acabar com a pobreza quintuplicando o bolsa-família. O programa tem seus méritos como um programa emergencial, mas a pobreza continuará existindo se continuarmos a ser um país pobre.

4 fatos sobre desigualdade de renda

Texto tirado da página de Sergio Almeida.


4 fatos sobre desigualdade de renda:

1. Nem toda desigualdade existente é “injusta”.

2. O papel do Estado em melhorar a distribuição de renda pode envolver (ele) agir menos, e não mais — sobretudo no caso brasileiro.

3. Aumentar salário mínimo não necessariamente melhora distribuição de renda.

4. Reduzir desigualdade não significa necessariamente reduzir pobreza.