Só no Brasil

Cobertura da Globo News sobre a batalha campal provocada pela reação dos servidores municipais da educação ao novo desconto da previdência aprovado na CCJ de 14% a 19% (era 11%).

Depois da reportagem, o comentário de Chico Pinheiro fecha a matéria: “desconto de quase 20% de servidores que já ganham um salário tão baixo… só no Brasil”.

Só no Brasil o âncora de um dos principais telejornais do país faz um comentário energúmeno desses.

Ligando os pontos

Vamos brincar de ligar os pontos.

Ponto 1: segundo o IBGE, mais de 52 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza segundo critério do Banco Mundial, que significa sobreviver com menos de R$ 387/capita por mês. Abaixo da linha da extrema pobreza (menos de R$ 133/capita por mês) estão mais de 13 milhões de brasileiros. Reportagem no Estadão traz a história de uma família de 9 pessoas no Maranhão, que vive com renda mensal de R$ 60, e que não conseguiu ingressar no Bolsa Família.

Ponto 2: em artigo no Valor Econômico de ontem, o professor do Insper, Naércio Menezes (muito bom e sério, foi meu orientador no mestrado), afirma que seriam necessários R$ 35 bilhões/ano para tirar todos os brasileiros da pobreza. Segundo ele estima, dos R$ 74 bilhões gastos atualmente com Bolsa Família e Benefícios de Prestação Continuada (BPC), apenas R$ 34 bilhões vão para os realmente pobres. Há um problema de foco, além de recursos.

Ponto 3: o governo adiou a votação da reforma da Previdência para fevereiro. Ao que consta, a maior pressão agora vem dos funcionários públicos. Segundo reportagem do Estadão de hoje, haveria duas frentes de defesa do funcionalismo na Câmara, uma como 201 (!) deputados e outra com 238 (!!) deputados. Isso, em uma Câmara com 513 deputados. O deputado Major Olímpio afirmou: “É uma estratégia podre de satanizar o funcionário público, como se ele tivesse privilégios, como se a culpa fosse dele”. O deputado Rogério Rosso disse: “Não podemos aceitar a estigmatização dos servidores públicos, como se eles fossem os culpados pelos problemas da Previdência”. Lembrando que o que está sendo defendido é o direito dos funcionários públicos de se aposentarem com salário integral sem limite de idade, um sonho distante para os brasileiros que vivem fora do aquário. O déficit da Previdência em 2017 será de R$ 185 bilhões: 45% desse déficit (R$ 83 bilhões) servirá para pagar 3% dos aposentados (funcionalismo público).

Ponto 4: O PMDB do Maranhão anunciou aliança com Lula nas eleições do ano que vem. O PMDB do Maranhão reúne José Sarney, Roseana Sarney e Edison Lobão. Segundo o instituto Vox Populi, Lula tem 65% das intenções de voto no Estado. O IDH do Maranhão em 2010 era de 0,639, penúltimo lugar na lista dos Estados brasileiros, somente superado pelas Alagoas de Renan Calheiros.

Tenho pena é das crianças nigerianas

No auge da crise grega, em 2011, a diretora geral do FMI, Christine Lagarde, perguntada se não teria pena dos funcionários públicos e aposentados gregos ao exigir um ajuste dacroniano das contas públicas daquele país, respondeu mais ou menos assim: “tenho pena é das crianças nigerianas, que precisam compartilhar em 3 uma carteira escolar para poderem assistir uma aula, pois não têm dinheiro para comprar mais”.

Lembrei-me dessa história ao ouvir uma notícia hoje sobre a falta de segurança no transporte escolar fornecido por varias prefeituras do Estado de São Paulo. Ônibus sem cintos de segurança, enferrujados, com pneu careca etc. Logo liguei com a discussão sobre a eventual adoção de uma regra de transição para os funcionários públicos que foram admitidos antes de 2003. Segundo o presidente da Câmara e o PSDB, trata-se de uma transição “muito dura”, e será preciso “ameniza-la”.

Falta uma Christine Lagarde pra dizer que pena tenho eu das crianças pobres sendo transportadas sem segurança para a escola, nesse Brasil que não se cansa de proteger os mais privilegiados.

Bando de FDP.

Viagem para o abismo

Não sou funcionário público da ativa.

Não dependo de bolsa-família.

Meus filhos não estudam em escola pública.

Uma boa parte de minha aposentadoria virá de minha poupança previdenciária pessoal.

O único incômodo que terei se a reforma da Previdência não for aprovada será a volta da inflação alta, única forma de fazer caber os gastos suecos do governo em um orçamento senegalês. Mesmo assim, consigo me proteger com investimentos que protegem meu poder de compra.

Por que, então, sou a favor de se reformar a Previdência? Em primeiro lugar, porque honestamente me dói no coração a situação dos funcionários públicos mais simples, dos dependentes do bolsa família, dos alunos das escolas públicas. Sem reforma da Previdência, estes estarão mais fu… do que hoje. E, acredite, é possível estar mais fu… do que hoje.

Mas, sou a favor da reforma principalmente porque não consigo pensar em qualquer outra política pública que seja mais concentradora de renda do que a Previdência brasileira. Principalmente no que se refere à previdência da classe média, com um exército se aposentando com menos de 55 anos de idade.

Infelizmente, os dependentes das políticas públicas foram convencidos pelos beneficiários da atual Previdência de que seriam prejudicados pela reforma. Ajudou nesta tarefa a porca estratégia de comunicação do governo.

Enfim, não sou funcionário público, não preciso do bolsa família, não dependo de escola pública, consigo me defender da inflação.

Boa sorte pra vocês nesta viagem para o abismo.

Uma reforma que distribui renda

A economista Adriana Dupita, da corretora do Santander, publicou um estudo muito bom sobre a reforma da Previdência. Seu principal ponto é que a reforma, além da questão fiscal, endereça outro ponto fundamental para um país desigual como o Brasil: trata-se de uma reforma que redistribui renda. Copio as principais conclusões a seguir:

· A reforma traz efeitos redistributivos diretos e indiretos. Os efeitos diretos vêm da correção de duas grandes distorções, ao eliminar a aposentadoria por tempo de contribuição e impor aos inativos do setor público o mesmo teto de benefícios válido para os aposentados do setor privado. Ao mesmo tempo, a reforma preserva as condições de acesso para a camada mais pobre da população: os mais pobres já se aposentam a uma idade semelhante à mínima proposta pela reforma, sendo que 66% dos beneficiários do setor privado recebem até 1 salário mínimo – benefício que não é afetado pelas novas regras de cálculo propostas.

· A aposentadoria por tempo de contribuição beneficia, via de regra, justamente a camada mais rica e educada da população, e a longa sobrevida após a aposentadoria precoce por esta via implica que a sociedade transfere renda em termos líquidos para este grupo, representando portanto um mecanismo de concentração de renda. A imposição de uma idade mínima para aposentadoria contribui para minorar este efeito. De acordo com nossas estimativas, ao final do período de transição da reforma, a diferença entre o pagamento de benefícios previdenciários com e sem reforma pode alcançar um montante equivalente a quase R$ 280 bilhões por ano (em reais de 2017), uma economia de 25% em relação ao pagamento esperado de benefícios – com a maior parte da economia recaindo na redução das transferências em favor do grupo de maior renda e escolaridade, ou seja, com efeito líquido distributivo.

· O benefício médio recebido por inativos e pensionistas da União R$ 8 mil mensais em 2016, mais de sete vezes superior ao benefício médio dos aposentados do setor privado (R$ 1.100/mês) e bastante acima do teto do benefício para aposentados do setor privado. A imposição do mesmo teto ao setor público, ainda que apenas ao final de um longo período de transição, tem o potencial de reduzir em pelo menos R$ 40 bilhões anuais (em reais de 2017) o gasto público com este tipo de benefício.

· Além disto, ao prolongar o período ativo da população, as novas regras de aposentadoria também contribuem para aumentar em 0,2 ponto percentual o potencial de crescimento da economia (na comparação com a dinâmica esperada sem reforma) – ajudando a mitigar o efeito negativo que se esperaria da reversão do bônus demográfico. O crescimento adicional potencialmente permitiria um efeito redistributivo indireto da reforma.

· A própria redução do déficit da previdência também representaria outro impacto redistributivo indireto, dado que o déficit tende a ser financiado com impostos e contribuições em grande medida regressivos – isto é, que consomem uma parcela maior da renda justamente das camadas mais pobres da população, representando um sacrifício deste grupo para financiar a transferência de renda via previdência (que, nas regras atuais, beneficia também e em maior proporção justamente os estratos de renda mais elevados).

· Por fim, a reforma é essencial para permitir o cumprimento do teto de gastos, inserido na constituição no final de 2016. Sem a reforma, em poucos anos o governo pode se ver sem espaço para expansão de políticas distributivas – como assistência social, valorização do salário mínimo e investimentos mais significativos em educação básica.

O programa econômico do PT

O PT acaba de lançar seu “plano econômico” para debelar a crise que eles mesmos criaram. Copio na íntegra, porque não daria para explicar com minhas próprias palavras. Mistura platitudes com voluntarismo e pensamento mágico. É um plano de quem sabe que não vai voltar ao poder tão cedo.

1) Proteger os trabalhadores na crise, seus direitos e patrimônio

  • Retirar de pauta a reforma da Previdência, a reforma trabalhista e revogar a lei da terceirização
  • Aumentar as parcelas do seguro-desemprego e antecipar o abono salarial de 2016, que só será pago em 2018
  • Aumentar o Bolsa Família e qualificar as famílias beneficiadas
  • Ampliar o Minha Casa, Minha Vida para habitação popular (Faixa 1)
  • Garantir o aumento real do salário mínimo
  • Ampliar os investimentos em educação e saúde pública

2) Fortalecer empresas brasileiras para gerar empregos de qualidade

  • Ampliar as linhas emergenciais do Banco do Brasil, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Caixa para refinanciamento de dívida e capital de giro
  • Liberar o depósito compulsório dos bancos para renegociar dívidas das empresas
  • Garantir câmbio estável e competitivo
  • Fortalecer o Banco do Brasil e expandir o crédito agrícola
  • Apoiar os setores de alta tecnologia e defesa
  • Aumentar o comércio Sul-Sul, principalmente os Brics

3) Recuperar a capacidade de investimento do Estado em todas as esferas

  • Revogar a Emenda Constitucional que impôs um teto aos gastos públicos
  • Estabelecer um regime fiscal para o desenvolvimento econômico
  • Aumentar as receitas públicas por meio de tributação progressiva -Combater sonegação e recuperar a dívida ativa
  • Renegociar as dívidas dos Estados e criar plano emergencial com compromisso de investimentos

4) Investir em infraestrutura para uma economia dinâmica e eficiente

  • Recuperar as empresas de construção civil
  • Retomar as obras nos Estados
  • Concluir com urgência absoluta a transposição do rio São Francisco
  • Expandir geração de energia elétrica focada em energias renováveis baratas
  • Completar as obras ferroviárias de integração nacional
  • Criar fundo garantidor com reservas internacionais para crédito no banco dos Brics
  • Lançar o fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego

5) Recuperar o papel central da Petrobras

  • Impedir e reverter a fragmentação, destruição e privatização da Petrobras
  • Reestabelecer os planos de investimento da Petrobras

6) Redução estrutural dos juros

  • Reduzir a taxa básica de juros real
  • Definir duplo mandato para o Banco Central, que deve cuidar de inflação e emprego
  • Reduzir os ganhos bancários no crédito dos bancos oficiais para empresas e famílias

Quem tem a perder?

Greve geral dia 28.

Tudo porque querem colocar uma idade mínima de 65 anos para se aposentar.

Idade mínima que já é cumprida pelos mais pobres, que não conseguem provar tempo de serviço.

Greve geral dia 28.

A empregada doméstica que trabalha lá em casa não vai entrar em greve. Apesar de ter idade, não consegue comprovar tempo de contribuição. A reforma não a afeta.

Quem vai entrar em greve? Quem tem algo a perder. Os funcionários públicos. Os professores. As corporações.

Greve geral dia 28.

O Brasil a caminho de se tornar um grande Rio de Janeiro.