A capitalização “esperta”

No novo regime de capitalização, 70% dos recursos depositados em minha conta individual de aposentadoria seriam “emprestados” para o governo, e seriam remunerados a uma taxa “abaixo da Selic”. Além disso, uma parcela desses depósitos seria utilizada para formar uma espécie de “fundo garantidor de benefícios”, subsidiando as aposentadorias abaixo de um salário mínimo.

Bem, este é o desenho de um segundo FGTS, só que dessa vez com o dinheiro saindo da conta do empregado.

Isso aí só funciona se for compulsório. E aí teríamos, na prática, a criação de um gigantesco novo imposto, que serviria para fazer a transição do regime de repartição para o regime de capitalização. Esse esquema é o reconhecimento de que essa transição tem um custo enorme, e somente é viável tungando o contribuinte.

O BPC e a mente humana

Já escrevi sobre isso aqui, e o ministro Paulo Guedes, que não é bobo, sabe como funciona a mente humana.

Colocado diante da possibilidade de receber antes um benefício, é óbvio que a pessoa optará por isso, mesmo que seja um benefício menor. O raciocínio é simples: sabe-se lá se vou estar vivo daqui a 5 anos, quero receber agora.

Ao tornar a regra opcional, Paulo Guedes, na prática, terá a mesmo efeito do que se a regra fosse obrigatória. Gênio.

Aceno

23:59: Sabemos que “articulação política” é um nome bonito para “roubalheira”. A velha política precisa entender que o “toma-lá-dá-cá” acabou, esse governo trabalha em outras bases. A reforma da Previdência foi enviada ao Congresso, agora os deputados devem votar pensando no Brasil.

00:00: Tudo faz parte da estratégia para aprovar a reforma da Previdência. Bolsonaro sabe o que está fazendo, ele é muito esperto.

A estatística dos suicídios chilenos

O sistema de capitalização para a previdência privada tem sido atacado por ser o sistema adotado no “Chile de Pinochet” pelos neoliberais “Chicago Boys”. A acusação é que seria um sistema “desumano”, que estaria levando ao aumento de suicídios entre idosos naquele país.

Como sempre atrás de uma estatística existe uma intenção torta, fui atrás dessa história.

Tudo o que existe na Internet é um relatório periódico produzido pelo Ministério da Saúde do Chile chamado de Estudo Estatísticas Vitais. Segundo este relatório, as maiores taxas de suicídio entre os chilenos encontram-se entre os maiores de 80 anos, 17,7 para cada 100 mil habitantes, seguido pelos idosos entre 70 e 79 anos, com 15,4 suicídios para cada 100 mil habitantes. A taxa média do país é de 10,2. Assim, restaria provado que o sistema previdenciário idealizado pelos neoliberais e adotado por Pinochet penaliza os mais idosos, levando-os ao suicídio.

Bem, em primeiro lugar, a relação de causalidade está longe de ser provada somente por estes dados. Muitos são os fatores que podem levar ao suicídio, e a questão econômica normalmente não é a principal. Tanto é assim que países ricos apresentam altas taxas de suicídio. Enquanto no Chile a taxa é de 10,2 suicídios por 100 mil habitantes, a taxa no Brasil é de 6,5, nos EUA é de 15,3, na Bélgica é de 20,7 e no Japão é de 18,5 suicídios por 100 mil habitantes (fonte: World Health Organization – ONU). Mas há países mais ricos e mais pobres com mais ou menos suicídios, mostrando uma relação fraca entre esses dois fenômenos. Causalidade, então, só para quem tem má fé.

Se a relação riqueza/suicídios é fraca, o mesmo não se pode dizer sobre a relação idade/suicídio. No mundo inteiro, os suicídios são mais comuns entre os mais velhos. Assim, no Brasil, a taxa de suicídios entre os idosos acima de 70 anos de idade é de 8,9 a cada 100 mil habitantes (fonte: Ministério da Saúde), bem acima, portanto, dos 6,5 da média. Portanto, apontar o índice de suicídios de idosos acima da média no Chile é apenas constatar um fenômeno global. Ligar este fenômeno ao tipo de sistema previdenciário é, para dizer o mínimo, uma grande besteira.

Pode-se discutir se um sistema previdenciário é melhor do que outro. Mas seria bom que, para isso, se usassem argumentos honestos.

Deu ruim

Quando você ouvir alguém do PT vociferar contra a reforma da Previdência, lembre-se que eles defendem esse “modelo econômico” que deu super certo na Venezuela. O Chile é que deu ruim.

Propalado por alguns

Bem, eu particularmente nunca disse que conversar com político era o mesmo que negociar cargos e malas de dinheiro. Pelo contrário.

Deve ser um recado do presidente pra outros alguns.

Explicando o novo BPC

Faça a seguinte experiência. Pare qualquer pessoa na rua, que pareça estar na casa dos 50 e tantos anos (quanto mais pobre melhor), e pergunte:

Se você pudesse escolher entre:

a) receber R$400 a partir dos 60 anos até os 70 anos de idade, e a partir daí R$1.000, ou

b) receber R$1.000 somente a partir dos 65 anos

O que você escolheria?

Não tenho dúvida que a imensa maioria escolheria antecipar o recebimento do benefício, ao invés de esperar mais 5 anos, apesar de que o total a receber na alternativa (a) é de R$48.000 enquanto na alternativa (b) é de R$60.000 (estou aqui considerando apenas valores nominais, se considerássemos a taxa de juros do período essa diferença seria menor, pois receber dinheiro antes tem mais valor do que receber depois, a valor presente).

Por que? Porque as pessoas são conservadoras: entre receber um dinheiro hoje ou postergar o recebimento para o futuro, a imensa maioria optará por receber antes, mesmo que seja menos. O raciocínio é o seguinte: “sei lá se vou estar vivo amanhã”.

Pois bem: esta é a proposta do novo BPC. Trata-se de um benefício, não de um malefício. E sabemos que se trata de um benefício porque a maioria das pessoas escolheria a alternativa (a), que é o novo BPC, e não a alternativa (b), que é o atual BPC.

Se o governo não conseguiu defender algo que poderia ser vendido como um benefício, imagine como será defender os verdadeiros malefícios da proposta de reforma.

Nada acontece se não houver muito esforço

Tem coisas que às vezes parecem simples e óbvias, e ficamos pensando porque não existem. Por exemplo, pagar um boleto vencido em qualquer banco. Parece simples e óbvio, não?

Pois é. Os bancos gastaram meio bilhão de reais, 2.500 funcionários envolvidos durante 3 anos para tornar isso possível.

Nós somos uma grão de poeira nessa nossa civilização industrial-tecnológica. Não existe nenhum processo simples. Tudo, absolutamente tudo com que você interage no seu dia a dia é fruto do esforço coordenado de milhões de pessoas. “Coordenado” aqui é uma palavra-chave. Assim como em uma orquestra, seria impossível tirar qualquer ideia do papel sem uma gerência eficaz, batendo o bumbo e mantendo a direção.

Não existe nada simples. Desde a fabricação de uma agulha, passando por pagar boletos vencidos em qualquer agência até passar a reforma da Previdência. Pense nisto.