Atualize-se, Delegado Waldir!

Delegado Waldir foi reeleito deputado federal por Goiás com 275 mil votos, a maior votação para um deputado na história do Estado e quase 100 mil votos à frente do 2o colocado. Mais “povo” que isso, parece-me impossível.

Sua pauta está alinhadissima à pauta de Bolsonaro: combate à bandidagem, tanto nas ruas quanto na política.

Espanta-me que Delegado Waldir, o líder do PSL na Câmara e com esse currículo, venha com essa história de “articulação” e de “construção de base”. Será que ele não entende que “articulação” é sinônimo de “malas de dinheiro”? A que “faca” ele se refere, para cortar o abacaxi da reforma da previdência? Bolsonaro já disse que esse trabalho é do Congresso, ele que arrume a faca em algum lugar.

Delegado Waldir precisa se atualizar urgentemente. Parece até o Maia.

Cenários

Cenário 1: Bolsonaro consegue impor a sua agenda com a força das ruas. 308 deputados votam a reforma da Previdência sem qualquer tipo de negociação. O pacote passa inteiro. A economia deslancha e Bolsonaro é reeleito em 2022.

Cenário 2: Bolsonaro cede e negocia cargos e pontos da reforma. A reforma passa com alguns descontos. A economia deslancha e Bolsonaro é reeleito em 2022.

Cenário 3: Bolsonaro, fiel à sua agenda, não negocia, e a reforma da Previdência não é aprovada. A economia vai para o buraco e Bolsonaro até tenta colocar a culpa no Congresso. Mas, como no Brasil, tudo é sempre culpa do presidente, Bolsonaro é derrotado em 2022. Se conseguir chegar até lá, claro.

Qual desses cenários é o mais provável?

Não vai ser nada bonito

Na sexta-feira, o mercado começou a precificar dificuldades maiores para a aprovação da reforma. Mas ainda assim, uma aprovação.

Com declarações dessa natureza, o mercado logo vai começar a precificar a NÃO aprovação. Não vai ser nada bonito, garanto.

Uma hipótese de probabilidade zero

A pergunta abaixo foi feita para o economista Hélio Zylberstajn, professor da FEA e especialista em previdência.

A resposta quer dizer mais ou menos a seguinte: a hipótese de não aprovação da reforma é tão catastrófica que não pode acontecer. Não vou ficar aqui discutindo um evento de probabilidade zero.

O mercado financeiro hoje tem como favas contadas a aprovação da reforma. A discussão se trava no nível da desidratação. As múltiplas trapalhadas do governo (entre as quais a reforma dos militares foi apenas mais uma) e a queda abrupta de sua popularidade são tratadas no melhor estilo “self-denial”.

Reformar o sistema previdenciário, que representa 45% de todos os gastos do governo, requer um fôlego e tirocínio político que é para poucos. FHC não conseguiu aprovar a idade mínima, Lula mexeu apenas na previdência do funcionalismo, Temer não conseguiu levar a reforma à votação. Isso para citar os últimos três políticos de verdade que ocuparam a cadeira presidencial.

Hoje temos Bolsonaro. E a reforma mais ambiciosa da história será aprovada por gravidade. Assim é se assim lhe parece.

Patetice

Talvez a genialidade política de Bolsonaro seja tão genial, que os pobres mortais não a estejamos alcançando.

Ou talvez Bolsonaro seja apenas um pateta.

Saberemos dentro de poucos meses.

Os militares e as abelhas

No desenho animado “Bee Movie”, um grande momento na vida das abelhas acontece quando elas ficam conhecendo a atividade a que se dedicarão pelo resto de suas vidas. O filme é engraçadinho, com o protagonista se rebelando contra seu destino de abelha-operária e metendo-se a ser abelha coletora de pólen.

Os seres humanos não somos abelhas. Não nascemos com uma ocupação predestinada. Temos o livre-arbítrio para escolhermos o que queremos ser, dentro de nossas circunstâncias históricas e pessoais. Não significa que possamos ser qualquer coisa, mas dentro de um campo de escolhas, temos várias possibilidades.

Lembrei-me deste filme a respeito da reforma da previdência dos militares. A classe defende que é “diferente”, que não possui uma série de “privilégios” de outras categorias e que, portanto, teria direito a privilégios em suas aposentadorias.

Ora, não somos abelhas. Ninguém obriga ninguém a ser militar. A pessoa decide ser militar por sua livre e espontânea vontade. Com tudo o que significa a carreira militar, incluindo “não ter FGTS” e “ficar 100% do tempo disponível”.

Não vou aqui entrar no mérito de que o FGTS é um seguro para quem pode ser demitido e ficar 100% do tempo disponível não é uma exclusividade dos militares (médicos, advogados e executivos de empresas que o digam). Meu ponto é outro.

Se os militares argumentassem com uma eventual dificuldade de atrair novos soldados para a carreira militar, aí sim estaríamos tratando de um problema econômico. Neste caso, a carreira militar estaria precisando ficar mais atraente para equilibrar demanda e oferta. Mas não parece ser este o caso. Há, pelo que tudo indica, excesso de contingente. A carreira militar precisaria ser MENOS atraente e não MAIS. O Estado brasileiro poderia gastar menos com seus militares e mais, por exemplo, com equipamentos militares.

Ao tratar a reestruturação da carreira e a sua reforma mais branda de suas aposentadorias como uma questão de “justiça”, os militares entram em um terreno pantanoso. O que é “justiça” neste caso? Quantas outras categorias poderiam (e efetivamente deverão) alegar “injustiças” para requerer a manutenção ou aumento de seus privilégios? Cada categoria tem as suas peculiaridades, e saberão explora-las no trâmite da reforma. A única abelha que não consegue defender seus “privilégios” é a operária. Por sinal, é a abelha que produz o mel para toda a colmeia.

Quem perde?

Verdade 1: sem o teto de gastos, a dívida pública tem trajetória explosiva, e será uma questão de tempo para que fique inadministrável.

Verdade 2: com o teto de gastos, sem uma reforma da Previdência, o espaço para outros gastos que não as pensões, assistência social e gastos com pessoal diminuirá ao ponto de desaparecer por volta de 2022.

Verdade 3: sem uma reforma da Previdência, o teto de gastos cai, pois será insustentável politicamente gastar zero em outras rubricas que não Previdência e pessoal.

O corolário das três verdades acima é que o espaço fiscal criado pela reforma da Previdência será usado para gastos em outras rubricas e geração de superávit primário. Nesta ordem.

O que o projeto de reforma da Previdência dos militares fez ontem foi “carimbar” o ganho fiscal dessa parte da reforma com gastos com os próprios militares. Seria como se cada corporação fizesse a conta de sua contribuição para a reforma e exigisse uma contrapartida do mesmo tamanho. Assim, o espaço fiscal ganho já estaria comprometido com a própria corporação. E não tenha dúvida de que isso acontecerá.

Quem perde? Não precisa pensar muito: quem não tem lobby em Brasília. Depois Bolsonaro vai culpar os institutos de pesquisa pela queda nos seus índices de popularidade.

Perto da calamidade

A venda de 100% de companhias aéreas para estrangeiros foi aprovada na Câmara. E não foi uma aprovação qualquer: o texto foi aprovado por maioria constitucional. Com essa maioria, a reforma da Previdência teria sido aprovada.

Essa aprovação por acachapante maioria traz algumas lições:

1. A Câmara vota quando o governo se empenha.

2. A Câmara vota quando a situação chega perto da calamidade. Esse projeto recebeu seu impulso final depois que a Avianca pediu concordata, mostrando a fragilidade das companhias aéreas locais.

3. A Câmara vota pautas liberais (no caso, liberalismo selvagem) quando o governo se empenha e quando a situação chega perto da calamidade.

Esta é uma lição para a reforma da Previdência. A coisa chegou perto da calamidade. Falta o governo se empenhar.

A mágica da dívida infinita

João Sayad nos presenteia com um inacreditável artigo no Valor de hoje. Sayad propõe o pagamento de todos os direitos adquiridos dos contribuintes e aposentados do sistema previdenciário oficial com a emissão de dívida pública. Ele não entra no mérito do custo dessa política, coisa meio desagradável, mas não vamos deixá-lo na mão.

Em primeiro lugar, qual seria o tamanho desse passivo? Como calculá-lo? Imagine a briga política para definir isso. Mas o principal é o tamanho da coisa.

O ministério da Fazenda calculou o passivo atuarial somente do setor público, que totalizaria algo como R$6,5 trilhões. Esta seria a “dívida” do sistema previdenciário caso se pagassem todas os direitos futuros dos pensionistas. E isso só no setor público!

Digamos, de maneira muito conservadora, que este fosse o tamanho total do cheque que o Tesouro precisasse assinar para liquidar o sistema. A dívida cresceria para mais de 200% do PIB! Hoje gastamos cerca de 5,5% do PIB com juros, ou a bagatela de quase R$ 400 bi/ano. Só para dar uma ideia, tudo o que o governo gasta com educação e saúde não passa de R$200 bi por ano. Se a dívida fosse a 200% do PIB, este gasto subiria para R$ 1 tri/ano, ou quase 15% do PIB! Isso por baixo, porque, com uma dívida dessa magnitude, as taxas de juros certamente subiriam.

Sayad reconhece que a dívida pública se elevaria abruptamente, mas afirma que pararia de subir a partir de então. Para isso ser verdade, seria preciso gerar um superávit primário da ordem de 15% do PIB só para pagar os juros! Já suamos sangue para gerar 3% de superávit primário, imagine 15%!

Mas Sayad tem a solução! Basta estabelecer a taxa de juros abaixo da taxa de crescimento da economia, como propôs André Lara Rezende em artigo recente. Puxa, como não pensamos nisso antes! Inclusive, com taxa de juros zero, a despesa com juros também seria zero! Só falta combinar com os russos que financiam a dívida.

Mas a insanidade não para por aí. Sayad propõe jogar R$ 600 bilhões/ano de helicóptero, distribuindo “renda” entre todos os brasileiros. Como não teríamos mais um sistema contributivo, esse dinheiro só poderia vir ou de aumento de dívida ou de algum tipo de contribuição que substituísse a contribuição previdenciária. Ou seja, para eliminar o sistema contributivo, seria preciso criar uma nova contribuição. Ou aumentar a dívida ainda mais. Mas, com a taxa de juros zero, isso não seria problema.

João Sayad era ministro do planejamento do governo Sarney, e foi um dos mentores intelectuais do Plano Cruzado, o primeiro plano heterodoxo para tentar acabar com a inflação, em 1986. Até hoje acho que ele não entendeu porque o plano não funcionou.