A anaconda da insegurança jurídica

Reportagem de hoje chama a atenção para o número de apelações ao Supremo por conta de decisões da Justiça Trabalhista contrárias à Lei. Jurisprudências firmadas pelo STF não são respeitadas pelas instâncias inferiores, e mesmo o pleno do TST tem colocado óbices para cancelar súmulas que vão contra a lei trabalhista. Os juízes trabalhistas, ao invés de aplicarem a lei, fazem “justiça social”. Por quê?

Essa situação me faz lembrar de um filme bem antigo, Anaconda. Na história, um grupo de pessoas está em uma floresta onde vivem as anacondas, cobras gigantescas, capazes de engolir um ser humano adulto com uma bocada. Os personagens concluem que a única forma de acabar com as anacondas é destruir o seu ninho, onde as cobras gigantescas ainda não estão tão gigantescas. Da mesma forma, a única forma de dar um fim ao “justiceiro social” de toga é ir até o seu ninho, as faculdades de direito. É lá que são criadas as anacondas que espalham o terror da insegurança jurídica brasileira.

Muitos juízes beberam na faculdade a água da “justiça social”, e vão levar consigo para sempre essa missão. Tivemos um exemplo recente na própria Corte Suprema, em que o ministro Edson Fachin brandiu o argumento da “grande injustiça” de se retirar uma pessoa de sua própria moradia, no caso da execução extra-judicial de garantia fiduciária, quando o uso dessa faculdade está explícita na lei. No caso, Fachin foi voto vencido, mas em outros casos a história foi empurrada para frente pelos magistrados ao arrepio da letra da lei. O próprio uso do termo “estado de coisas inconstitucional” se presta como capa para fazer “justiça social”, independentemente daquilo que os legisladores previamente decidiram.

No caso específico da justiça trabalhista, a lei já prevê inúmeras salvaguardas aos trabalhadores. Aliás, todas essas salvaguardas são incompatíveis com o nosso grau de desenvolvimento econômico, o que acaba produzindo um enorme grau de informalidade na economia brasileira. Mas isso é discussão para outra hora. O fato é que o legislador decidiu proteger o trabalhador, mas permitindo um certo grau de flexibilidade na relação com o capital. É essa flexibilidade o alvo dos justiceiros sociais vestidos de toga. O resultado é a insegurança jurídica, que acaba por limitar o crescimento do emprego, o justo oposto pretendido pelos justiceiros.

O juiz deve aplicar a lei, não fazer justiça. Por mais que seja frustrante para o juiz idealista, “justiça” é um conceito absoluto somente no âmbito divino. No mundo dos Homens, a “justiça” sempre será relativa. Arvorar-se em “justiceiro social” só fará do juiz um semeador do caos, que acaba tendo como consequência a insegurança jurídica e, no campo econômico, o empobrecimento de todos.

Sindicalismo da boquinha

Entrevista com o novo ministro do Trabalho, Luíz Marinho. Saiu no jornal de ontem, mas só tive tempo para comentar hoje. A entrevista contém várias pérolas. Tendo sido difícil escolher as melhores, decidi reproduzir tudo.

Em resumo, Marinho propõe aumentar o salário mínimo para aumentar a demanda e a arrecadação do governo, como se o moto perpétuo existisse. Além disso, pretende aumentar a formalização da mão de obra “visitando” a reforma trabalhista, uma reforma que justamente permitiu aumentar a formalização, ao reconhecer formas alternativas de trabalho. Por fim, Marinho até arrisca uma análise “supply side” da economia, ao reconhecer que os empresários precisam antes investir para criar a oferta. O aumento do salário mínimo, então, faria o papel de convencer os empresários de que a demanda estará lá quando estiverem produzindo. Brilhante.

Mas é para a parte final da entrevista que eu gostaria de chamar a vossa atenção: Marinho vai “negociar” com Uber e iFood melhores salários para os motoboys e motoristas, como se ainda fosse sindicalista da Volkswagen em São Bernardo do Campo.

Marinho vive na década de 70, época em que a indústria representava mais de 30% do PIB nacional e os sindicatos cuidavam dos interesses de trabalhadores bem estabelecidos em seus empregos formais nessas empresas. Passaram-se 50 anos, o muro de Berlim caiu, o PIB do setor de serviços explodiu, a tecnologia digital revolucionou as relações de trabalho, e Marinho ainda acha que vai resolver algum problema dos trabalhadores sentando-se à mesa com os “patrões exploradores”.

Aliás, note como a palavra “exploração” aparece repetidamente na entrevista, refletindo exatamente a ideia de seu chefe, que afirmou recentemente que “o empresário fica rico sem trabalhar”. Essa é a mentalidade que nos preside no momento, e Marinho apenas empresta a sua voz a essa mentalidade.

Claro que tudo isso é só espuma. A grande missão do ministro do Trabalho é encontrar um meio de voltar com o imposto sindical. Afinal, os sindicatos precisam ser fortes para negociarem com os patrões exploradores. E também, porque não dizer, para apoiar campanhas eleitorais de políticos comprometidos com a causa dos explorados, quer dizer, dos trabalhadores. Afinal, como certa vez Anthony Garotinho resumiu magistralmente, o PT é o “partido da boquinha”.

Os frutos da reforma trabalhista

O Caged (dados de emprego com carteira assinada) de julho acabou de ser anunciado. Foram 218 mil novas vagas criadas, elevando o total do ano a 1,59 milhões de empregos criados. Neste mesmo período do ano passado, haviam sido criadas 1,85 milhões de vagas. Portanto, até julho, tivemos uma queda de 15% na velocidade de criação de vagas. Considerando, conservadoramente, que teremos um decréscimo de 20% no número de vagas criadas neste ano em relação ao ano passado, 2022 fecharia com 2,3 milhões de vagas criadas, um resultado maior do que os 2,1 milhões de vagas de 2010, quando o PIB cresceu 7,5%. Esse resultado me chamou a atenção e está no gráfico 1 abaixo. Podemos observar que 2021 e 2022 têm os melhores resultados do Caged desde o início da série histórica.

Claro, é preciso tomar cuidado com números absolutos. A população economicamente ativa (PEA) aumenta ao longo dos anos, cada vaga criada hoje representa menos para o emprego geral do que há 10 ou 20 anos. O gráfico 2 corrige esta distorção, ao dividir o número do Caged pela PEA.

Nesta medida, o número de vagas de 2021 continua sendo recorde, mas o de 2022 fica um pouco abaixo do de 2010. Apesar disso, o número continua chamando a atenção, pois o PIB cresceu 7,5% em 2010, enquanto cresceu 4,6% em 2021 e deve crescer algo como 2,5% este ano. Ou seja, em proporção ao PIB, foram criadas muito mais vagas nestes últimos dois anos do que no passado. É o que podemos observar nos gráficos 3 e 4.

No gráfico 3 temos a criação de vagas nas barras azuis e o crescimento do PIB, nos mesmos anos, nas bolinhas brancas. Observe como, mesmo em 2020, quando tivemos um queda do PIB equivalente ao ocorrido no biênio 2015-2016, a criação de empregos foi muito maior do que naqueles dois anos.

No gráfico 4, mostramos a correlação entre os números do Caged e o crescimento do PIB. Os pontos acima da reta de regressão representam criação de empregos acima da tendência dos últimos 20 anos. Observe como 4 pontos se destacam, sendo 3 deles justamente os anos de 2020, 2021 e 2022.

A recessão da pandemia poderia explicar uma parte desse fenômeno. Em 2009, ano da recessão que se seguiu à crise do subprime, o número de empregos criados foi bem maior do que a tendência. Isso se explicaria pela rigidez do mercado de trabalho, então a destruição de empregos não ocorreria na mesma velocidade da queda do PIB. No entanto, por algum motivo isso não valeu para o biênio 2015-16. E, principalmente, não explica os pontos de 2021 e 2022.

Na minha opinião, a explicação mais plausível é o advento da reforma trabalhista, que ajudou na formalização do mercado de trabalho. Lembremos que o Caged representa somente empregos com carteira assinada. Ao facilitar a formalização, a reforma de Temer mudou a correlação entre PIB e criação de vagas. Ou seja, o PIB já não precisa crescer tanto quanto antigamente para que tenhamos um bom volume de criação de vagas formais. Aparentemente, esse fenômeno começa em 2020, talvez porque os empregadores e o judiciário levaram algum tempo depois da aprovação da reforma, em 2017, para se acomodarem às novas regras.

Enfim, estamos agora colhendo os frutos de uma reforma aprovada 5 anos atrás. É assim que a economia funciona, os governos seguintes colhem o que os anteriores plantaram. Só espero que essa conquista dos trabalhadores brasileiros não seja desmontada por um novo governo com ideias erradas sobre o funcionamento da economia.

Tunga, mas não mata

Em 28/04/2018, no início da campanha eleitoral daquele ano, o então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, afirmou, em encontro com lideranças sindicais, que “se o imposto (sindical) tem imperfeições, vamos corrigi-las”.

Na ocasião, declarou-se contra o fim do imposto sindical. A repercussão foi tão negativa, que Alckmin precisou “desfazer o mal-entendido” (como se mal-entendido fosse) e, no programa Roda-Viva, três meses depois, o candidato jurou, de pés juntos, que o malfadado imposto, se dependesse dele, estava enterrado.

De volta a 2022, Alckmin se mostra preocupado com a revogação da reforma trabalhista, proposta pelo seu noivo, Lula. Paulinho da Força, em encontro com o ex-governador, com quem conversa para uma possível filiação ao Solidariedade, afirma que as centrais sindicais não querem a revogação de TODA a reforma. Haveria apenas alguns pontos que mereceriam revisão. Por exemplo…Quando li a legenda da foto (“… centrais não querem desfazer a reforma inteira), apostei comigo mesmo, antes de começar a ler a matéria, que o único ponto da reforma levantado pelo imorredouro Paulinho seria o imposto sindical. Batata.

Nos idos de 2018, assim como agora, Alckmin se mostra uma mistura do passado com o futuro. Ao mesmo tempo que reconhece méritos na reforma trabalhista, não abre mão de uma visão corporativista, que beneficia grupos que mamam nas cada vez mais magras tetas do Estado. Nesse contexto, aquela jaqueta com os símbolos das estatais não foi um simples erro de estratégia de campanha. Foi antes a expressão de uma convicção, aliada a uma visão de política feita de alianças com corporações.

Geraldo Alckmin demonstra agora “desconforto” com o ”revogaço” petista. Afinal, vão jogar o bebê junto com a água do banho. Ele, assim como Paulinho, só querem a volta do imposto sindical. Parafraseando o inolvidável Maluf, “tá com vontade de phoder o trabalhador, tunga, mas não mata”. O único problema é combinar com os petistas. Com a palavra, o “pragmático” Lula.

Significa?

Ontem discutíamos se a indicação de Guido Mantega para escrever um artigo com o “pensamento econômico” de Lula realmente significava aquilo aparentava significar.

Hoje, reportagem do Estadão colhe uma série de depoimentos de próceres do partido, envolvendo vários tópicos caros aos liberais: reforma trabalhista, privatizações, teto de gastos, autonomia do BC. A começar pelo próprio Lula, que já havia dito que acabaria com o teto de gastos, e agora aponta a contra-reforma trabalhista na Espanha como um modelo a ser seguido.

A essa altura do campeonato, se alguém ainda tinha alguma dúvida do que significava a escalação de Guido Mantega como porta-voz econômico de Lula, respondo com Ronnie Von: significa.

A culpa é do empresário malvadão

A produtividade da mão de obra brasileira é notoriamente baixa, problema que nasce em uma infância desvalida e que passa pelos vários níveis de um sistema de ensino muito aquém do necessário. Os vários exames PISA, edição após edição, provam a tese.

Sendo baixa, a produtividade da mão de obra não permite o pagamento de altos salários. Uma empresa vive de produzir e vender algo. Quanto maior a produtividade, maior e mais barata será a produção, permitindo vender mais e obter mais lucro. É este lucro maior que permite pagar mais para o empregado mais produtivo, que permite a produção maior e mais barata. Não existe milagre.

No Brasil, há uma incompatibilidade entre a produtividade da mão de obra e os “direitos sociais” dos trabalhadores, garantidos pela Constituição. Estes direitos colocam um piso mínimo na remuneração do trabalhador, que, muitas vezes, ultrapassa o valor que esse trabalhador agrega ao produto final. Não por outro motivo, as leis trabalhistas só servem para os trabalhadores qualificados, que têm alta produtividade. A grande massa jaz na informalidade, onde a remuneração não é maior que sua produtividade.

Essa longa introdução visa contextualizar a notícia abaixo: uma MP do governo visando dar uma bolsa para jovens não registrados, além de outras flexibilizações na legislação trabalhista, está sendo chamada de “MP da escravidão” pelas centrais sindicais e está enfrentando resistência no Senado.

Que os sindicatos pensam que os salários são baixos porque os empresários são malvados não é novidade. O que me chamou a atenção é o tipo de protesto programado: FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS vão protestar contra a MP da escravidão, além da reforma administrativa.

Fico imaginando o servidor público fazendo a paralisação durante o dia, sabendo que o seu salário vai pingar religiosamente no final do mês. Depois de um dia estafante de conscientização e luta, como ninguém é de ferro, pede uma pizza pelo iFood, que será entregue por um jovem de baixa produtividade. Claro que o culpado é o empresário malvadão.

A ilusão dos direitos trabalhistas

Reportagem interessante de hoje no Estadão mostra brasileiros que estão sendo contratados por empresas no exterior sem precisar se mudar do país.

Essa é uma realidade que já existia antes da pandemia para as empresas de desenvolvimento de software. Por exemplo, o programa que uso para controlar minhas finanças pessoais foi desenvolvido em Utah, EUA, mas tem gente trabalhando em várias partes do mundo. A pandemia fez acelerar esse processo, e cada vez mais empresas vêm acessando a mão de obra onde ela está, principalmente em tecnologia.

Mas o que verdadeiramente me chamou a atenção na reportagem foi o trecho que destaquei abaixo.

O profissional não tem “direito” a 13o salário e nem a um terço de adicional de férias. No entanto, no total, ganha 50% a mais do que ganhava em seu último emprego, com todos esses direitos “assegurados”.

Não conheço outras legislações trabalhistas ao redor do mundo, mas sou capaz de apostar que a CLT deve ser uma das que mais “garantem direitos” ao trabalhador. São tantos os mecanismos de “proteção” que se perde de vista o principal: o real poder de consumo do trabalhador.

No caso em tela, estamos comparando um emprego com “carteira assinada” com outro sujeito a legislação menos protetiva. Aliás, nem sabemos ao certo, pode ser que a legislação na Polônia seja tão protetiva quanto, mas o contrato seja o equivalente à nossa “PJ”, que permite driblar a cunha tributária representada pela carteira assinada. Para o nosso argumento, no entanto, pouca importa: o que vale é o poder de consumo final do trabalhador.

Todos os benefícios trabalhistas criados pelos nossos políticos são apresentados como grandes “conquistas dos trabalhadores”. No entanto, o que vale, no final do dia, é o poder de consumo do trabalhador. As empresas, quando determinam o salário dos seus empregados, fazem a conta de quanto podem pagar. Tanto faz se dividirão em 12 ou 13 parcelas, se as férias terão direito a 1/3 adicional, se tem FGTS. O que importa, para as empresas, é o quanto irão desembolsar no total. Os empregados não receberão um real a mais pelo fato de a legislação determinar o pagamento do 13o, 14o ou 15o salários. A lógica econômica acaba se impondo.

A prova de que a lógica econômica acaba se impondo é o imenso contingente de trabalhadores informais que recebem menos do que um salário mínimo. A lei não tem o poder de criar riqueza. Não é o fato de um determinado valor estar determinado em lei que as empresas terão, como que em um passe de mágica, dinheiro em caixa para pagar o devido legalmente.

Enquanto os “direitos” inventados pelos nossos políticos causavam apenas a informalidade no mercado de trabalho, convivíamos bem com isso. No entanto, o problema agora é outro: em um mundo em que o mercado de trabalho passa a ser globalizado, onde o funcionário pode trabalhar em sua casa para qualquer empresa do mundo, a nossa legislação trabalhista passa a ser um peso para as empresas locais contratarem trabalhadores mais qualificados.

Este é um problema especialmente grave para as empresas do setor de tecnologia. Há um déficit global gigantesco de trabalhadores deste setor, que vem crescendo a taxas exponenciais. Os nossos profissionais de tecnologia estão sendo disputados por empresas do mundo inteiro, sem as antigas barreiras físicas e, principalmente, podendo pagar mais por terem outro tipo de legislação trabalhista em seus países. Não por coincidência, todos os exemplos da reportagem do Estadão são desse setor.

Outro dia, as empresas de tecnologia estavam fazendo lobby para a continuidade da isenção de encargos trabalhistas na folha de pagamento. Diziam que, se essa isenção não fosse estendida, o desemprego do setor aumentaria. Na verdade, o medo é outro: esses empregados poderiam ser capturados por empresas de outros países que não precisam pagar encargos trabalhistas. A competição é desigual.

Mão de obra qualificada é um diamante que necessita de muito tempo, esforço e dinheiro para ser lapidado. É desesperador saber que, uma vez finalmente lapidado, muitas vezes em faculdades pagas com dinheiro público, esse diamante acabe servindo para agregar valor para empresas de fora do país, porque temos uma legislação que “protege” os trabalhadores da única coisa que lhes interessa: vender a sua habilidade pelo melhor preço possível.

A desigualdade como construção

A constitucionalidade do contrato intermitente de trabalho está em julgamento no STF. Para quem não lembra, o contrato intermitente permite registrar empregados sem uma jornada fixa de trabalho. O funcionário pode ser chamado a qualquer tempo, dentro de certas regras. Como todo empregado registrado, terá direito a férias, 13o e FGTS proporcionais.

Pois bem. O relator da ação, ministro Edson Fachin, votou contra, alegando que “o modelo não se coaduna com a dignidade da pessoa humana”. E o ministro específica: essa incerteza sobre se vai trabalhar ou não deixaria o trabalhador “sem as condições de gozar de direitos sociais fundamentais”, mais especificamente, “sem conseguir a renda mínima que LHE DEVERIA SER ASSEGURADA” (grifo meu).

Onde vive esse ministro do STF? Do que se alimenta? Como se reproduz? Tudo isso, no Globo Repórter.

No habitat do ministro, ali na linda Praça dos 3 Poderes, a Constituição garante trabalho para todos com uma remuneração justa assegurada. Que país feliz!

Já aqui no Brasil, a coisa é um pouco diferente. O sujeito que não é contratado de forma intermitente, tem, de fato, uma renda mínima assegurada: zero. E há certeza sobre quando vai trabalhar: nunca. Para surpresa de ninguém, a ação foi proposta por um sindicato. Assim como o ministro, o sindicato está preocupado com os peixinhos do seu aquário. Uma vez tendo o privilégio de ser registrado, o contrato deve dar ao trabalhador todas as garantias possíveis e imagináveis, para que “se coadune com a dignidade da pessoa humana”. Que se danem os peixinhos que não têm a sorte de estarem no aquário, que são a imensa maioria.

No planeta onde o ministro e o sindicato vivem, deveria ser possível colocar todos os peixinhos no aquário. Não lhes ocorre que o aquário é tão cheio de garantias de “dignidade humana”, que acaba se tornando muito pequeno para caber todo mundo, dadas as limitações econômicas. Resultado: uma minoria privilegiada com garantia de acesso a todos os “direitos sociais”, cercada de uma imensa massa largada no oceano da pobreza.

A desigualdade social no Brasil não é um acidente de percurso. É um estado de espirito.

Um bálsamo de bom senso

Há alguns dias, publiquei aqui a entrevista do vice-presidente do TST. Ele denunciava o “desmonte” da legislação trabalhista, e a “cassação” dos direitos dos trabalhadores. Um desastre.

Hoje, para contrapor, público uma entrevista com a presidente do TST. Sem abrir mão de defender que a lei deve, de maneira geral, “preservar direitos”, ela reconhece que a CLT já não serve no mundo atual do trabalho. Os direitos dos trabalhadores devem ser reconhecidos desde o ponto de vista da realidade econômica das relações do trabalho, e não como um ente abstrato, pairando sobre a realidade.

Depois daquela entrevista, esta é um bálsamo de bom senso.

Ideias erradas

Essa entrevista não é de um qualquer. O entrevistado é ninguém menos que o vice-presidente do TST. E que, um dia, será o presidente.

De sua confortável poltrona, onde não há corte de empregos e salários, o Meritíssimo dita as regras de como deveria funcionar a economia. Entregadores, por exemplo, deveriam ter direito a férias e 13o salário. Ele não cita, mas certamente é a favor de todos os outros encargos que jogam milhões de trabalhadores na informalidade. Pouco se lhe dá se o negócio de entrega sobrevive a esses encargos que, se exigidos, voltariam a jogar todas essas pessoas de volta ao desemprego.

O argumento usado pelo magistrado é risível, típico de quem tem do mundo do trabalho e da economia real uma ideia construída a partir dos gabinetes protegidos dos concursos públicos: afinal, se o entregador não determina seu preço, ele é empregado da plataforma, não patrão. Ora, é claro que o entregador determina o preço: a plataforma faz um leilão, e adere ao preço quem quer. Se ele não estiver satisfeito, pode procurar outra coisa para fazer. Isso funciona em vários outros ramos, inclusive em licitações públicas, onde o governo determina um preço máximo pelo produto ou serviço a ser comprado.

O Excelentíssimo não para por aí: ele também ameaça as empresas que estão reduzindo salários e jornadas sem a anuência do sindicato. Já deu sua sentença nessa entrevista, inclusive contra entendimento recente do STF. Ele não se intimida em sua missão de manter o alto nível de desemprego e informalidade do país.

Também o 13o foi objeto das reflexões “econômicas” do magistrado, pois teria o condão de “criar” consumo “out do the thin air”, como diriam os americanos. Vai fazer a criatura entender que o 13o é apenas uma renda diferida, não é uma renda nova, de modo que não tem efeito nenhum sobre a atividade econômica. Quando um empresário contrata, ele faz a conta de quanto vai pagar anualmente e divide por 13, ao invés de por 12. Fosse assim fácil, não haveria pobreza no mundo, bastaria criar o 14o, 15o, 16o, etc, até todos, empresários e empregados, ficarem ricos e felizes.

O 13o é da época de Getúlio Vargas, e todos os outros “direitos trabalhistas” foram criados a partir de então. São décadas de “direitos” criados por políticos populistas, defendidos por magistrados em gabinetes desconectados da realidade e aplaudidos por uma massa ignara a quem faltam noções mínimas de economia. São décadas de “rede de proteção social”, que criaram um desemprego estrutural de 10% e um dos maiores mercados informais de trabalho do mundo. Será que não estaria na hora de tentar outra coisa?

Jurássico é um termo que carrega uma conotação qualitativa que pode ser inconveniente. Afinal, nem tudo o que é antigo é ruim e nem tudo o que é novo é bom. Por isso, vou me abster de chamar o Excelentíssimo de jurássico. Ele está errado. Só isso.