Não gosto disso, mas vou usar argumento de autoridade aqui. Alguns dos economistas que mais respeito assinaram um manifesto em apoio ao projeto de reforma tributária. São eles:
Afonso Celso Pastore
Armínio Fraga
Bráulio Borges
Bruno Carazza
Edmar Bacha
Fábio Giambiagi
Mailson da Nóbrega
Manoel Pires
Márcio Garcia
Marco Bonomo
Marcos Mendes
Otaviano Canuto
Samuel Pessôa
São pessoas que entendem do que estão falando e não têm interesses próprios na defesa da tese. Não vi, até o momento, qualquer manifesto em contrário, a não ser patrocinado por entidades de classe ou políticos defendendo o seu pedaço.
A proposta de reforma tributária em tramitação no Congresso, mesmo que não seja aprovada, já terá cumprido ao menos uma missão: desmascarar aqueles que lucram com o manicômio tributário.
Este anúncio da Frente Nacional dos Prefeitos é paradigmático: assim como a FNP, todos são teoricamente a favor de uma simplificação do sistema tributário brasileiro, desde que não mexam nos seus respectivos queijos. Para tanto, não têm pudor de simplesmente mentir, como é o caso dessa peça de publicidade: os municípios não irão perder recursos e os pobres não serão prejudicados. É equivalente a dizer que os pobres são beneficiados pelo atual sistema, o que chega a ser um escárnio no país com um dos 10 piores índices de Gini do mundo.
Jabuti não sobe em árvore. Se o sistema tributário brasileiro é o que é, não é por obra e graça divina. Antes, é porque atende a diversos interesses, que são obrigados a emergir quando uma proposta de simplificação está para ser votada. Sempre tem alguém ganhando com determinado arranjo institucional. Sempre.
No sábado passado, dia 24/06, comentei aqui um artigo de Mailson da Nóbrega, a respeito da reforma tributária, que criticava a pretensão de autonomia dos estados em detrimento de mais eficiência e produtividade.
Dois dias antes, 22/06, no mesmo Estadão, Felipe Salto havia feito um duro ataque ao Conselho Federativo, órgão a ser criado para a gestão do IVA. Eu havia lido o artigo de Salto, mas naquela momento ainda não havia percebido do que realmente se tratava. Destaco abaixo o trecho central do artigo, atacando a retirada da autonomia dos estados.
Mailson, dois dias depois, ataca o cerne da questão: é justamente a autonomia dos entes subnacionais que cria o pesadelo tributário em que vivemos e diminui a nossa produtividade.
Salto não diz explicitamente porque os estados fazem tanta questão de gerenciar seus próprios impostos. Aliás, nem se dá ao trabalho de definir o que seja “gerenciar”. Mas dá duas pistas em seu texto, ao apontar os problemas que o Conselho Federativo vem resolver: o risco de crédito dos entes subnacionais (um estado não repassar para o outro um crédito tributário) e a guerra fiscal entre estados. Para ambos, Salto sugere “punições severas”. Ora, e desde quando “punições severas” seguraram gestoras públicos? A LRF não impediu que estados virtualmente quebrassem, e depois encontrassem abrigo em um STF muito sensível a questões sociais. Um dos pilares do Plano Real foi justamente o fim dos bancos estaduais, ralos através dos quais os estados exerciam a sua autonomia. Ninguém pensou em substituir a privatização dos bancos estaduais por “punições severas”. A coisa só funciona com base na arquitetura da solução, não na base de leis punitivas, das quais o Brasil está cheio.
Salto sugere, ao invés da reforma tributária, uma reforma infraconstitucional do ICMS, mudando sua incidência da origem para o destino, e deixando assim, intacto, o manicômio tributário. Afinal, para que manter a autonomia, se não for para ter 27 diferentes legislações tributárias, que tanto infernizam a vida do empreendedor, principalmente o industrial? Tanto é assim, que o tal Fundo de Compensações que está sendo negociado entre União e Estados servirá justamente para compensar os efeitos do fim da guerra fiscal. Com a autonomia, os entes subnacionais poderiam continuar alegremente sua marcha batida para o precipício.
É triste ver o governador Tarcísio de Freitas liderando essa resistência dos estados. Em 1997, o “socialista” Mário Covas liderou, com não poucas resistências, o processo de privatização dos bancos estaduais, ele mesmo patrocinando a privatização do Banespa, e, alguns anos depois, a incorporação da Nossa Caixa ao Banco do Brasil. Hoje, o “liberal” Tarcísio de Freitas lidera no sentido oposto, o de manter o status quo que mina a nossa produtividade. A questão, como se vê, nao é ideológica, mas de estatura do governante.
Mailson da Nóbrega escreveu excelente artigo no último sábado, defendendo a reforma tributária e atacando, principalmente, a pretensão dos governadores de manterem a sua autonomia para estabelecerem alíquotas, base tributária e hipóteses de incidência de impostos. O último parágrafo, reproduzido abaixo, resume o argumento: os governadores preferem a sua “soberania” à prosperidade do país.
As duas últimas manifestações de governador e prefeito que comentei aqui colocam em dúvida justamente essa hipótese, a de que a reforma permitirá aumentar o crescimento potencial do pais. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes,,afirmou que “se IVA funcionasse, a Argentina não estava na situação em que está”. Já Ronaldo Caiado, governador de Goiás, “mandou fazer estudos nos países que têm IVA”, mas não compartilhou suas conclusões.
O fato é que há evidências robustas do ganho de produtividade da economia com um sistema tributário neutro, ou seja, que não seja parte do processo decisório do empresário. Há alguns meses, recebemos um consultor tributário para ouvi-lo sobre a reforma. Ele havia trabalhado em uma grande empresa industrial, e nos contou que havia mais gente trabalhando no planejamento tributário do que no recolhimento de impostos propriamente dito. E isso sem contar os funcionários dedicados aos contenciosos tributários. E o problema não é nem o número de homens-hora gastos na atividade de planejamento tributário. O ponto é que decisões de investimento levam em consideração os tributos, e não a produtividade do capital.
Aqui enfrentamos um típico problema de economia política: os benefícios da reforma são etéreos e dispersos, enquanto os benefícios do status quo são concretos e concentrados. Elites muito bem representadas defendem o status quo, sempre protegendo-se atrás do escudo da “defesa dos interesses dos mais pobres”. Resta saber porque, com tantos defensores de seus interesses, ainda temos tantos pobres no país.
Essa entrevista deve ser emoldurada e pendurada na parede de todos aqueles que choram pelo baixo potencial de crescimento do PIB nacional. Está tudo aí, um retrato de corpo inteiro de como pensam as elites tupiniquins. Em resumo: podem fazer o que quiserem, mas não mexam no meu queijo. No caso, no poder que eu, como governador, tenho de dar subsídio para quem eu bem entender. Eu, governador, sou o responsável por tirar o meu estado da pobreza, e ninguém vai tirar isso de mim. Outro dia, comentei entrevista com o prefeito de São Paulo, com exatamente o mesmo teor.
Amigos, é isso. Para reindustrializar o país, subsídios. Para tirar o estado da pobreza, subsídios. Todos mamando nas cada vez mais magras tetas do Estado, até tirarem a última gota de leite, e se perguntarem porque acabou.
Entrevista do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, a respeito da reforma tributária. Como todos os que vão perder com a reforma, Nunes é a favor da reforma, mas não DESTA reforma.
Aliás, fica difícil entender porque Nunes é a favor da reforma, dado que seu suposto efeito positivo (o crescimento econômico) é rechaçado pelo prefeito como uma “conversa fiada”. Para ilustrar seu ponto, Nunes cita a Argentina como contra-exemplo, confundindo falaciosamente condição necessária com suficiente e insultando a inteligência de seu interlocutor. A sorte dele é que, do outro lado da disputa pela prefeitura no ano que vem, estará Guilherme Boulos. Caso contrário, meu voto iria para o seu adversário.
Nunes afirma que São Paulo perderá R$ 15 bilhões com a reforma, o que é mentira, dado que a arrecadação do IVA será distribuída aos entes subnacionais de acordo com as arrecadações atuais. O que os prefeitos perderão (e Nunes não tem pejo de admitir), é um instrumento de benefício fiscal (“ações que tornam seus municípios atrativos para investimento”, nas palavras do prefeito). Pois são justamente essas “ações”, em todas as esferas de poder, que tornam nosso sistema tributário um nightmare de complexidade e litígios legais. São Paulo não vai perder R$ 15 bilhões. Será Nunes e os prefeitos que perderão discricionariedade sobre o ISS para, por exemplo, financiar o estádio do Corinthians, como foi o caso.
Essa situação me faz lembrar dos bancos estaduais, instrumentos usados para “ações que tornavam os estados atrativos para investimentos”. Foi necessário chegarmos à hiperinflação para que esse instrumento fosse retirado das mãos dos governadores. Mas, para tanto, foram precisos a convicção e o foco do então presidente da República, pois não se tratou de tarefa trivial.
A reforma tributária é difícil porque mexe com os pequenos poderes espalhados pela República. Todos são a favor da reforma, desde que não mexam em seu queijo. Aqui, como no Plano Real, é preciso um presidente da República com convicção e foco. Acho que Arthur Lira possui essas qualidades, estou otimista.
A frase me interrompeu em meio a um raciocínio qualquer. Meu colega de trabalho insistiu: “Você já recebeu seu IPTU?”
Desperto da minha concentração, mas ainda sem conseguir concatenar qualquer resposta, balbuciei que não, só pra me livrar daquele papo e voltar ao que estava fazendo. Mas aí me lembrei que esse colega fez o L com entusiasmo, e não perde oportunidade de fazer proselitismo a respeito das desigualdades do País, e como é necessário ter um governo que “olhe para os pobres”. Então, emendei: “Mas acho justo. Quem mora em bairro nobre da cidade deve pagar IPTU mais alto, para que a prefeitura possa patrocinar políticas que beneficiem os mais pobres”.
Após alguns longos segundos de silêncio, meu colega só conseguiu gemer baixinho “é verdade, mas está muito alto…”
Todo mundo quer resolver os problemas do país. Em tese. Na prática, quando se trata de contribuir de verdade, todo mundo se vê como titular de direitos divinos à sua própria renda. E aí, quem pode mais chora menos. O resultado é essa colcha de retalhos tributária em que vivemos, repleta de bunkers onde diversos grupos de interesses se entrincheiram para defender o seu naco no orçamento público. A notícia de hoje é só mais um exemplo.
Aliás, trata-se de uma contradição em termos: se o setor agropecuário não fosse subtributado em relação a outros setores, a bancada ruralista não estaria se mexendo para barrar a alíquota única.
Em tese, a esquerda deveria fazer esse papel de “defensora dos pobres”. No entanto, seu verdadeiro interesse está em defender funcionários públicos e trabalhadores com carteira assinada. As migalhas do Bolsa Família servem para acalmar a consciência, enquanto também defendem interesses corporativos no orçamento público.
É sintomático que tenhamos uma “bancada ruralista” e não uma “bancada dos favelados”. Mostra bem as distorções do sistema de representação política no Brasil.
O governo mandou para o Congresso um projeto de lei para reformular o imposto de renda. Afirma que o projeto é neutro com relação à carga tributária, ou seja, não há aumento ou diminuição de imposto, somente uma redistribuição.
Analisei o projeto. Podemos dividir as iniciativas em duas categorias: aquelas que aumentam o imposto e aquelas que diminuem o imposto. Vamos listá-las:
Iniciativas que aumentam imposto:
Tributação de 20% sobre dividendos de empresas e fundos imobiliários
Limitação do uso do formulário simplificado para declaração do IR
Pagamento de bonificação em ações não poderão ser deduzidos pelas empresas- Vedação de dedução de juros sobre capital próprio para cálculo do imposto
Novas regras de tributação de ganho de capital em venda de empresas
Tributação sobre a rentabilidade de fundos exclusivos
Iniciativas que diminuem imposto:
Redução da alíquota das empresas de 34% para 29%
Aumento da faixa de isenção do IR para pessoa física
Unificação das alíquotas sobre investimentos, em 15%
Atualização de valor dos imóveis (alíquota cai de 15% para 5%)
Come-cotas anual ao invés de semestral
Compensação de resultados negativos entre investimentos de naturezas diferentes
Realmente, é difícil afirmar que este conjunto de iniciativas vai aumentar ou diminuir a carga tributária. O governo não forneceu o memorial de cálculo dessa estimativa.
Uma estimativa relativamente fácil de fazer é o efeito sobre a arrecadação da pessoa jurídica, considerando somente a mudança de alíquota e sobre o pagamento de dividendos. Hoje, temos o seguinte (o exemplo a seguir assume distribuição de 100% do lucro como dividendos):
Lucro: 1.000
IR (25%): (250)
Lucro líquido: 750
Depois da reforma, teríamos o seguinte:
Lucro: 1.000
IR (20%): (200)
Lucro líquido: 800
IR sobre dividendos (20%): (160)
Dividendos depois do IR: 640
Então, antes da reforma, o acionista receberia 750 e, depois da reforma, 640. Uma redução de 14% sobre a receita do acionista.
Já o governo arrecadava antes 250, e passou a arrecadar 200+160=360, um aumento de 44%. A arrecadação do IR da pessoa jurídica totalizou R$ 157 bi nos últimos 12 meses, até abril. Portanto, temos um aumento potencial da arrecadação, pelo conjunto dessas duas medidas, de aproximadamente 70 bi (44%x157), ou quase 1% do PIB. O conjunto das outras medidas deveria significar uma redução de arrecadação nessa mesma magnitude, para que o projeto fosse neutro para a carga tributária.
Uma coisa é certa: o governo não mandaria um projeto que significasse diminuição da carga tributária. Deve ter alguma gordura, para que possa haver negociação. Minha aposta é que a carga tributária vai aumentar. Não tem outro jeito de colocar a dívida pública em trajetória declinante sem aumentar impostos, dado que não queremos cortar despesas. A não ser que contemos com inflação mais alta, como ocorreu neste ano.
Qualquer sistema tributário justo deveria prever a mesma alíquota incidindo sobre cada real de valor agregado por uma atividade econômica, qualquer que seja a sua natureza. Se diferenciação houvesse, deveria existir para favorecer os consumidores de renda mais baixa. Este deveria ser o princípio de qualquer sistema tributário progressivo.
O setor de servidos está estrilando com os projetos de reforma de tributária que estão em estudos. A alíquota única significará aumento da carga tributária para as empresas desse setor e diminuição para as empresas do setor industrial. A conclusão é óbvia: se uma alíquota única prejudica o setor de serviços, isso só pode significar que o sistema atual privilegia esse setor.
Faz sentido continuar privilegiando o setor de serviços? Vejamos.
A Cebrasse, cujo presidente foi ouvido na reportagem, é uma central de sindicatos. Visitando seu site, podemos ter uma ideia da natureza das empresas representadas: escolas particulares, lava-rápidos, associações de dentistas e médicos, segurança privada, terceirização de mão de obra para condomínios, serviços para o transporte aéreo, empresas de turismo, pet shops, etc. Veja se nessa lista existe algum serviço consumido por favelados ou sertanejos do interior do Nordeste. Vale subsidiar esse setor?
Isso sem contar que uma parte relevante das empresas do setor estão no regime do Simples, o que já representa um senhor subsídio e que, infelizmente, não será tocado pela reforma. O choro é pelas grandes empresas do setor.
Em outro ponto da reportagem, o presidente da Confederação de Serviços defende a CPMF para desonerar a folha de pagamentos. Sempre uma solução para passar para o pobre a conta do serviço consumidos pelos mais ricos.
O presidente da Cebrasse diz que “a conta está estourando no colo” do setor. Sim, verdade. Chegou a hora de desonerar os produtos da cadeia de produção industrial e onerar os serviços consumidos preponderantemente pelos mais ricos. Chega de a conta estourar no colo dos mais pobres.
Um anúncio de página inteira hoje no Estadão chamou-me a atenção. Patrocinado por várias entidades empresariais, pede foco nas reformas constitucionais de que o país necessita. E chama o teto de gastos de “sagrado”, além de defender a independência do Banco Central.
Chamou-me a atenção porque, quando as entidades empresariais se manifestam, geralmente é para pedir algum benefício para si. Neste caso, no entanto, defendem uma agenda de aumento de produtividade nacional, sem olhar a setor A, B ou C.
No mesmo jornal, a manchete nos diz que Guedes quer aproveitar o novo presidente da Câmara para pautar a volta da CPMF.
Guedes não está preocupado com a reforma administrativa, a reforma tributária, a independência do BC. Seu interesse é a CPMF. As entidades empresariais devem estar enganadas. Essa agenda de produtividade é bobagem. Bom mesmo para o país é a CPMF.