Explicitando a derrama

Estudo do IPEA concluiu que a alíquota de um teórico imposto sobre consumo seria de 27% para compensar todos os outros impostos que deixariam de existir. Seria uma das mais altas do mundo, só perdendo para os suspeitos de sempre, tipo Suécia.

Essa alíquota explicita o tamanho do peso do Estado na economia brasileira. Isso sem contar o imposto de renda, que não seria extinto. O pesquisador ainda diz que seria possível diminuir um pouco o IVA se o IR fosse aumentado. Gênio.

Bem, essa notícia é de ontem. Destaco notícia de hoje, em que um grupo de trabalho da Embratur chegou à brilhante conclusão de que as passagens aéreas são caras no Brasil por causa dos impostos.

Bem, qualquer grupo de trabalho de qualquer setor brasileiro chegaria à mesma conclusão. Claro que, por trás do trabalho da Embratur, estará um pedido do setor de diminuição de impostos. Como a carga tributária total não pode diminuir, o conjunto dos outros setores seriam onerados. Mas, como é de praxe, o governo populista cacarejaria apenas os “incentivos ao turismo”. O fato incontornável é que os impostos sobre o consumo representam mais de um quarto de tudo o que se consome, entre bens e serviços.

A Inconfidência Mineira foi detonada pela cobrança do “quinto”, um imposto de 20% sobre a extração do ouro. Já estamos pagando 27% sem saber. Entende-se o grande receio da Corte em escancarar esse número.

Desoneração seletiva

O efeito final dessa medida será a redução da renda média do trabalhador. Empregos de 1,6 a 2.0 salários mínimos sumirão da prateleira. E não, não haverá fomento ao emprego, apenas à formalização do emprego já existente.

A grande verdade é que os encargos sobre a folha derivam das distorções do Estado de Bem-Estar Social. A reforma da Previdência foi apenas um primeiro tímido passo, em um país que gasta em previdência o mesmo que o Japão, que tem o dobro da população de idosos. Enquanto continuarmos tentando emular a Suécia, qualquer solução será sempre uma gambiarra que introduz mais e mais distorções na economia.

E antes que me lembrem que o Brasil padece de falta e não de excesso de bem-estar social, pergunto: a quem o Estado de Bem-Estar Social brasileiro atende?

A ideia única

Durante a campanha eleitoral, o tema CPMF veio à baila por meio de uma imprudente declaração de Guedes. Bolsonaro veio correndo apagar o incêndio e ficou o dito pelo não dito. Foi apenas um “mal-entendido”, disseram todos.

Eleição ganha, montagem de governo, Guedes chama para a secretaria da Receita o inefável Marcos Cintra. Cintra passou sua vida inteira (não é força de expressão) como professor e parlamentar defendendo uma ideia única: o imposto único. O objetivo era óbvio, só não via quem não queria ver.

Passada a reforma da Previdência, começam as discussões da Tributária. Do governo se esperava um projeto inteiro e coerente, como foi o da reforma da previdência. O que tivemos, no entanto, foram balões de ensaio sobre a “nova CPMF”, fantasiada com vários eufemismos diferentes. O imposto único se tornou a ideia única do governo.

Bolsonaro, que de bobo não tem nada, não esperou a saída do hospital para apagar mais esse incêndio. Acabou a história? Não. Em entrevista à Jovem Pan ontem, temos um Guedes lamuriento, que ainda se mostra inconformado com o enterro de sua ideia única. Parece que era aquilo ou nada.

Paulo Guedes é idolatrado pelo mercado. Não é à toa. Trata-se de um economista liberal-raiz, cujas palavras são normalmente música aos ouvidos do mercado. Mas no caso da CPMF, não li uma mísera análise de economista sério defendendo essa estrovenga. Trata-se daquelas idiossincrasias inexplicáveis.

Agora, é melhor o governo correr se quiser algum protagonismo na reforma Tributária. No caso da reforma da Previdência, o governo teve pelo menos o mérito de enviar uma proposta coerente e ousada ao Congresso, apesar de depois ter abandonado a tramitação à própria sorte. No caso da Tributária, corre o risco de nem proposta ter. Será uma pura construção do Congresso. Certamente, uma novidade na democracia brasileira.

O tamanho da carga tributária

As discussões em torno da “nova” CPMF desnudam o problema de fundo do País: a carga tributária é muito alta. Exageradamente alta. Pagamos cerca de 35% do PIB em impostos, contra 20% no Chile, 16% no México, 27% na Coreia e 25% na Turquia, países mais ou menos comparáveis.

O efeito disso é que fica cada vez mais difícil “esconder” impostos. A criatividade para “aumentar a base de arrecadação” (eufemismo para esconder impostos) não tem limites, como se viu no caso da CPMF. A oneração da folha de pagamentos é um exemplo: o imposto fica lá, longe dos olhos do grande público. Até que fica claro seus efeitos deletérios sobre a atividade econômica. Mas, e aí é que está o problema, se o imposto for compensado pelo aumento da alíquota sobre a venda dos produtos, ficará claro para todos quanto custa manter aquela arrecadação: seria maior que a maior alíquota da OCDE! A CPMF era uma forma esperta de esconder essa realidade.

A verdade é que tanto faz onde está o imposto. Se continuar onerando a folha de pagamento, este imposto continuará a ser embutido no preço dos produtos, diminuindo o poder de compra dos trabalhadores, do mesmo jeito que se o imposto fosse cobrado diretamente sobre a venda. O problema é a carga tributária em si, não a forma de cobrança do imposto.

Para resolver este problema, somente um grande programa de redução de despesas resolve. Estamos gastando tempo e energia filtrando o mosquito, enquanto o camelo da carga tributária continua lá, tranquilo, sem ser incomodado.

– Ah, mas um país com as carências do Brasil precisa ter programas sociais que mitiguem o problema da pobreza.

Precisamos acabar de nos convencer de que, em um país pobre como o Brasil, os impostos saem do bolso dos pobres. Todos esses “impostos escondidos”, no final do dia, oneram os produtos e serviços comprados pelos mais pobres. O Estado brasileiro tira escondido de um bolso e devolve para o outro bolso com estardalhaço. No meio, aumentamos os lucros das empresas da Zona Franca de Manaus, pagamos o miserê dos procuradores de MG e sustentamos as falcatruas do Petrolão. Se ainda o dinheiro tirado do bolso do pobre voltasse para o bolso do pobre, seria menos mal. Mas nem isso.

Começamos a arranhar o problema com a aprovação da Reforma da Previdência, mas ainda há muito, muito o que fazer. O governo precisa liderar esse debate, ao invés de perder tempo e energia com malabarismos para trocar o bolso de onde os impostos são extraídos.

Nova CPFM

Não vou nem comentar o estelionato eleitoral que essa proposta representa. Nem vou gastar meu tempo expondo as diversas distorções que esse tipo de imposto causa na economia. Vamos nos ater aqui à exposição de motivos para a instituição da CPMF: substituir a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos das empresas.

O pressuposto é de que, diminuindo a cunha fiscal entre o que o trabalhador recebe e o que as empresas pagam, as contratações formais aumentariam, aliviando o desemprego.

Coloque-se no lugar de um empresário. De repente, do dia para a noite, você tem em mãos o dinheiro equivalente a 20% de sua folha de pagamentos (é um pouco menos, porque a contribuição previdenciária tem um teto salarial, mas vamos assumir algum montante expressivo de dinheiro). O que você faria?

Há inúmeras alternativas: aumentar seus próprios lucros, investir em automação, pagar dívidas ou eventualmente, investir na expansão dos negócios contratando mais pessoal.

Agora vamos ver qual é o atual estado da economia brasileira. Temos uma ociosidade gigantesca ainda. Aumentos de demanda podem ser atendidos com o atual parque produtivo sem investimentos adicionais. Portanto, investir o dinheiro do alívio fiscal em aumento da produção não parece ser a alternativa mais provável. Aumentar os próprios lucros ou pagar dividias serão, provavelmente, os destinos deste dinheiro.

É interessante também perguntarmos porque uma CPMF e não, por exemplo, um aumento da alíquota do IR, ou do IPI ou de qualquer outro imposto federal já existente. Seria muito mais simples e teria muito menos resistência política.

Engano seu. O aumento de alíquotas específicas encontra a resistência feroz dos lobbies dos prejudicados. A CPMF, por atingir a todos indistintamente, e muito mais a quem não tem como se defender, encontra menos resistência. Este ponto é importante.

A CPMF, ao substituir a contribuição patronal para a previdência, é uma forma de subsidiar a aposentadoria de quem tem carteira assinada com o dinheiro dos desdentados do país. Sim, porque ao aumentar a base de arrecadação para toda a população, todos estarão pagando pela aposentadoria dos trabalhadores do topo da pirâmide. Será mais um subsídio cruzado entre tantos que distorcem a economia do país da meia-entrada. Deveríamos estar trabalhando para eliminar os subsídios cruzados, não para aumentá-los.

Por fim, ao ouvir que “0,22% é uma alíquota baixinha que não vai causar distorções”, lembrei de um amigo meu desbocado, que dizia haver três grandes mentiras no mundo: 1) “Só o amor constrói”, 2) “Dinheiro não traz felicidade” e 3) “Só vou colocar a cabecinha, querida”. Eu acrescentaria uma quarta: “esse novo imposto vai ter uma alíquota baixinha”.

Uma regra para todos

Há alguns dias, espinafrei aqui um artigo do ex-secretário da Receita, Everardo Maciel, que criticava a proposta de reforma tributária hoje em tramitação na Câmara, mal disfarçando seu lobby a favor do setor de serviços.

Hoje, Bernard Appy, o pai da matéria, espinafra o mesmo artigo com muito mais propriedade. Vale a leitura.

Incentivo para quem?

O ex-secretário da Receita Federal de FHC, Everardo Maciel, volta à carga contra a reforma tributária ora em análise no Congresso. A sua preocupação é com o aumento da carga tributária sobre os serviços e a impossibilidade da concessão de incentivos fiscais por parte dos entes da Federação.

Sobre este último ponto, Maciel conta a história de uma pequena cidade de Pernambuco, Estado que concedeu incentivo fiscal para a construção de uma usina de energia solar. Vai criar muitos empregos, movimentar a economia da região e, de quebra, fomentar energia limpa. Quer melhor uso para o dinheiro público?

Bem, o único personagem que, tenho certeza, vai ganhar, é a empresa de energia solar. Esta sim, fez contas sobre a viabilidade financeira do empreendimento, e vai embolsar o lucro proporcionado pelo incentivo fiscal. Ah, tem outro personagem que vai ganhar: o governador do Estado, que vai, sorridente e ao som de banda de música e fogos, inaugurar a usina, e ganhar os votos daquela cidade.

Já a população, precisaríamos ter mais dados para concluir alguma coisa. Qual o volume do incentivo? Quais são os outros possíveis investimentos que poderiam gerar empregos na região? Não seria melhor usar o dinheiro para investir em saneamento básico ou melhoria das escolas? Enfim, como todo incentivo fiscal dado no Brasil, faltam estudos que comprovem a sua eficácia. Quanto à externalidade positiva (energia limpa), deveria ser tratado no âmbito federal, dentro de um programa mais amplo de incentivo à energia limpa, e não ser objeto de incentivo fiscal de entes federativos.

Defender incentivo fiscal a essa altura do campeonato, com os Estados literalmente quebrados, só pode ser piada.

Decepção

Quando vi o artigo “Onerar mais não é o caminho”, de crítica à PEC da reforma tributária ora em tramitação no Congresso, pensei: enfim, poderei ler uma crítica consistente ao atual projeto de reforma. Escrita por expoentes como Ives Gandra Martins e Everardo Maciel, seria a primeira crítica de peso ao projeto, oferecendo alternativa ainda melhor.

Que decepção.

O artigo crítica a atual proposta com base em dois pilares: atentaria contra o Pacto Federativo e aumentaria impostos.

Segundo o artigo, a PEC atentaria contra a Federação porque a arrecadação seria centralizada na União, fazendo com que Estados e Municípios deixassem de ter discricionariedade sobre as alíquotas. Bem, é justamente isso que a proposta almeja: acabar com o pesadelo de inúmeras formas diferentes de cobrar impostos. Além disso, se se quer uma Federação de verdade, cada Estado tendo sua própria autonomia para cobrar impostos, então que aprovemos uma PEC que proíba a União de socorrer financeiramente os Estados. Porque é muito bonito falar de Pacto Federativo, desde que, na hora do aperto, os governadores não corram para Brasília com o chapéu na mão.

Quanto ao suposto aumento de impostos (os articulistas espertamente não falam em aumento de carga tributária), fica claro que a preocupação é com a PRÓPRIA carga tributaria. Escritórios de advocacia seriam onerados com a proposta, pois deixariam de pagar apenas o imposto municipal, via de regra mais baixo, para pagar o imposto federal. Ou seja, os doutros especialistas não escondem que estão preocupados com a oneração dos próprios serviços. Muito justo, desde que admitam que o artigo faz parte de um lobby.

O artigo termina com o clássico “sou a favor da reforma, mas não essa que está aí”. No melhor estilo da esquerda, se dizem a favor de alguma reforma tributária, mas se eximem de dizer qual seria. Talvez esta tenha sido a minha maior decepção: li o artigo até o fim procurando a proposta de técnicos tão respeitados, mas só encontrei “isso aí não”. No fundo, defendem o confortável (para eles) status quo.

O maior imposto do mundo

Na briga pela “melhor” versão da Reforma Tributária, a equipe econômica calcula que o IVA criado pela reforma da Câmara teria que ter alíquota de, no mínimo, 30%, pois substituiria impostos nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal. Seria “o maior imposto do mundo”, segundo o governo.

Então, pelo que entendi, o governo prefere continuar escondendo alíquotas em vários impostos, de modo a “não dar muito na cara”. Afinal, uma alíquota de 30% explicitaria a vergonhosa carga tributária que incide sobre tudo o que o brasileiro consome.

Os 30% de alíquota do “maior imposto do mundo” é a melhor coisa que pode acontecer. Deixará claro quanto custa o Estado de Bem-Estar Social brasileiro.

A “nova” CPMF

Quando o tema “CPMF” apareceu na campanha de Bolsonaro, foi logo desmentido por Paulo Guedes, tal foi o barulho criado. Na época, antes do primeiro turno, Guedes argumentou que não se tratava de uma nova CPMF porque não seria um imposto adicional, mas um que substituiria todos os outros impostos. Ou seja, seria uma CPMF agigantada, com alíquota muito maior. Já entre o primeiro e o segundo turnos, Guedes afirmou que houvera uma grande mal entendido, que ele defendia a convergência de todos os impostos em um imposto único, não necessariamente sobre movimentações financeiras.

Eu mesmo critiquei aqui na época. Trata-se de um imposto que cria distorções nos mercados financeiro, de crédito e tem efeito cumulativo em toda a cadeia de produção. Não à toa, a União Europeia vem estudando a adoção de um imposto desse tipo há 10 anos, sem ter chegado a um desenho satisfatório.

Agora, o assunto volta, como a nos assombrar. Em boa hora a Câmara dos deputados acolheu o projeto de Bernardo Appy, alinhado com as melhores práticas internacionais. Não vamos reinventar a roda.