A ilusão da agenda auto-evidente

Nilson Teixeira é um economista respeitado pela Faria Lima. Ficou famoso quando, em 2012, à época no Credit Suisse, arrumou uma treta com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao prever crescimento de apenas 1,5% para aquele ano. Era um número muito menor que a média do mercado, e o economista foi espinafrado por Mantega. No final, o PIB cresceu 1,8% naquele ano, mostrando o acerto do economista.

Hoje, Nilson Teixeira publica um artigo com a seguinte tese: o presidencialismo de coalização está morto, na medida em que as emendas parlamentares se tornaram impositivas. Dessa forma, precisamos de um presidencialismo de conciliação, em que o convencimento político torna-se central para a execução dos planos do governo. E, continua a tese, Lula seria o candidato melhor preparado para esse novo arranjo, pois conseguiu congregar vozes diferentes em seu governo anterior e sinalizou abertura a outros pontos de vista com o namoro com Alckmin.

Tendo a concordar com Nilson: Lula, de fato, é o candidato mais preparado para fazer uma grande “conciliação nacional”, com STF, com tudo. Seus métodos já são conhecidos. Mas não é este o ponto a que eu gostaria de chamar a atenção.

Nilson Teixeira, e ele não está sozinho na Faria Lima nessa percepção, entende que existe uma agenda que se autoimpõe, os “ajustes necessários” e as “transformações no país”, em suas palavras, contariam com uma espécie de unanimidade nacional. Bastaria um “conciliador” que conseguisse coordenar os esforços políticos na direção já definida por essa unanimidade auto-evidente.

Obviamente, não é o caso. Lula e o PT têm uma agenda própria, que não se cansam de divulgar para quem tem ouvidos de ouvir. Como qualquer agenda, deverá ter resistências no Congresso, e Lula precisará usar todas as suas habilidades de “conciliação” para fazer avançá-la. Mas o importante é entender que essa agenda não contempla os “ajustes necessários” que estão na cabeça de Nilson Teixeira e dos farialimers. Pode até ser aprovada uma coisa ou outra dessa agenda para “acalmar os mercados”, mas a direção é claramente outra.

Enfim, parece-me que Nilson Teixeira sofre da ilusão de que os mercados acabam por levar os governos para a direção certa. Se assim fosse, não haveria políticas econômicas equivocadas. A Argentina é exemplo de país em que os mercados esgoelaram até ficarem roucos, e não impediram políticas insanas. A única forma de termos políticas econômicas racionais é eleger políticos convencidos das virtudes dessas políticas. O resto é exercício de self denial.

Empenho nas reformas

Tenho ouvido muita gente que duvida da capacidade ou da convicção de Lula tocar para frente as reformas de que o país tanto necessita.

Acho injusto. Basta ver o empenho que ele colocou nas reformas do triplex e do sítio. Não economizou esforços! Acredite, o país estará em boas mãos.

Onde está Dilma?

Uma análise dos economistas da Casa das Garças, de tendência social-democrata, conclui que o Brasil vai avançando lentamente na direção correta. Todos os governos pós democratização, de alguma forma, contribuíram para esses avanços.

Todos os governos?

A reportagem não chama a atenção para uma ausência ilustre nessa linha do tempo: o governo de Dilma Rousseff. Com a sua “Nova Matriz Econômica”, o governo Dilma, na verdade, contribuiu para dar marcha à ré nessa caminhada. Não à toa, vivemos a pior recessão da história brasileira durante o seu governo.

Lula omite a sua cria de todas as formas. Caberá aos seus adversários na campanha fazer a ligação entre os dois, mostrando que os “heydays” do governo Lula terminaram no desastre do governo Dilma.

Tem um bode na sala do Lula. Vamos ver se e quando começará a feder.

O nosso verdadeiro destino histórico

Rodrigo Pacheco tinha 13 anos quando Zélia Cardoso de Mello anunciou o confisco da poupança dos brasileiros, há exatos 31 anos. Como todo garoto de sua idade, não deve ter dado muita bola para o que estava acontecendo.

Era o quarto plano heterodoxo nos últimos 4 anos (e o mais traumático de todos) para tentar frear o processo hiperinflacionário. Rodrigo Pacheco, como todos os de sua geração, atingiram a idade adulta com inflação civilizada. Não têm memória de como se vivia em um país em que a moeda era uma ficção.

Foi uma construção de uma geração, com muitas idas e vindas. A lição que tiramos desse processo é que não há atalhos: é preciso cuidar da credibilidade da moeda se quisermos ter uma. No final do dia, é o emissor da moeda, o governo, que precisa respeita-la, ao não abusar de seu poder de rodar a maquininha. Para isso, precisa cuidar que suas despesas tenham as receitas apropriadas.

Tudo isso é tão mais importante quanto menor for a credibilidade do país. Países que têm um longo histórico de seriedade podem contar com a paciência maior de seus financiadores. Já países com um longo histórico de manobras pouco ortodoxas, jeitinhos, contratos desrespeitados, contam com menos paciência por parte dos seus credores.

A Rodrigo Pacheco, como presidente do Congresso, cabe uma parcela relevante da responsabilidade pela manutenção da credibilidade do país.

O que Rodrigo Pacheco poderia fazer? Há uma lista de coisas que poderiam melhorar a credibilidade do país, valorizando a moeda local e diminuindo a pressão sobre os preços:

– Uma reforma administrativa digna do nome, que colocasse a dívida em trajetória de queda

– Uma reforma tributária digna do nome, que facilitasse a vida de quem produz e, assim, aumentasse o produto potencial

– Privatizações que destravassem investimentos

Mas Rodrigo Pacheco acha que controlar “oportunistas altas de preços” é o melhor a se fazer para preservar o poder de compra da moeda. Voltamos três décadas no tempo. Com líderes da qualidade de um Rodrigo Pacheco, vamos céleres em direção ao nosso verdadeiro destino histórico.

Aposta

Rodrigo Maia talvez tenha sido o presidente da Câmara mais liberal que passou pela casa.

Baleia Rossi é nada menos que o autor da PEC 45, a mais estruturada proposta de reforma tributária em análise na Casa.

Mas Paulo Guedes acha que é o Centrão que vai fazer deslanchar a sua “agenda liberal”.

A única agenda de Guedes, hoje, é a volta da CPMF. Aquela “grande agenda liberal”, com a qual Bolsonaro hipnotizou o mercado financeiro e os empresários, ficou no discurso.

Escrevam aí: não sai nenhuma grande privatização e nenhuma grande reforma até o fim deste governo. Podem printar este post e me cobrar daqui a dois anos.

Terei prazer em reconhecer o erro e pedir desculpas.

Ideias politicamente viáveis

Estou cansado de ouvir que tal e qual proposta é inviável politicamente. Cortar salário de servidor não pode, é inviável. Cortar benefícios fiscais não pode, é inviável. Cortar aposentadorias não pode, é inviável. Nada é viável, tudo é muito difícil politicamente.

Exigem dos economistas soluções que sejam viáveis politicamente. Ora, para que então precisamos de políticos? Os políticos servem justamente para viabilizar politicamente as ideias certas. Se todas as ideias fossem “viáveis politicamente”, não precisaríamos de políticos, certo? Poderíamos ser dirigidos por tecnocratas com ideias politicamente viáveis, do agrado de todos.

Faz falta políticos com P maiúsculo. Faz falta um Churchill, que nos prometa sangue, suor e lágrimas, além da vitória. Faz falta uma Thatcher, que enfrenta mais de um ano de greve nas minas de carvão e dos servidores públicos. Faltam políticos com coragem para fazer a coisa certa. Sobram políticos covardes, que só reclamam da “inviabilidade política”. Mimimi.

Já privatizamos muitas empresas, mudamos a previdência dos funcionários públicos e dos trabalhadores da iniciativa privada, mudamos a CLT. Todos temas espinhosos que, quando tratados com habilidade política, foram resolvidos. Por que não continuar na direção certa? Por que não continuar na direção do aumento da produtividade e de um Estado que sirva o povo brasileiro e não suas corporações?

Não exija dos economistas soluções politicamente viáveis. Exija dos políticos que viabilizem politicamente as ideias econômicas corretas. Isso é o que vai evitar que o barco afunde. O resto é band-aid.

A não-urgência das reformas

Quando uma empresa tem problemas para pagar as suas contas, faz ajustes nas suas operações, o que inclui, infelizmente, a demissão de funcionários.

Não, um país não é uma empresa. Um país pode emitir sua própria moeda de curso forçado, ou pode se endividar indefinidamente (o que vem a ser a mesma coisa) e, assim, continuar pagando seus funcionários.

Mas um país pode ser comparado sim a uma empresa, no sentido dos efeitos universais da falta de dinheiro. Uma empresa que quebra simplesmente encerra as operações. Um país não pode ser “encerrado” do dia para a noite, mas vai sim ser “encerrado” aos poucos, regredindo graus de civilização. Olhe para a Venezuela para entender o que quero dizer.

Portanto, se o Brasil quiser evitar o “encerramento” como país, deve fazer um ajuste em suas operações. Claro, nada é urgente, até o momento em que se torna urgente. Acabamos de aprovar a reforma da Previdência, os juros estão nas mínimas históricas, tudo parece bem. Este seria o momento de se fazer o ajuste com calma. Mas não: vamos aguardar uma nova crise se instalar, com aumento do desemprego e da inflação (o que penaliza os mais pobres, não custa lembrar), por que o presidente representante das corporações não quer mexer com as castas dominantes do país.

– Ah, mas ele é que tem o “feeling” político, ele sabe que este não é o melhor momento para enviar a proposta.

Bem, acredite no que quiser. Um presidente faz a agenda política do país quando quer. Pelo menos poderia enviar o projeto para o Congresso e deixar o abacaxi nas mãos dos parlamentares. Mas o presidente simplesmente não quer botar a mão nesse vespeiro.

Está tudo muito bem por enquanto. Quando uma verdadeira crise internacional se instalar, os investidores farão a distinção entre quem fez a lição de casa e quem não fez. Quando o dólar bater R$5, saiba que foi por conta das reformas não realizadas a tempo. Macri que o diga.

Faça alguma coisa!

Trecho da entrevista de Marcos Lisboa ontem, no Estadão.

Assim como aprendemos a duras penas que não se vence a inflação congelando preços, estamos também aprendendo a duras penas que não saímos da armadilha do baixo crescimento econômico dando incentivos de curto prazo. Quer dizer, “estamos aprendendo” talvez seja uma expressão muito otimista.

Lisboa coloca dois exemplos: a Inglaterra de Thatcher e a Austrália. Na primeira, as reformas foram rápidas e dolorosas. Na segunda, lentas e mais palatáveis. Em ambos os casos, funcionaram para aumentar a produtividade da economia.

Não temos uma Thatcher tupiniquim, que aguenta firme mais de um ano de greve dos mineiros. Aqui, os governos fogem correndo para fazer tabelamento de fretes quando os caminhoneiros batem o pé. Greve de funcionalismo público, nem pensar.

Portanto, o ritmo das reformas será lento. Exasperadoramente lento. Macri está pagando o preço por ter optado por esse caminho.

“Faça alguma coisa!”, começam a gritar os agentes políticos. “Faça alguma coisa!”, Bolsonaro começa a dizer para o seu Posto Ipiranga. Desde raspar o tacho das estatais até liberar o FGTS, o super-ministro da economia vai mostrando que seus super-poderes são bem limitados.

13 milhões de desempregados urgem. Mas não há o que fazer. Assim como o congelamento de preços, incentivos de curto prazo introduzem distorções de médio prazo, em uma economia já cheia delas. É preciso perseverar nas reformas.