O radicalismo bipartidário

Só agora consegui um tempo para analisar uma questão que vem me incomodando há alguns dias: a deposição do presidente da Câmara dos EUA, o republicano Kevin McCarthy. E vem me incomodando porque a cobertura da imprensa, sem exceção, vem classificando o episódio como uma vitória dos “radicais trumpistas do partido republicano”.

Antes, um pouco de contexto. McCarthy teve o seu cargo colocado em cheque quando chegou a um acordo provisório com os democratas para evitar o shutdown do governo Biden. Este shutdown é a consequência do limite de endividamento do governo. Sim, nos EUA existe limite de endividamento, que deve ser elevado pela Câmara toda vez que é alcançado, sob pena de paralisia total do governo. Não deixa de ser sintomático que, para continuar funcionando, o governo americano precisa continuar se endividando, mas esse é um papo para outra ocasião.

A “moção de remoção” foi apresentada por um aliado de Trump na Flórida, o deputado Matt Gaetz, que, ironicamente, se aproveitou de uma mudança de regra regimental aprovada pelo próprio McCarthy no início do seu termo como presidente, e que permitiu a moção apresentada por apenas um deputado.

A questão que me incomoda na versão sendo contada pela imprensa é justamente os números da votação. O tal “radicalismo republicano” se limitou a meros 8 votos, de uma bancada de 221 deputados, ou 3,6% da base. Ok, alguém irá dizer, mas é o suficiente para desequilibrar o jogo em uma Câmara com divisão muito apertada, como foi o caso. Peraí, desequilibrar em favor de quem? Dos democratas? Quer dizer que os 3,6% de radicais republicanos irão punir seu próprio partido votando em pautas democratas? Claramente não faz sentido. Se há algo que os radicais fazem é radicalizar, e isso não orna com pautas democratas. Simplesmente não faz sentido.

Mas a falta de lógica não para por aí. E o que dizer dos “democratas moderados”? McCarthy costurou um acordo para salvar o governo Biden, e recebeu em troca 208 votos democratas pela sua saída. Ou seja, nenhum mísero deputado democrata conseguiu se desvencilhar de sua filiação partidária e apoiar a permanência de um republicano moderado na presidência da Casa. Preferiram ver o circo pegar fogo, e se arriscar a ter um presidente mais radical, que tornará a vida do governo Biden ainda mais dura. Pergunto: os radicais estão apenas do lado republicano? Pelo resultado da votação, o correto seria dizer que toda a bancada democrata é formada por radicais.

Vou dizer uma coisa óbvia: para haver polarização é necessário ter dois lados opostos. A imprensa adora chamar Trump e seus seguidores de radicais, ok. Mas os democratas não ficam atrás, como ficou demonstrado por essa votação. Se houvesse bom senso do lado democrata, seria mais fácil isolar Trump. Mas parece que a maioria democrata aposta que o caos trará maiores dividendos políticos. A disfuncionalidade da política americana é obra de muitas mãos.

O primeiro a saltar do barco

Prova cabal de que Moro representava o combate à corrupção nesse governo é o aviso, por parte do Centrão e do PT, de que não contem com eles para dar o gostinho do impeachment ao ex-juiz. É o Petrolão indo à forra.

Marcos Pereira, líder do Republicanos e expoente do Centrão, já avisou: vamos respeitar as urnas.

Recortei reportagem de 2016, mostrando que o PRB (o então nome do Republicanos) foi o primeiro partido a entregar ministérios, dando apoio integral ao impeachment. Naquela época, “respeito às urnas” não constava no vocabulário.

Mas acho que a principal mensagem aqui é: dar cargos ao Centrão funciona até deixar de funcionar. Os partidos da “base” de Dilma sugaram até a última gota de sangue do governo, e depois abandonaram o barco sem mais. Vamos ver o que Bolsonaro vai fazer. Novamente, o diário oficial será o nosso guia.