Maia não é inimigo

Trechos da entrevista hoje com Rodrigo Maia.

Maia é o presidente de Congresso que qualquer presidente com agenda liberal pediria a Deus.

– Ain, mas ele é o Botafogo da planilha da Odebrecht, bandido como todos os outros.

Bem, nesse momento ele é tão bandido quanto Flávio Rachid Bolsonaro, ou mesmo a esposa do presidente, que recebeu R$20 mil do Queiroz. Depois de 5 anos de lava-jato, não houve sequer indiciamento de Maia, quanto mais julgamento e condenação. Não estou dizendo que ele seja inocente. Só estou afirmando que, por enquanto, só existem ilações, exatamente como no caso Queiroz.

Como eu ia dizendo, Maia é o sonho de consumo de qualquer presidente liberal. Essa é a grande sorte de Bolsonaro, que inaugurou com sucesso o semi-parlamentarismo. Maia reconhece que se enganou no início do mandato, ao tentar conduzir entendimentos em torno de um clássico “presidencialismo de coalização”. Hoje o parlamento está muito mais “empoderado” (para usar uma palavra da moda), não sendo apenas um puxadinho do governo.

Ninguém vai tirar o mérito de Bolsonaro de ter sido fiel aos seus princípios, e de ter construído outra forma de relacionamento com o Congresso, abrindo voluntariamente mão de um poder que todos os outros presidentes tiveram. Só espero que os bolsonaristas sigam o exemplo do presidente e saibam reconhecer em Maia um aliado providencial, e não um inimigo.

Os pais da reforma

379 votos para uma reforma impopular como a da Previdência não é para qualquer um.

Filho bonito tem muitos pais e, quem diria, a Reforma da Previdência se transformou em um filho lindo, disputadíssimo.

Afinal, quem são os pais da reforma?

Temer é o primeiro deles. Ao lado de outras reformas importantíssimas, o governo Temer foi o primeiro a propor uma reforma abrangente depois de quase 20 anos após a última, no governo FHC. Foi dado o início de todo um trabalho de convencimento da opinião pública, e a reforma teria sido aprovada não fosse o escândalo conhecido como “Joesley Day”.

O segundo pai é a dupla Bolsonaro/Guedes, que tiveram a iniciativa de enviar a proposta de uma reforma para o Congresso. Apesar de poderem ter utilizado a reforma de Temer, optaram pelo caminho mais arriscado de enviar um projeto totalmente novo, muito mais ambicioso. Conseguiram.

O terceiro pai é Rodrigo Maia. Ele assumiu para si a tarefa de articular os apoios que terminaram na acachapante votação de hoje. Não há dúvida de que, se não fosse o empenho de Maia, que era o único a afirmar ser possível votar a reforma antes do recesso, essa proposta não teria saído do lugar.

O Congresso brasileiro é o quarto pai dessa reforma. É difícil imaginar que uma reforma tão impopular tenha sido aprovada por “interesses menores”. Posso estar sendo ingênuo, mas acredito que a maioria dos deputados, neste caso bem específico, estava realmente convencida de que precisávamos evitar o precipício. Não aprovar a reforma seria entregar o país de volta ao PT, o que não interessa a ninguém, a não ser aos próprios petistas.

Por fim, o quinto pai dessa reforma são todos os técnicos que trabalharam na proposta e no convencimento dos congressistas e da opinião pública, entre os quais destaco Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery. Mas há muitos outros, que trabalharam no governo Temer e trabalham no governo Bolsonaro, sem os quais não teria sido possível esta aprovação.

Quase 74% do Congresso votando a favor da Reforma da Previdência, que é uma das reformas mais impopulares em qualquer lugar do mundo. Só no Brasil.

Não vai ser nada bonito

Na sexta-feira, o mercado começou a precificar dificuldades maiores para a aprovação da reforma. Mas ainda assim, uma aprovação.

Com declarações dessa natureza, o mercado logo vai começar a precificar a NÃO aprovação. Não vai ser nada bonito, garanto.

A refundação do Brasil

Este é o outro lado da moeda da entrevista de Rodrigo Maia. Filipe Martins representa o “núcleo duro” do bolsonarismo, um movimento que tem a pretensão de refundar o Brasil sobre novas bases éticas.

Para tanto, prega a ligação direta do “povo” com o presidente, levando o Congresso, com a força “das ruas”, a votar o que o Executivo quer. No limite, “as ruas” governariam.

Bem, isso é tudo, menos democracia representativa. No regime político em que vivemos, o povo elege seus representantes, e estes se entendem sobre quais leis serão aprovadas e rejeitadas. Ao propor a “ligação direta” do povo com o presidente, Filipe propõe um outro sistema político.

– Ah, mas Filipe Martins não está propondo o fechamento do Congresso. O que ele propõe é que o “povo”, “aquecido” pelo governo, force, nas ruas, os seus deputados a votarem o que é bom para o Brasil. Bem entendido, tudo o que Bolsonaro propõe é para o bem do Brasil.

Muito legítima a pressão das ruas. Quando existe. O povo tem mais o que fazer do que ir para as ruas toda hora. Eu e milhões fomos às ruas para derrubar Dilma e o PT. Mas, para que isso aconteça, é necessária uma situação muito grave.

Filipe Martins tem a ilusão de que aqueles milhões que foram às ruas são aliados automáticos de Bolsonaro, e que sairão às ruas com um simples toque de Twitter. Lula e o PT tinham a mesma ilusão, e achavam que o “povo”, tão beneficiado por suas políticas, iriam às ruas para defendê-los. Deu no que deu.

Derrubar as velhas práticas políticas (entenda-se bandidagem) não significa passar por cima das legítimas instâncias políticas. É este o recado de Maia, e que deveria ser levado a sério por Bolsonaro.

A construção da base parlamentar

Quando aqui critiquei a postura de Janaína Paschoal em sua derrota acachapante para Cauê Macris pela presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo, muitos responderam que, se era para compactuar com a “velha política”, foi melhor ter perdido mesmo.

O que precisa ser entendido de uma vez por todas é que não existe “velha política” e “nova política”. O que existe é “política” e “caso de polícia”. Quando o governo Bolsonaro se recusa a fazer política, está implicitamente chamando todos os políticos de bandidos. Pois se não é política, só pode ser caso de polícia.

É isso o que Rodrigo Maia praticamente desenha para Bolsonaro em entrevista de hoje no Estadão. Destaquei o trecho abaixo porque me parece sintetizar a ideia central, mas a entrevista toda deveria ser lida e meditada pelo presidente e sua entourage.

– Ah, mas Maia é o Botafogo da planilha da Odebrecht, é bandido também, é o número 1 na fila para achacar o governo.

Se Maia tiver contas a prestar à justiça, ele as prestará, como provam as prisões de Lula, Temer e do seu sogro Moreira Franco. Por enquanto ele é o presidente da Câmara, da qual Bolsonaro depende se não quiser que seu governo termine antes mesmo de ter começado.

Política é diálogo e compartilhamento de espaços de poder de modo a formar consensos. Há muito espaço para o diálogo antes de se entrar na seara policial. Para o bem do Brasil, é bom que Bolsonaro entenda isso antes que seja tarde demais.

Patetice

Talvez a genialidade política de Bolsonaro seja tão genial, que os pobres mortais não a estejamos alcançando.

Ou talvez Bolsonaro seja apenas um pateta.

Saberemos dentro de poucos meses.

Política com P maiúsculo

Maia é um poço de mágoa com Onyx.

Maia chama Guedes de “o nosso líder na área econômica”

Maia diz que Moro entende que a Previdência é prioridade.

Apesar de Onyx, o governo Bolsonaro teve o juízo de apoiar Maia para a presidência da Câmara, um sujeito absolutamente alinhado com a pauta mais urgente do governo.

Certa vez ouvi Mário Covas dizer que se orgulhava de ser um Político com P maiúsculo. A Política é a nobre arte de conciliar interesses diversos em uma pauta comum. Vivemos em sociedade, onde cada um acha que tem a solução para o mundo. O trabalho do Político é justamente a conciliação dessas milhões de “soluções”. A demonização da Política traz o risco de jogar o bebê fora junto com a água da banheira. No limite, a antipolítica nos leva ao estado ditatorial, onde a busca do consenso é desnecessária.

Quem quiser ter uma aula de Política com P maiúsculo leia essa entrevista.