Juros. Essa palavra dá nome à remuneração do capital. É o aluguel, ou o preço, do dinheiro. Só faz sentido falar em juros, portanto, quando nos referimos ao empréstimo de dinheiro. É este entendimento que embasa as normas contábeis de entidades como o FMI e os bancos centrais mundo afora, inclusive o brasileiro.
No entanto, o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, propõe uma novilíngua contábil: juros seriam todos os encargos sobre pagamentos em atraso, independentemente de sua natureza. Atrasou aluguel? Juros. Atrasou a mensalidade escolar? Juros. Atrasou precatórios? Juros. A interpretação é a seguinte: o atraso gerou um empréstimo de dinheiro implícito do credor para o devedor. Portanto, esse atraso se transformou em uma operação financeira, e juros são devidos por essa operação. Funciona como um escambo: ao invés de o credor ter emprestado dinheiro, ele emprestou um bem ou serviço, e os juros seriam a remuneração desse “empréstimo implícito” no bem ou serviço. Acho que já deu pra notar a ginástica semântica. Não é à toa que esse tipo de interpretação é rechaçada pelos manuais contábeis.
Essa entrevista traz a informação que eu estava procurando: cerca de 35% do estoque de precatórios são “juros”. Ou seja, conforme a interpretação larga que vimos acima, 35% do pagamento dos precatórios não seriam contabilizados como gasto primário, mas como gasto financeiro, que não entra na meta de superávit primário. Esse tipo de reclassificação tem como resultado a piora da trajetória da dívida pública, e é fácil de entender o porquê. Ao tirar 35% dos precatórios de dentro dos gastos primários, esse espaço será usado para outros gastos primários que, de outro modo, teriam que ser comprimidos para dar lugar aos encargos dos precatórios. Só que os gastos com esses encargos não deixam de existir, continuam pressionando a dívida pública, mas agora classificados como “despesas financeiras”. Nada nessa mão, nada nessa mão e…
Ceron me faz lembrar outro famoso secretário do Tesouro, de triste memória: Arno Augustin. Ele também costumava chamar seus críticos de ignorantes, que não sabiam sequer interpretar um texto. Enquanto isso, explorava as possibilidades semânticas da língua portuguesa. O problema é que a matemática não tem semântica, e acaba, mais cedo ou mais tarde, cobrando o preço pela esperteza.