Liberalismo engana-trouxa

“Ou como disse o presidente da Petrobras, há questão de poucos dias, ‘eu não tenho nada a ver com caminhoneiros, eu aumento preço aqui e não tenho nada a ver com caminhoneiro’. Foi o que ele falou, isso vai ter uma consequência, obviamente”.

Não foi o aumento dos combustíveis que detonou a demissão de Castello Branco. O motivo da demissão foi a frase reproduzida acima por Bolsonaro em sua live. O presidente já tinha avisado que não interviria nos preços. Tanto que anunciou um corte de impostos, com Guedes agora tentando resolver a quadratura do círculo para implementar a brilhante ideia presidencial.

O futuro ex-presidente da Petrobras resolveu, de uma hora para a outra, fechar de uma vez todo o gap dos preços do diesel, 15%. E, além disso, deu de ombros acintosamente para os caminhoneiros. Não consigo imaginar outro motivo para esses atos do que o popular “saco na lua”, que normalmente dá origem ao ato de “chutar o pau da barraca”. Há alguns dias, veio à tona uma mal explicada “nova política de reajuste de preços” com periodicidade anual, e que não era de conhecimento do mercado. Enfim, dá a impressão de que da missa não conhecemos a metade.

Salim Mattar e Paulo Uebel, ex-responsáveis respectivamente por privatizações e reforma administrativa dentro do ministério da Economia, pediram o chapéu de maneira discreta e amigável quando constataram que suas pastas não faziam sentido nesse governo. Castello Branco, por sua vez, decidiu forçar a sua demissão, e Bolsonaro não seria Bolsonaro se não o demitisse.

As três demissões representam rigorosamente a mesma coisa: a falta de compromisso deste governo com a pauta liberal. Castello Branco resolveu escancarar o ponto para quem ainda estava iludido.

Privatizar é duro pra quem é mole

Hoje, Salim Mattar publicou um artigo no Brazil Journal, onde expõe as dificuldades do processo de privatização no Brasil, e afirma que saiu do governo porque o que foi realizado não compensou o esforço dispendido.

Lembrei-me de um artigo de Elena Landau, publicado no último dia 31/07.

Dentro do BNDES, Landau foi a diretora do programa de privatização do governo FHC. Era, por assim dizer, o Salim Mattar do FHC.

Landau descreve, neste artigo, o processo necessário para privatizar. Fala com conhecimento de causa: foi no governo FHC que se deram as mais importantes privatizações da década de 90, entre as quais Vale e o Sistema Telebrás. Trata-se de um processo difícil, complicado, como descrito por Salim Mattar.

Uma defesa que se faz do governo Bolsonaro nesta área é que é exigir demais grandes privatizações em menos de dois anos de governo. É verdade. Ocorre que, como todo processo, é preciso dar um primeiro passo, depois o segundo, e assim por diante, até completar. A crítica de Landau é que não foi dado sequer o primeiro passo. Muito discurso e pouca ação efetiva.

Critica-se também o Congresso, por não se alinhar com as supostas ideias liberais do governo, e interpor dificuldades insanáveis. Landau também endereça este ponto: como exigir do Congresso algo que sequer foi enviado para lá? FHC, assim como Sarney, Collor e Itamar Franco, privatizaram também com um Congresso hostil. Aliás, Congresso hostil é quase uma redundância. Cabe ao presidente construir a sua base para lidar com o Congresso.

Bolsonaro hoje publicou um post aqui no FB. Destaco o seguinte trecho: “Para agravar, o STF decidiu, em 2019, que as privatizações das empresas “mães” devem passar pelo crivo do Congresso”. Ora, isso é óbvio. Afinal, como diz Landau, trata-se de patrimônio público. Todas as privatizações foram objeto de lei, que passaram pelo Congresso. O STF só fez confirmar o entendimento. Culpar o STF e o Congresso não vai resolver o problema. A questão levantada por Landau continua válida: que projeto de privatização do governo está parado no Congresso? (A Eletrobrás não vale, esta foi enviada por Temer).

Então, ao ver o que outros governos fizeram e o que este fez em termos de programa de privatização, a única conclusão possível é a de que se trata de incompetência ou de falta de convicção. Eu prefiro esta última.

O governo da semana que vem

Paulo Uebel e Salim Mattar, subordinados diretos do ministro Paulo Guedes, pediram demissão. O primeiro por discordar do atraso da reforma administrativa. O segundo, por discordar do atraso da agenda de privatizações.

Este é o governo do atraso. Ou se preferirem, o governo da “semana que vem”.

Vontade de privatizar

Salim Mattar reclama da burocracia para privatizar. Não conseguimos sequer vender o excesso de ações do Banco do Brasil que estão nas mãos da União. O BNDES se enrolou na burocracia e não vai conseguir vendê-las. No entanto, somos rápidos na criação de estatais: o atual governo já criou uma, a NAV Brasil, que vai herdar as atividades (e funcionários) da Infraero. Era para ter zero estatais no setor aéreo, agora temos duas.

Collor acabou com a Siderbras e privatizou a Usiminas.

Itamar Franco privatizou a CSN e a Embraer.

FHC privatizou a Vale e todo o sistema Telebras.

Perto de CSN, Embraer, Vale e Telebras, privatizar os Correios não parece ser um desafio especialmente difícil. Tenho fé de que o governo mais privatista da história vai conseguir.

Feudos

O que vai a seguir é um trecho da reportagem de sexta-feira, no Valor, que descreve um suposto “desalinhamento” entre o secretário de privatizações, Salim Mattar, e o presidente do BB, Rubem Novaes.

A reportagem, recheada de citações de “fontes” não identificadas, faz parte claramente do lobby dos funcionários de carreira para evitar perderem os seus feudos.

O trecho abaixo contém o núcleo da argumentação: não se pode passar para a iniciativa privada as partes lucrativas do banco, importantes para a sua rentabilidade.

Esse diagnóstico parte de uma premissa equivocada: a de que o Estado deve ter o papel de empresário, ou seja, deve colocar o dinheiro arrecadado dos impostos em atividades arriscadas, com vistas a aumentar a sua rentabilidade. Não! Mil vezes não! O Estado serve para prover coordenação social e serviços que, de outra forma, não seriam prestados pela iniciativa privada. Todos eles “não lucrativos”, por definição. Não me parece que a atividade bancária seja um deles. A não ser que se queira um banco “não-lucrativo”, o que contradiz a afirmação de que não se pode privatizar porque o banco “é lucrativo”. Ora, se é para ter a mesma lucratividade de um banco privado, por que raios precisa ser estatal?

O Estado não precisa de bancos para fazer política social. Subsídios podem ser concedidos via orçamento público, diretamente nas mãos dos beneficiários de empréstimos concedidos por bancos privados. Existem apenas três motivos para a existência de bancos públicos: conceder benefícios por fora do orçamento público (o que inclui as pedaladas da Dilma), servir de barganha política ao oferecer inúmeros cargos de confiança e proteger uma casta de funcionários públicos concursados indemissiveis.

Dizer que o Banco do Brasil não pode ser privatizado porque “é rentável” é só uma desculpa para manter o feudo intocado.