Com internet, sem saneamento

Edilson Silva é um miserável, segundo a classificação do IBGE.

Edilson tem acesso à internet mas não a saneamento básico.

A privatização das telecomunicações na década de 90 permitiu que miseráveis tivessem acesso à telefonia e a internet 20 anos depois.

O saneamento básico permanece estatal, pois é um “bem do povo” e não pode ser objeto de comercialização no mercado.

O bem mais caro é aquele que não existe.

Hora do saneamento básico

Raquel Balarin escreve hoje excelente artigo sobre a MP do saneamento. Destaco o último parágrafo, no texto anexo.

O grande entrave para a aprovação da MP é o fim da contratação sem licitação, por parte dos municípios, das empresas estatais de saneamento. Essas empresas não teriam como competir com a iniciativa privada em um certame de igual para igual. Essa resistência nada mais é do que uma confissão de ineficiência por parte dessas estatais, com seus quadros inchados de funcionários e seus cabides de emprego para apaniguados dos diversos governos.

Está na hora de olhar para a população que sofre sem saneamento básico. Chega de ceder a querelas ideológicas e pressões corporativistas. Esta sim é uma MP que valeria uma manifestação de rua.

Alguns são mais humanos do que os outros

O nosso ministro-astronauta já externou sua preocupação com os 100 mil funcionários dos Correios, que estariam ameaçados pela privatização. Afinal, são 100 mil famílias que dependem desse ganha-pão.

A mesma preocupação deve nortear a privatização das companhias de água e esgoto. Afinal, depois de privatizadas, as empresas vão demitir e achatar os salários, pois empregam muito menos gente para o mesmo nível de faturamento.

Se as encomendas estão sendo entregues ou se as casas estão sendo servidas por sistemas de esgotos, isso é um mero detalhe, que importa apenas para os milhões de brasileiros que usam os serviços dessa empresas. O que importa de fato é a manutenção do emprego improdutivo de alguns milhares de funcionários. Afinal, todos são seres humanos, mas alguns são mais humanos do que outros.

Apego

O apego a estatais de nossos governantes é algo que chega a ser tocante.

O caso em tela é a Cedae, companhia de saneamento básico do RJ, a única empresa do Estado que ainda vale alguma coisa.

A questão colocada pelo governador é até cândida: por que vou vender uma empresa que dá lucro de R$1 bilhão por apenas R$3 bilhões? O seu Zé, dono da padaria da esquina, que sabe fazer negócio, certamente concordaria.

Se a coisa se desse nesses termos.

Ocorre que não se dá. Vejamos.

Em primeiro lugar, de onde o governador do RJ tirou a ideia que a Cedae será vendida por “R$3-4 bilhões”? Já foi feito o leilão? Onde estão os lances? Este pode até ser o preço mínimo (dado que a empresa foi dada em garantia de um empréstimo de R$2,9 bilhões da União para o Estado), mas daí a concluir que este será o preço de venda vai uma grande distância.

Em segundo lugar, vamos olhar mais de perto esse tal de “R$1 bilhão de lucro”. Os lucros líquidos da CEDAE nos últimos anos foram os seguintes (em milhões de reais):

  • 2011: (188)
  • 2012: 163
  • 2013: 292
  • 2014: 460
  • 2015: 249
  • 2016: 379
  • 2017: 278
  • 2018: 832

Observe como o lucro saltou de uma faixa de 200-400 milhões por ano entre 2012 e 2017 para mais de 800 milhões em 2018! Esse é o “R$1 bilhão” de lucro do governador.

Qual foi a mágica, mister M? Olhando a demonstração de resultados, observamos que este “ganho” de quase R$600 milhões entre 2017 e 2018 se deu pela redução de provisões: cerca de R$350 milhões em reduções para devedores duvidosos e contingências. A outra parte do ganho no lucro veio do aumento de receitas: mais de 7% em termos nominais, sem aumentar substancialmente o número de clientes. Ou seja, aumento do preço do serviço.

A não ser que se assuma que as provisões podem continuar sendo diminuídas no mesmo ritmo e novos aumentos do preço do serviço possam ocorrer acima da inflação, esse lucro claramente não é sustentável no tempo.

Óbvio que um acionista privado poderia elevar o lucro de maneira sustentável, eliminando o cabide empregos, aumentando a eficiência e investindo no aumento da rede. Desta forma, mesmo com níveis pífios de lucro, a empresa poderia atingir valor significativo de venda, desde que o Estado abrisse mão do controle.

Por fim, um terceiro ponto, que para mim é o principal. O índice de cobertura da rede de esgoto era de 38,9% em 2011 e foi de 36,8% em 2018 (dados dos balanços da empresa). Ou seja, depois de quase uma década, houve recuo no índice de cobertura do serviço de esgoto, que já é, em si, um patamar vergonhoso. A empresa não tem fôlego financeiro para atender a população em coisas básicas.

Vender a Cedae não é uma questão simplesmente financeira. Não é saber quanto ela vale, se o Estado do RJ vai perder ou ganhar dinheiro com isso. Vender a Cedae é uma questão ética, é dar oportunidade para que a população do RJ tenha serviço de esgoto em suas casas. Não consigo pensar em argumento melhor.

O melhor argumento para privatizar

Pelo que eu entendi da reportagem do Valor hoje, é o seguinte: os governadores estão fazendo lobby para retirar a obrigatoriedade de licitação pública para obras de saneamento nos municípios. Com a licitação pública, as estatais não conseguem competir com as empresas privadas. Hoje, os municípios podem contratar obras de saneamento diretamente com as estatais, sem licitação.

Desde 2007, R$3,5 bilhões de recursos a fundo perdido não foram utilizados porque as estatais de saneamento não conseguiram tirar os projetos do papel. Segundo a reportagem, metade da população brasileira não tem acesso a tratamento de esgoto.

Segundo o vice-governador de São Paulo, se a MP continuar do jeito que está, a Sabesp precisará ser privatizada, pois não tem como competir com empresas da iniciativa privada nas licitações.

Por mais que eu procure, não consigo pensar em argumentos melhores para privatizar toda essa joça.

I rest my case

Em 2017, 61% das casas tinham acesso à Internet, segundo o Comitê Gestor da Internet.

Em 2016, 52% das casas tinham acesso a coleta de esgoto, segundo o Instituto Trata Brasil.

A Internet é um serviço que existe há 25 anos. A coleta de esgoto é um serviço que existe há séculos.

O acesso à Internet está nas mãos da iniciativa privada. A Internet é uma “mercadoria” e não existe previsão na Constituição do “direito à Internet”.

O acesso à coleta de esgoto está nas mãos do Estado. O saneamento básico não é uma “mercadoria” e a Constituição estabelece o “direito universal ao saneamento”.

I rest my case.

Questão de prioridade

Reportagem na Globo News mostrando caminhões-pipa chegando em alguma cidade do sertão nordestino, castigada pela seca. Não assisti à reportagem, só vi a imagem dos caminhões chegando com Papais Noeis em cima das carrocerias. Suponho que deva ter sido o presente de Natal de alguém.

Chamou-me a atenção a imagem de algumas pessoas gravando a chegada dos caminhões com smartphones.

O Brasil não consegue resolver o acesso à água, mas já resolveu o acesso aos smartphones. É uma questão de prioridade.