O artigo de Juca Kfouri para Lula

Juca Kfouri escreveu em seu blog sobre o Santos. Pede paciência para a torcida, enquanto o presidente “arruma o alicerce”, para depois construir a parede e o telhado. Sua tese: o Santos não voltará a ser o Santos enquanto estiver endividado.

Juca Kfouri está certo. Está tão certo, que, tenho certeza, não se furtaria a escrever para o seu presidente do coração, Lula.

Kfouri poderia escrever algo assim:

“O Brasil não voltará a ser o Brasil enquanto estiver endividado.

Por menos que os tapados queiram entender, assim é e assim será.

O presidente do Brasil precisa fazer a única política que resolve o problema: arrumar o alicerce para construir as paredes e, depois, o telhado.

Lula pode até fazer umas obras agora, como pedem os economistas desenvolvimentistas e o Centrão. O país vai fazer um brilhareco, como já fez no passado, quando cresceu por algum tempo e até convenceu a Economist de que era o país do presente.

Em seguida, lembremos, enfrentou a maior recessão da história.

O Brasil é grande o bastante para viver um pouco mais a sua história.

Não pode é viver numa montanha russa e, para tanto, precisa fazer o que Chile, Colômbia e México fizeram.

Com paciência e a consciência de que se trata de um trabalho de longo prazo.

Tem luz no fim do túnel.

Basta que os fanáticos imediatistas não a apaguem”.

Não. Juca Kfouri não vai escrever este artigo para Lula. A disciplina financeira é coisa que serve só para clubes de futebol. Para países, disciplina fiscal é coisa de banqueiro insensível, que não enxerga as necessidades do povo. O povo quer títulos, craques, um futebol bonito. Vamos gastar tudo e mais um pouco, porque o povo merece.

O Santos de Cuca e Cia.

O Santos que chegou na final da Libertadores de 1962-1963 era o Santos de Pelé e cia.

O Santos que chegou na final da Libertadores de 2003 era o Santos de Robinho e cia.

O Santos que chegou na final da Libertadores de 2011 era o Santos de Neymar e cia.

Que Santos é esse que chega na final da Libertadores de 2020? Não vale dizer que é o Santos de Marinho e cia. Marinho é um bom jogador, esforçado, está em grande fase, mas não chega aos pés de Pelé, Robinho e Neymar. Nem tampouco seus companheiros podem sequer desamarrar as chuteiras dos companheiros daqueles três.

O Santos de 2020 é uma improbabilidade estatística. Três goleiros saíram, tivemos que jogar com o 4o e o 5o goleiros. O craque do time, Carlos Sanchez, se contundiu no início da temporada. Salários atrasados, impeachment do presidente.

Mas aí entra o imponderável, aquela coisa que não conseguimos explicar direito. Ou melhor, explicamos depois que acontece, mas não prevemos antes. Cuca está em uma temporada iluminada. Pegou esse catadão de veteranos como Pará e Marinho, misturou com um monte de moleques da base, e deu uma cara de time de futebol. O jogo de hoje, com o Santos pressionando a saída de bola do Boca aos 45 min do 2o tempo, com 3 x 0 no placar, tem o dedo do técnico.

O Santos que chega na final da Libertadores de 2020 é o Santos de Cuca e cia.

PS.: em uma nota melancólica, este time do Santos chegar na final da Libertadores mostra bem o nível atual do futebol sul-americano.

A injustiça do VAR

Sou do tempo em que Maradona fez o gol de mão contra a Inglaterra. La mano de Dios. Um erro claro da arbitragem. Mas claro no replay. Na hora, o gênio fez com que todos acreditassem que um jogador de 1,65m ganhou de cabeça de um goleiro muito mais alto que saiu com as mãos. Se houvesse o VAR, teríamos sido privados de um momento histórico, épico, comentado até hoje, mais de 30 anos depois.

Quando lançaram o VAR, critiquei aqui. Hoje foi apenas mais um dia em que aprofundei na convicção de que o VAR não tem nada a ver com futebol.

Futebol é a vida, com seus erros e acertos, com a sua não linearidade, poucos momentos apoteóticos cercado de mesmice por todos os lados. Futebol só é o esporte mais popular do mundo porque é assim. O VAR torna o esporte mais parecido com outras coisas em que a tecnologia tem um papel fundamental na decisão de quem é o vencedor. Natação ou atletismo, por exemplo.

Ninguém gosta de ser vítima de um erro do árbitro, claro. O VAR veio acabar com essas supostas injustiças. Mas o que se viu hoje na Vila Belmiro foi justamente o oposto: o VAR cometeu injustiça, mesmo cumprindo a letra fria da regra.

Nos dois lances, o impedimento era impossível de ser visto a olho nu. Foi um centímetro, se muito. É muito difícil defender que este “adiantamento” tenha sido decisivo para que o gol tivesse sido marcado. Se o jogador estivesse um centímetro para trás, provavelmente o desfecho teria sido o mesmo.

O que eu quero dizer é que lances impossíveis de serem detectados pelo juiz em campo (com a possível exceção a atitudes anti-desportivas) deveriam fazer parte daquilo que chamamos, na vida, de “erro normal”. Nos tempos em que não existia o VAR, esses dois lances seriam revisados pelos comentaristas, haveria muita discussão sobre se havia ou não impedimento, mas a conclusão seria unânime: impossível o bandeirinha perceber.

Antes de dizerem que o choro é livre, estaria escrevendo a mesma coisa se o erro do VAR fosse a favor do meu time. Sim, erro do VAR. Não se anula um gol quando são necessários 5 minutos para se concluir que havia impedimento. Se a máquina demora essa eternidade, então é porque tem algo muito errado nisso tudo.

Enfim, acho a tecnologia interessante quando avisa o juiz quando a bola ultrapassou a linha, ou que houve uma atitude anti-desportiva. Mas o que se viu hoje foi a letra vencer o espírito, a regra vencer a alma do jogo. Não, me desculpem, isso é tudo, menos futebol.

Fica Sampaoli!

O Santos não ganhou nada esse ano. A julgar pelos resultados frios, a torcida deveria estar pedindo a cabeça de Sampaoli.

Não foi o que se viu ontem na Vila Belmiro. A torcida entoou várias vezes o coro “fica Sampaoli!”. Por que outros times, com resultados tão pífios quantos os do Santos, trocaram de técnicos como se troca de camisa, enquanto Sampaoli é idolatrado pela torcida?

Falo como torcedor santista: ganhando ou perdendo, dá gosto de ver o Santos jogar. Sempre com vontade, sempre pra frente, sempre agudo, nunca burocrático. Em entrevista ao Estadão ontem, Rodrygo afirmou que chamou sua atenção a intensidade do futebol europeu. Mas, como era o mesmo tipo de treinamento que fazia com Sampaoli no Santos, não teve dificuldade de adaptação. Coincidência ou não, Rodrygo vem brilhando.

Claro que todo mundo gosta de título. Mas ganhá-los depende de uma série de fatores, às vezes se perde no detalhe. Agora, jogar um bom futebol é obrigação de todo time de futebol profissional. E a torcida reconhece o bom futebol quando o vê. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, diz a música dos Titãs.

Se eu fosse a diretoria do Santos, entregava toda a premiação pelo vice-campeonato para Sampaoli e sua equipe. Esse título é dele. Fica Sampaoli!