Em qualquer lugar decente do mundo, a decisão autocrática de Toffoli a respeito das multas da J&F seria caso de impeachment. Ao se ouvir o silêncio sepulcral dos senadores, não posso deixar de concordar com Gilmar Mendes, quando alcunhou os congressistas de “pigmeus morais”.
O papel das conjunções adversativas
As conjunções adversativas “mas” e “todavia” ligam duas ideias opostas na mesma frase. Mas não são duas ideias equivalentes. Quem tem um pouco de treino em interpretação de texto, sabe que a segunda frase prepondera sobre a primeira. Ou seja, é depois do “mas” que vem a prioridade do orador, a ideia à qual ele dá mais importância.
Em entrevista ao Estadão hoje, o candidato à presidência do Senado, Rodrigo Pacheco, expõe as suas ideias prioritárias justamente usando as conjunções “mas” e “todavia”.
Apesar do discurso aparentemente equilibrado, na prática ficamos sabendo que Rodrigo Pacheco é contra:
- o teto de gastos
- as privatizações
- a Lava-Jato
Sim, eu sei que ele disse ser a favor, em princípio, dessas ideias. Mas, para ser a favor mesmo, esses conceitos precisariam ter vindo depois do “mas”. Seriam, então, entendidas como cláusulas inegociáveis.
Rodrigo Pacheco está sendo apoiado pelo PT e por Bolsonaro. O PT está apenas sendo coerente com a sua pauta anti-teto dos gastos, anti-privatizações e anti-Lava-Jato. Já Bolsonaro está sendo coerente com sua pauta anti-impeachment. Tudo faz sentido.
O verdadeiro motivo
A disputa pela presidência do Senado está bem menos estridente do que a da Câmara, mas não deixa de ser muito interessante.
Ao contrário da Câmara, onde anunciou apoio ao candidato de oposição ao governo Bolsonaro, no Senado o PT se junta ao governo. Depois de tartamudear algumas justificativas sem nexo, o líder do PT expõe o real motivo do apoio do partido: a “garantia dos direitos fundamentais”. Lê-se, a garantia de que Lula possa disputar as próximas eleições.
Esqueça todo o resto. Só existem dois partidos no Brasil: o partido da Lava-Jato e o partido da Corrupção como Forma de Fazer Política. É nessas horas que fica claro a que partido o nosso político de estimação pertence.
Rent-seeking na veia
O Senado brasileiro aprovou projeto que dificulta a entrada de concorrentes em linhas intermunicipais, além de proibir o chamado “Uber dos ônibus”, que não passa de um fretamento feito através de aplicativos. Ou seja, ao invés de a empresa de fretamento ficar esperando demanda de um determinado grupo para encher um ônibus, pode contar com um aplicativo que junta a demanda de indivíduos independentes entre si. Este sistema, obviamente, traz uma eficiência que concorre com as linhas regulares. Mas existe mercado para os dois: sempre haverá pessoas que não podem esperar pela formação do grupo e pagarão a mais pela passagem do ônibus regular.
Não deveria soar como novidade, mas sempre é bom apontar esses pequenos movimentos que, acumulados ao longo do tempo, contribuem para a concentração vergonhosa de renda no país. Sim, porque esse dinheiro a mais gasto em uma passagem de ônibus faltará no orçamento das famílias mais pobres e agregará uma riqueza aos empresários de linhas de ônibus sem a devida contrapartida de geração de valor para o usuário. Trata-se de mais um rent-seeking.
Os nossos parlamentares estão entre os primeiros a encherem a boca para defender a “justiça social”. Fazem-me lembrar a estátua da Dinamarca, Survival of the fattest, que já citei aqui e citarei várias outras vezes, em que uma mulher gorda se equilibra sobre os ombros de um homem esquálido, segurando a balança da justiça. Na base da estátua está escrito: “Estou sentada nas costas de um homem. Ele afunda sob o peso. Eu faria qualquer coisa para ajudá-lo. Menos sair de suas costas”.
Sem pressa para as coisas urgentes
A presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet, diz que o Senado “não tem pressa” para votar o pacote emergencial, que prevê gatilhos para congelar salários e progressão de carreira de servidores públicos, além de cortar salários e jornadas em até 25% em caso de absoluta falta de dinheiro.
Claro que eles “não têm pressa”: os congressistas e os milhões de servidores públicos do País não fazem parte do contingente de mais de 11 milhões de desempregados. Não há porquê ter pressa.
Simone Tebet diz estar preocupada com o que o Senado “vai entregar ao País”. Só se for com o País dos servidores públicos. Porque se estivessem realmente preocupados com o País que está na chuva, o senso de urgência seria outro.
Surpresa positiva
O Senado vai aprovar o adiamento do prazo para pagamento de precatórios por parte de Estados e Municípios, de 2024 para 2028.
Mas há uma “surpresa positiva” para o País: as pessoas físicas serão preservadas, e receberão o dinheiro devido pelo Estado até 2024.
S U R P R E S A P O S I T I V A.
Surpresa positiva teríamos se o Senado pegasse fogo com todos os senadores lá dentro.
Calma gente, eu não desejo isso não, foi só uma hipérbole semântica.
Evento institucional grave
O documento assinado pela mesa do Senado invoca a independência dos poderes para justificar a desobediência à liminar do ministro Marco Aurélio Melo, que decidiu monocraticamente afastar da presidência do Senado o senador Renan Calheiros. Entendo que há ao menos duas incongruências combinadas aqui:
1) Ao dizer que não acataria a decisão do Supremo por esta ter sido monocrática, o Senado concorda implicitamente que o colegiado do Supremo tem o poder de afastar o seu presidente. Ora, se o colegiado tem este poder, também o tem um ministro que toma uma decisão monocrática, ainda que incorreta. Se assim não fosse, as decisões monocráticas deveriam ser abandonadas de todo, pois nada valeriam.
Mas o segundo ponto é o mais importante.
2) A decisão de Marco Aurélio Melo afrontou a independência entre os Poderes? Ora, quando o Supremo afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara, discutiu-se este ponto, e aparentemente não houve dúvida de que o Supremo poderia ter tomado aquela decisão. Naquele caso, entendeu-se que o Supremo não invadiu as atribuições da Câmara, pois entre estas não está a de julgar os seus pares por crime, sendo esta uma atribuição exclusiva do Supremo. A diferença entre um caso e outro não pode ser decisão monocrática versus decisão colegiada pois, como vimos no ponto acima, as duas têm o mesmo enforcement. Portanto, a decisão, por mais estapafúrdia que seja, deveria ter sido cumprida. Ao não ser que, e este é o ponto crucial no meu entender, O SENADO TENHA INVADIDO A COMPETÊNCIA DO SUPREMO. Se houve desrespeito à separação de poderes, foi do Senado em relação ao Supremo, e não vice-versa.
Como este imbroglio poderia ter sido resolvido pelo Senado? Simples: Renan acataria a decisão, o Senado faria pressão para que o Supremo julgasse rapidamente a liminar, que poderia ser derrubada, desmoralizando (mais uma vez) Marco Aurélio Melo, dado que a decisão foi mesmo estapafúrdia.
Como este imbroglio será resolvido agora, em que o Senado liderou uma desobediência civil? Sinceramente, não sei. O Supremo será obrigado a confirmar a liminar de Marco Aurélio, que de outra forma poderia ser rejeitada, mas ir adiante com qualquer outra penalização é institucionalmente inviável.
Este é um evento grave. De agora em diante, o Congresso decide quais decisões do Supremo sobre seus membros vai ou não acatar, e em que condições.