O ex-governador Sérgio Cabral, o último político ainda preso pela operação Lava-Jato, foi solto ontem. Os críticos da operação, como o editorial do Estadão, afirmam que esta é mais uma evidência de sua precariedade.
De fato, uma prisão preventiva de 6 anos pode parecer tudo, menos legal. Mas a questão não é esta. A pergunta que não quer calar é como um réu confesso como Sérgio Cabral ainda não teve a sua prisão definitiva decretada depois de 6 anos?
A Lava-Jato, a partir de determinado ponto da história, passou a ser o grande problema do sistema judiciário brasileiro. Com suas “práticas ilegais” (prisões preventivas intermináveis, jurisdição indevidamente ampliada, delações premiadas forçadas, combinação entre juiz e promotores), a operação colocou a perder o seu grande esforço de combate à corrupção. O problema desse tipo de avaliação é que as tais “práticas ilegais” foram todas avaliadas e julgadas legais por desembargadores de 2a instância e juízes do STJ. Se ilegalidade houve, Moro e os procuradores não estavam sozinhos nessa.
Os que bradam pela “lei” como o único caminho possível, convenientemente se esquecem que a lei brasileira é garantidora de impunidade. Uma prisão preventiva de 6 anos não é prova de falha da Lava-Jato, mas da incrível incapacidade do sistema judicial brasileiro de colocar corruptos de alto coturno na cadeia. A grande surpresa dos brasileiros foi saber que Sérgio Cabral estava preso preventivamente. Em qualquer país decente, Sérgio Cabral já estaria condenado definitivamente há muito tempo.
A antológica cena do seriado da Netflix sobre a Lava-Jato, em que há júbilo na prisão porque os seus processos foram para o Supremo, conta tudo sobre o sistema judicial brasileiro para quem tem bons advogados.
Existem símbolos que retratam uma era. Também existem símbolos que retratam as consequências de um certo tipo de mentalidade. Quando um símbolo representa as duas coisas, estamos diante de algo poderoso.
O teleférico do Alemão vai completar 10 anos em julho. Está fechado, no entanto, desde o fim das Olimpíadas do Rio. Há quase, portanto, 5 anos.
A obra era a face social do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, um conjunto de investimentos públicos empacotado em uma campanha de marketing. O Brasil estava na crista da onda, o dinheiro abundava e gastamos como se não houvesse amanhã. Dilma foi eleita em 2010 como a mãe do PAC.
Em seu discurso de inauguração, Dilma lembrou de seu padrinho e se emocionou. Disse que Lula pensou em tudo aquilo com muito amor e carinho. Era a época do Estado-Mãe, que não fica preso a planilhas de despesas, investindo o que for preciso para tornarem todos felizes.
Todos felizes. Inclusive os que usaram a obra para cobrar faturas de serviços prestados, como a Odebrecht, que foi, coincidentemente, a empreiteira contratada. Dos que aparecem na foto de dezembro de 2010, quando Lula visita a obra, somente o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes, não foi preso.
Mas esse é o detalhe menos importante dessa história. O ponto relevante aqui é o gasto de recursos públicos em obras inviáveis economicamente. No caso, R$ 210 milhões em dinheiro de 2011. Inviável porque qualquer obra de infraestrutura necessita de manutenção. Não adianta só construir e inaugurar. É preciso prever a manutenção. Caso contrário, a deterioração vai levar inexoravelmente ao sucateamento. Essa é a realidade, por mais amor e carinho que se possa colocar em uma obra.
O financiamento da manutenção pode ocorrer basicamente de três formas: governo, usuários e patrocínio. O transporte público nas grandes cidades por exemplo, é financiado por um mix de governo (subsídios) e usuários. No caso do teleférico, o governo pagava tudo. Só que o dinheiro acabou.
Quer dizer, o dinheiro não acabou. Na verdade, o dinheiro nunca existiu. Sacamos adiantado o dinheiro do pré-sal e de um crescimento econômico que achávamos eterno. Contratamos gastos que se tornaram direitos perpétuos, como o aumento da folha do funcionalismo e suas respectivas aposentadorias. Quando o dinheiro que era para estar ali não estava, acabou sobrando para o teleférico. Este é o símbolo de uma era.
Mas o teleférico do Alemão é também o símbolo de uma mentalidade. A viagem era “de graça” para os moradores.
Papai Lula e Mamãe Dilma deram de presente para os seus filhos necessitados. É óbvio que não existe nada de graça. O projeto do teleférico deveria ter sido precedido de um estudo de viabilidade econômica: qual deveria ser o preço da passagem para viabilizar a sua manutenção? Pergunta básica, mas que certamente não foi feita na festa do PAC. Isso é coisa de quem não tem amor e carinho. Nada contra a que o Estado financie 100% da obra e da manutenção. Desde que haja uma previsão orçamentária que impeça a descontinuidade do serviço. Imagine, por exemplo, parar o sistema de ônibus de uma cidade porque “acabou o dinheiro”. Quando isso acontece, se aumenta o preço da passagem de ônibus e ponto final.
A reportagem diz que a lotação que faz o mesmo percurso cobra R$3.
Será que, com esse preço, o teleférico é viável economicamente? Se não for, o governo poderia subsidiar o restante? Essas perguntas são básicas, mas faz 5 anos que o teleférico “de graça” está parado. Está tudo certo: os moradores não pagam e também não recebem o serviço.
No final do livro Atlas Shrugged, de Ayn Rand, o personagem que luta honestamente até o fim para manter funcionando um sistema inviável se vê no meio do nada em um trem quebrado, sem condições de receber manutenção. Sempre lembro desse final quando vejo o sucateamento de obras grandiosas.
Sergio Cabral vai devolver R$ 380 milhões aos cofres públicos.
R$ 380 milhões!!!
E convenhamos, Sergio Cabral é um cardeal, mas está longe de ser o papa. Se ele roubou esse tanto na física, quanto foi roubado pelo esquema todo, inclusive para fazer campanha eleitoral?
Lembro de uma reunião que tive com um analista político antes das eleições de 2014. Ele tinha mantido reuniões nos comitês do PT e do PSDB. A primeira observação dele foi que o PSDB não tinha a mínima chance: o comitê de PT era tão mais rico, tão mais bem estruturado, que ele tinha pena de qualquer adversário.
Eu sei que, a essa altura do campeonato, eu não deveria mais me espantar com esses valores. Mas é que não consigo deixar de pensar que esse pessoal ainda está por aí, defendendo os pobres.
“Os habituais defensores do Estado Democrático de Direito dos ricos e poderosos ficaram “estarrecidos” porque Sérgio Cabral teve os pés e as mãos algemados para ir ao IML, em Curitiba.
Os defensores do Estado Democrático de Direito dos ricos e poderosos deveriam ficar estarrecidos é com o sistema prisional do Rio de Janeiro, que facilita regalias a um ex-governador que roubou centenas de milhões de reais de dinheiro público, deixando um estado à míngua.
As algemas em Sérgio Cabral não são tortura (preso pobre sabe bem o que é tortura), mas exemplo de como um criminoso perigoso, que ameaçou até juiz, deve ser tratado quando hóspede de um sistema prisional digno desse nome.”
Sérgio Cabral saiu algemado e acorrentado do presídio.
Os intelectuais ficaram chocados.
Os advogados de defesa ficaram indignados.
Os analistas disseram que poderia enfraquecer a operação lava-jato.
O pessoal da barbearia onde corto o cabelo (R$30 o corte, que já acho caro pela quantidade de trabalho no caso) achou foi é pouco.
Ontem assisti The Darkest Hour, filme que conta os bastidores da decisão da Inglaterra de resistir ao ataque nazi, ao invés de tentar chegar a um acordo de paz.
A situação estava realmente perdida. Todo o exército inglês estava cercado em Dunquerque e a única alternativa parecia ser a capitulação. Churchill acabava de assumir o governo por pressão dos trabalhistas, que exigiram seu nome para apoiar uma coalizão com os conservadores. No entanto, Chamberlain (o primeiro-ministro que deu lugar a Churchill), Halifax (ministro do exterior, preferido pelo rei para ser o primeiro-ministro) e o próprio rei preferiam uma saída negociada, que preservasse a paz. Como se isso fosse possível tendo Hitler do outro lado.
Churchill estava encurralado, sem apoio de seu partido e com a situação militar perdida. Resolveu então ouvir o povo (aqui é meio que um spoiler, mas que não tira a emoção da cena): toma o metrô e conversa com os passageiros, que são unânimes em dizer que a Inglaterra deve resistir.
O povo popular, aquele que anda de trem e ônibus e sustenta essa cambada com os seus impostos, está cansado de quem defende ladrão. O político que souber ouvir a sua voz ganhará as eleições.