Quarentena só para quem ameaça a democracia

Ainda a prolífica entrevista de nosso decano. Gilmar defende quarentena de 4 anos para que militares possam concorrer a cargos eletivos, elogiando o fato de que tal regra já existe para juízes e procuradores, o que evitará a repetição, no futuro, de Deltans e Moros atuando na política.

Nosso decano, talvez com a vista ofuscada pelo próprio brilho, confundiu-se aqui. Moro abandonou a carreira de juíz em 2018 e, portanto, teria condições, pelas regras da quarentena, de concorrer a um cargo em 2022. Quem não teria condições de fazê-lo é o seu neo amigo, Flávio Dino, que foi juiz até 2006 e elegeu-se deputado federal neste mesmo ano. Mas Dino, a quem Gilmar Mendes atribuiu um perfil político “bem desenhado”, não ameaça a democracia, então tudo certo.

Sergio Sebastião Moro

Escrevi muito sobre Sergio Moro na época da Lava-Jato. Seu papel na maior operação anti-corrupção da história brasileira o guindou a astro da política nacional. Ele se convenceu dessa nova posição, e abandonou a carreira no Judiciário para continuar sua luta contra a corrupção na arena política, ao aceitar o cargo de ministro da Justiça no governo Bolsonaro.

Moro simbolizava, de fato, a luta por melhores modos de conduzir a coisa pública. Tanto foi assim, que se tornou o único nome que chegou a ameaçar seriamente a polarização entre Lula e Bolsonaro. Antes de desistir oficialmente de sua candidatura presidencial, Moro chegou a ter 10 pontos percentuais em algumas pesquisas de intenção de votos, repetindo o fenômeno Joaquim Barbosa em eleições anteriores, que navegava na mesma faixa de onda.

Em retrospectiva, vê-se que o ápice de Moro foi a sua indicação para o ministério da Justiça. Depois daquilo, foi ladeira abaixo. Sua passagem pelo ministério foi pífia, não conseguindo avançar a sua agenda anti-corrupção. Saiu batendo a porta, em um evento em que a montanha pariu um rato. O fato é que Moro foi comido com farinha pelos políticos, incluindo Bolsonaro.

Seu estoque de votos foi o suficiente para ser eleito senador pelo Paraná. Provavelmente será cassado, pouco importa se justa ou injustamente. Para todos os efeitos relevantes, Sergio Moro estará, dentro de pouco tempo, na planície, pronto para ser devorado pela classe política que desafiou sem ter as armas para tal. Lula não descançará enquanto não colocá-lo na cadeia.

Somente nesse contexto, em que Moro busca novos amigos para a próxima etapa de sua vida, pode-se entender o seu abraço fraternal em Dino, que foi acompanhado pelo seu voto. Sim, é óbvio que Moro votou pela aprovação de Dino. Não existe isso de “voto secreto”. Se o voto de um governista é mantido em segredo, é porque o governista votou contra o governo. Se o voto de um oposicionista é mantido em segredo, é porque o oposicionista votou a favor do governo, e este é certamente o caso de Moro. Esconder-se atrás do biombo do “voto secreto” é só mais uma demonstração, dentre tantas, da falta de habilidade política do ex-juíz.

Somos um país sedento de explicações para o nosso fracasso como nação. A corrupção é uma dessas explicações fáceis, em que o efeito se confunde com a causa, simplificando a solução de nossos problemas no imaginário do povo. E neste caso, a solução simples é um sebastianismo que alça figuras como Moro (e Bolsonaro, diga-se de passagem) ao panteão dos heróis nacionais. (Lula é também fruto desse sebastianismo, mas o “mal” que o demiurgo de Garanhhuns vem combater não é a corrupção, mas a “ganância dos ricos”).

Não há soluções fáceis quando se trata de diminuir o patrimonialismo que domina a sociedade brasileira, o nosso verdadeiro problema. Todos nós temos a nossa meia-entrada, e a defendemos com unhas e dentes, em um campeonato em que se disputa cada quinhão do Estado brasileiro. Um Estado balofo, do tamanho de nossos “direitos”. A corrupção é somente um sintoma, não a causa.

Moro, como vimos, estava longe de ter os instrumentos para lidar com essa realidade. O problema foi ele ter sido picado pela mosca azul, e ter acreditado que seria D. Sebastião.

Zeus e Prometeu

O grande erro da Lava-Jato foi ter tocado no Intocável. Mais sábios foram os juízes do Mensalão, que chegaram, no máximo, ao capataz.

– Ah, mas como é possível ignorar provas? – dirão alguns.

Sempre é possível, trata-se de uma avaliação. No caso, a Lava-Jato assinou a sua sentença de morte ao não ignorar as provas contra o Demiurgo.

Estou entre aqueles que se entusiasmaram com um Brasil que parecia ter amadurecido, um Brasil em que não existem deuses, mas apenas homens pecadores. Estava enganado, há um ser Divino e toda uma corte olímpica a servi-lo.

Lula elegeu-se com apenas um objetivo em mente: colocar atrás das grades Sérgio Moro e todos os procuradores envolvidos em sua prisão. A peça de Toffoli servirá para isso. Tal qual Zeus do alto do Olimpo, não descansará enquanto não amarrar Prometeu ao penhasco para ser comido vivo pelas águias, Prometeu que ousou roubar o fogo da sabedoria e dá-lo aos homens dessa Terra Brasilis.

Paranoia, uma característica dos extremos

Quem dá uma passeada por perfis governistas no Twitter sai com a nítida impressão de que estamos às vésperas de um golpe de estado. É impressionante, mas essa coisa do Moro pegou mesmo nas hostes governistas. O pessoal está em pânico, pintado pra guerra. Não entendo muito por quê, dado que Moro é uma sombra do que foi durante o julgamento da Lava-Jato, seu desempenho como político é pífio. Só se explica por uma espécie de paranoia, a mesma que fazia Bolsonaro e bolsonaristas ver traidores e ameaças debaixo da cama.

E olha que estamos com menos de 3 meses de governo. Imagine quando tiverem passado dois anos, com resultados medíocres (serão) e popularidade em baixa, qual será o nível de virulência contra qualquer sombra de ameaça. A data de validade do amor venceu no dia 30/10.

Definições no quadro eleitoral paulista

Duas notinhas, uma em seguida da outra, definem o que será a eleição para o governo de SP.

Na primeira, enterra-se a possibilidade de impugnação da candidatura do carioca Tarcísio de Freitas. Ao contrário do paranaense Sérgio Moro, Tarcísio alugou imóvel em uma cidade do estado. Portanto, tinha endereço fixo, suficiente para provar seu “vínculo” com o estado. Como se vê, não era muita coisa o que precisaria ser feito para conseguir provar o domicílio eleitoral. Mas, em uma carreira política marcada pelo improviso, Moro nem sequer isso conseguiu.

Na segunda nota, fica claro que o próximo governador será um desses três nomes: Tarcísio de Freitas, Márcio França ou Rodrigo Garcia. Qualquer um dos três se beneficiará do voto antipetista no 2o turno. É provável que Haddad possa atrair o voto anti-bolsonarista se o seu adversário for Tarcísio de Freitas, mas não creio que esse contingente seja suficiente para lhe dar a vitória. Para tanto, seria preciso que chegasse ao 2o turno com mais de 40% dos votos, o que parece bem improvável. Contra Márcio França ou Rodrigo Garcia, a derrota de Haddad seria ainda mais acachapante, pois não contaria com o voto anti-bolsonarista.

Enfim, treino é treino, jogo é jogo, eleição é uma caixinha de surpresas, mas acho que o quadro eleitoral paulista está bem delineado.

Pesquisa boa para quem?

Uma pesquisa boa para a 3a via…

Na pesquisa anterior da CNT/MDA em fevereiro, o ex-juiz Sérgio Moro tinha 6,4% das intenções de voto. Nesta pesquisa, já sem Moro, a variação das intenções de voto dos candidatos foi a seguinte:

Lula: – 1,6 pp (pontos percentuais)

Bolsonaro: + 4,0 pp

Ciro: + 0,4 pp

Doria: + 1,3 pp

Tebet: + 1,7 pp

Janones: + 1,0 pp

Ou seja, Bolsonaro sozinho ganhou 4 pontos percentuais enquanto os candidatos da “terceira via” ganharam, juntos, 4,4 pp. Estes candidatos todos tiraram 1,6 pp de Lula, 0,4 pp dos indecisos e herdaram 6,4 pp de Moro.

A notícia boa para a “terceira via” seria se UM dos candidatos herdasse TODOS os votos. Não aconteceu. Aliás, quem herdou mais da metade dos votos de Moro foi Bolsonaro.

Não há novidade nenhuma aqui, apenas a confirmação do que já apontaram outras pesquisas. O que me chamou a atenção foi só a manchete, que deve ter sido escrita pelo estagiário da redação, com todo respeito aos estagiários.

Pegadinha do malandro

Caí na “pegadinha” de João Doria. Segundo ele, foi uma “estratégia” para angariar apoio de seu partido. Bruno Araújo, vendo naufragar o barco do PSDB na joia da coroa do partido, o estado de São Paulo, assinou uma carta reiterando o apoio do partido, do qual é presidente, à candidatura Doria. No entanto, quem é um pouco alfabetizado em política sabe que essa carta vale tanto quanto uma nota de 3 reais.

Em primeiro lugar, o esforço foi no sentido de o atual governador deixar o governo de SP para o seu vice, não necessariamente o de Doria assumir a candidatura presidencial. Não faltam bons nomes ao PSDB, pelo contrário. Doria renunciando ao governo de SP e à candidatura presidencial era o melhor cenário. Doria permanecendo no governo sem concorrer à reeleição, o pior. O arranjo possível foi “convencer” Doria com uma cartinha de amor. Segue o jogo, até a convenção do PSDB, onde tudo pode acontecer.

Não satisfeito com a lambança, Doria adicionou o insulto à injúria, ao dizer em entrevista que tudo não passava de um plano para testar o apoio do partido à sua candidatura. Uma espécie de Jânio de calça apertada. E, como cereja do bolo, chamou de “golpistas” os que não querem a sua candidatura. Doria está seguindo metodicamente o manual “Como Fazer Inimigos e Não Influenciar Pessoas”. Depois do dia de ontem, o PSDB tem o dever moral de não lhe dar a legenda para disputar a presidência.

Como nota final, se a saída de Doria da disputa não representava muita coisa, como defendi em meu comentário de ontem, o mesmo não se pode dizer da saída de Sergio Moro do páreo. Sem experiência política e tendo chegado 4 anos atrasado para empunhar a bandeira da Lava-Jato que Bolsonaro empunhou em 2018, Moro foi vítima de sua própria ilusão, a de ser o justiceiro universal do Brasil. Foi engolido pelo sistema político, que tem suas próprias regras. Se for humilde, concorrerá a uma vaga de deputado federal, onde terá a oportunidade de começar o jogo da planície, desenvolvendo suas habilidades políticas para depois, se for o caso, tentar voos mais altos.

Ao contrário da eventual desistência de Doria, a saída de Moro do páreo embaralha as cartas da “terceira via”. Lula e Bolsonaro certamente não gostaram desse movimento.

Lula está livre, mas não por ser inocente

Como era de se esperar, o caso triplex prescreveu. Os advogados de Lula escrevem que o caso “não tinha nenhuma materialidade”. No entanto, a anulação da sentença não tem nada a ver com o mérito da acusação, mas com a suposta parcialidade do juiz do caso.

Em 13 de janeiro de 2018, escrevi um longo texto, analisando a sentença de Sergio Moro, rebatendo, ponto por ponto, os argumentos da defesa de Lula. Não, não sou operador do direito, por isso não entro nas tecnicalidades do processo. Minha análise é apenas lógica, baseada nas evidências que serviram de base para a condenação. Não é preciso ser advogado ou juiz para entender quando um político recebe propina.

A passagem do tempo pode nublar a memória de algumas pessoas. Este texto serve como um lembrete de tudo o que aconteceu. Lula está livre, mas não por ser inocente.

Batendo na pessoa certa

Até um relógio parado acerta a hora duas vezes ao dia. É o caso da colunista Eliane Catanhêde, que já mereceu alguns posts carinhosos nessa página, mas que desta vez acertou, ao fazer o diagnóstico de que bater em Lula é a chance de Moro (e, de resto, de qualquer candidato da chamada “3a via”) de chegar ao 2o turno.

Já tive oportunidade de escrever várias vezes aqui: bater em Bolsonaro, como insistiu Alckmin em 2018 e insistem todos os “defensores da democracia” até aqui, é inútil. Esse campo pertence à esquerda. A única chance é bater em Lula, para tirar de Bolsonaro a coroa de único antipetista de verdade da praça. E Moro tem esse figurino natural, dado que foi o juiz que colocou Lula na cadeia.

Hoje, Moro estreia uma coluna quinzenal no site O Antagonista (link nos comentários). A estratégia é a mesma já percebida por Catanhêde: bater em Lula. Não há uma mísera menção a Bolsonaro. Moro não se coloca como um típico 3a via, equidistante do demônio e de belzebu. A sua estratégia é mostrar que pode ser o antipetista que as viúvas de Bolsonaro (aqueles que votaram no capitão e se arrependeram) estão à procura.

É claro que ser antipetista não se restringe a bater em Lula. É preciso ter uma agenda antipetista, conservadora e liberal. Isso se verá ao longo da campanha. Mas esse primeiro passo parece promissor, diferente de tudo o que os chamados candidatos da 3a via estão fazendo.

Sempre haverá um núcleo duro, que vê no capitão o Messias que veio salvar o Brasil. Estes não votariam em outro candidato nem que Jesus Cristo disputasse a eleição. Mas há uma massa de simpatizantes do capitão que poderiam migrar para uma candidatura Moro se este ganhar terreno nas pesquisas ao longo dos próximos meses e mostrar que pode agregar mais contra Lula em um 2o turno.

Sergio Moro, hoje, tem a grande vantagem, sobre todos os outros candidatos da chamada “3a via”, de ter um patrimônio eleitoral inicial não desprezível, algo como 8% das intenções de voto, a depender da pesquisa. Este primeiro passo acertado lhe dá uma segunda vantagem. Vamos ver se isso se traduz em aumento das intenções de voto nas próximas pesquisas.

PS.: ainda estou longe de ter candidato. Isto que vai acima é apenas uma análise, não uma torcida.

“Simplificação tributária”

Luciano Bivar, aquele que quer ser o vice de Moro, indicou um “técnico” para “conversar” com a equipe econômica do candidato do Podemos.

Trata-se, nada menos, de Marcos Cintra. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Cintra é o principal “teórico” do país por trás do “imposto único”. Leia-se CPMF.

Marcos Cintra foi levado por Paulo Guedes para o governo para assumir a Secretaria da Receita. Cheguei a escrever um post a respeito, dizendo que se tratava de uma “preferência revelada” de Guedes, termo técnico do economês para dizer que Guedes podia negar até a morte, mas o que ele queria mesmo era a volta da CPMF.

O professor da FGV foi defenestrado do governo por pressão de Bolsonaro, que não queria mais um assunto impopular sendo discutido a céu aberto. Isso não impediu que Guedes, várias vezes depois, voltasse a esse que é um de seus assuntos prediletos, acoplado à desoneração da folha de pagamentos.

Agora Cintra volta à cena pelas mãos de Bivar. Fico imaginando a conversa com Pastore. Se é que um dia um dos maiores economistas do país vai se dispor a discutir a genial ideia.