O primeiro a saltar do barco

Prova cabal de que Moro representava o combate à corrupção nesse governo é o aviso, por parte do Centrão e do PT, de que não contem com eles para dar o gostinho do impeachment ao ex-juiz. É o Petrolão indo à forra.

Marcos Pereira, líder do Republicanos e expoente do Centrão, já avisou: vamos respeitar as urnas.

Recortei reportagem de 2016, mostrando que o PRB (o então nome do Republicanos) foi o primeiro partido a entregar ministérios, dando apoio integral ao impeachment. Naquela época, “respeito às urnas” não constava no vocabulário.

Mas acho que a principal mensagem aqui é: dar cargos ao Centrão funciona até deixar de funcionar. Os partidos da “base” de Dilma sugaram até a última gota de sangue do governo, e depois abandonaram o barco sem mais. Vamos ver o que Bolsonaro vai fazer. Novamente, o diário oficial será o nosso guia.

As várias tribos

Bolsonaro foi eleito com cerca de 55% dos votos válidos no 2o turno.

Havia várias tribos nesses 55%.A maior, eu diria a totalidade, era a tribo anti-PT. Para evitar a volta do PT, valia o pacto com o capeta. Essa grande tribo garantiu a vitória de Bolsonaro em 2018.No entanto, dentro desse tribo, como bonecas de matrioskas, se alojavam outras quatro tribos, não necessariamente excludentes entre si.

A primeira é a tribo dos liberais. Bolsonaro, ao apontar Paulo Guedes, empresário do setor financeiro e treinado em Chicago, como seu Posto Ipiranga, atraiu o PIB o nacional.

A segunda tribo é a dos lavajatistas. Cansados do lupanar que se tornou Brasília, votaram naquele que parecia ser diferente de “tudo isso que está aí”. É a Nova Política. Símbolo máximo dessa tribo, Moro foi o troféu mais reluzente que Bolsonaro conseguiu para o seu ministério.

Os evangélicos/religiosos formam a terceira tribo, preocupada com temas ligados aos costumes, como a agenda gay e a luta contra o aborto. Costumam ver Bolsonaro como um “enviado de Deus”. A ministra Damares é a representante dessa agenda no ministério.

Por fim, a quarta tribo é a dos ideológicos. Liderados por Olavo de Carvalho, sua preocupação é a luta contra o marxismo cultural, o globalismo e quetais. O ministro que melhor representa essa ala é Abraham Weintraub, não por coincidência citado elogiosamente no pronunciamento de ontem.

Como eu disse no início, uma pessoa pode pertencer a várias tribos ao mesmo tempo, com maior ou menor ligação. O que vai a seguir é uma simplificação da realidade.

Os primeiros eleitores que foram perdidos foram os anti-petistas que não tinham nenhuma ligação especial com qualquer das tribos menores. Seu compromisso com Bolsonaro era zero, seu objetivo (evitar o PT no poder) já havia sido atingido.

A segunda tribo foi perdida ontem: Moro levou consigo os lavajatistas-raíz, aqueles para quem essa agenda de moralização da política é mais importante do que qualquer outra. A aproximação do governo com o Centrão certamente não ajuda nesse contexto.

A terceira tribo a caminho de ser perdida é a dos liberais. O modo como Paulo Guedes se apresentou no pronunciamento de ontem é uma representação gráfica da atitude dos liberais hoje: f@da-se. O plano Pró-Brasil é um sinal de que Bolsonaro já se cansou da ladainha liberal, está a fim de pegar um atalho.

As outras duas tribos (religiosos e ideológicos) seguem firmes e fortes. Não tenho ideia do seu número, mas acho que não são pequenas. De modo que a popularidade do presidente vai cair, mas não vai despencar. E, para que um impeachment aconteça, é necessário, entre outros fatores, que a popularidade venha a praticamente zero. A recessão pode levar a isso, mas pode demorar. Por ora, não vejo condições objetivas para um processo de impeachment.

O DNA do país do jeitinho

Imagine um país onde o Judiciário fosse ágil o suficiente para colocar rapidamente na cadeia bandidos e empresários sonegadores que podem pagar bons advogados, e para, também rapidamente, obrigar os governos a pagarem os precatórios que devem. Sim, teríamos um país onde o tal “Império da Lei” não seria apenas uma bonita expressão sem sentido prático.

É isso o que o lobby pela prisão somente após o trânsito em julgado quer? Obviamente que não. O que querem é ampliar o escopo do projeto para juntar forças suficientes para derruba-lo todo, inclusive na área criminal, que era o escopo original. Moro sabe disso, e por isso defendeu o projeto apenas em seu escopo inicial.

O projeto irá à votação assim, e provavelmente será derrubado, inclusive com a ajuda do próprio governo, que não quer ser obrigado a pagar precatórios depois de decisão em 2a instância.

Ao derrubar a prisão após a condenação em 2a instância, o STF interpretou bem a vontade do parlamento e do executivo, juntando-se aos que viram as costas para os cidadãos que pagam seus impostos em dia e procuram viver de acordo com a lei. Quando Dias Toffoli, depois de dar o seu voto de Minerva pela prisão somente após o trânsito em julgado, sugeriu ao Congresso mudar a lei, sabendo, obviamente, que isso não iria acontecer. Porque o tal “Império da Lei” não está no DNA do país do jeitinho.

Moro na salmoura

A reportagem do Estadão foi bem esperta. Ao cobrir os rumores de que Bolsonaro estaria pensando em recriar o Ministério da Segurança Pública, foi entrevistar Alberto Fraga. Mas quem é Alberto Fraga, além de um obscuro ex-deputado condenado duas vezes em primeira instância por receptação de propina no governo do DF? Fraga é amigão do peito de Bolsonaro e já emplacou a indicação do atual PGR.

E o que nos diz Fraga? Que Moro não entende nada de segurança pública. Vindo do amigo de todas as horas do capitão, essa não é uma afirmação qualquer. É a senha para começar o ataque frontal a Sérgio Moro, vindo de dentro do Palácio.

Obviamente, seria uma traição a Moro, que largou uma carreira bem sucedida no judiciário para embarcar em um projeto político.

Alguns dirão “bem-feito, quem mandou confiar no #elenão?” Eu diria “que pena”, pois é o governo que perderá um grande quadro. Não faltarão empregos bem-remunerados para o juiz da Lava-Jato.

E para aqueles que vão dizer que é melhor não se precipitar, que ainda não foi tomada nenhuma decisão, só o fato do presidente ter se reunido com os secretários da segurança pública sem a presença do chefe da pasta já indica um esvaziamento. A menção à possibilidade de divisão da pasta pelo próprio presidente e as declarações de Alberto Fraga são apenas os complementos naturais da fritura.

E qual foi o pecado de Moro? Aparentemente, ser mais popular do que Bolsonaro. O presidente e seu entorno veem inimigos até debaixo dos pratos, e Moro é uma ameaça real à sua perpetuação no poder apesar de não ter feito um único movimento sequer nessa direção. Pelo contrário. Sua participação no Roda Viva foi uma ode à lealdade ao chefe. Mas a popularidade, sabe como é…

Reportagem do Globo indica que, ora vejam só, Alberto Fraga seria um nome cogitado para o novo ministério. Trocar o juiz da Lava-Jato por um condenado da justiça seria tudo o que este governo não precisa agora. Mas, no termômetro da lealdade, que é o que realmente importa em um governo onde a proteção da família vem à frente do combate à corrupção, Alberto Fraga é imbatível.

Claro, no final tudo não passará de “ataques da extrema-imprensa”, que é a forma de Bolsonaro se livrar dos problemas criados por ele mesmo. O general Augusto Heleno já afirmou no Twitter que “mentem” aqueles que dizem que Bolsonaro está pensando em recriar a pasta da Segurança. A reunião com os secretários de segurança sem a presença do ministro e as próprias palavras do presidente em entrevista devem ser só ilusão de ótica.

Moro continuará onde está hoje, mas a fritura deixará as suas marcas. O primeiro-amigo do presidente não afirma sem consequências que o ministro da Justiça não entende nada da pasta da qual é titular. Moro está avisado: qualquer movimento suspeito será punido com a perda do cargo. E movimento suspeito pode ser absolutamente qualquer coisa.

O general Augusto Heleno tuitou também que confiemos no capitão. Criticá-lo seria encomendar a volta da esquerda em 2022. Ora, se tem alguém encomendando a volta da esquerda é o próprio governo, ao detonar seus aliados mais próximos e ficando cada vez mais isolado com seus fantasmas. É questão de tempo (se é que já não começou) para que as redes bolsonaristas comecem a atacar Moro e sua suposta deslealdade.

Sérgio Moro é um dos pilares desse governo, o outro é Paulo Guedes. Sem Moro, o governo Bolsonaro perde um dos, senão o principal, avalista de sua credibilidade. O convite a Sérgio Moro talvez tenha sido a jogada política mais genial de Bolsonaro, e o fato de Moro ter aceito seu convite a sua maior sorte. Espero sinceramente que o capitão não a desperdice.

Os brasileiros da década

Sérgio Moro foi o único brasileiro escolhido pelo Financial Times em uma lista de 50 personalidades que marcaram a década. Na verdade, somente Lionel Messi o acompanha entre os latino-americanos. E não custa lembrar que Messi faz sua carreira na Europa desde os 13 anos de idade. Portanto, o juiz de Curitiba foi o único latino-americano que fez barulho suficiente para que o FT prestasse atenção a esta região esquecida do planeta. Moro ombreia com políticos globais como Obama, Trump, Xi Jiping, Putin, Macron e Merckel, com empresários como Zuckerberg e Bezos, e com esportistas como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Merecido? Merecidíssimo!

Fiquei pensando em uma lista dos 50 brasileiros mais influentes da década. Além da óbvia escolha de Sérgio Moro, que outros seriam escolhidos? Comecei a minha lista e peço a ajuda de vocês (a ordem é aleatória, na medida em que os nomes me vinham à cabeça).

  • Dilma Rousseff: com suas políticas desastradas, acelerou a queda do PT.
  • Deltan Dalagnol: juntamente com Sérgio Moro, ajudou a derrubar a quadrilha que assaltou a Petrobras – Jair Bolsonaro: soube aproveitar o vácuo deixado na política brasileira e foi eleito contra todas as chances
  • Neymar: o jogador da década no Brasil, em um período de entressafra de craques.
  • Joaquim Barbosa: o juiz que colocou na cadeia metade do establishment político brasileiro no episódio do Mensalão
  • Roberto Jefferson: o primeiro político que fez delação sem ser premiada, e deu origem à investigação que seria conhecida como Mensalão.
  • Guido Mantega: o ministro da economia mais longevo da história do Brasil foi também aquele que demonstrou, com fatos, o que não funciona em economia, usando o Brasil como cobaia
  • Guilherme Benchimol: transformou uma corretora obscura, a XP, no maior desafio aos bancos no campo dos investimentos.
  • Janaína Paschoal: liderou a parte técnica do processo de impeachment
  • Michel Temer: o homem certo no lugar certo na hora certa
  • Eduardo Cunha: liderou politicamente o processo de impeachment
  • Fernando Haddad: aumentou em R$0,20 o preço das passagens de ônibus em São Paulo em junho de 2013, o que se tornou o estopim das maiores manifestações de rua da história do País. A política nunca mais seria a mesma depois daqueles R$0,20.
  • Frederico Trajano: transformou a Magazine Luiza em um concorrente de peso no novo campo do comércio eletrônico, fazendo com que as ações da empresa se valorizassem mais e 2.500% desde a sua abertura de capital em abril/2011.
  • João Amoedo: fundou o Novo, um partido diferente na geleia real da política brasileira
  • Gabriel Medina: campeão mundial de surf, abriu caminho para uma safra de campeões que podem trazer medalhas para o País nas olimpíadas.
  • Eike Batista: protagonizou a ascensão e queda do Brasil grande da era petista
  • Felipe Neto: independentemente de suas ideias políticas, personificou o poder das redes sociais junto à nova geração.
  • Lula: sem ter exercido um único cargo sequer na década, foi a referência política do período, como um fantasma a assombrar todos os cálculos. Chegou ao 2o turno preso em uma cela de Curitiba.

Listei 18 nomes, faltam 32. Vocês me ajudam?

Clamor da sociedade

Entrevista com Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da secretaria de governo.

“Falta de clamor da sociedade” em apoio ao pacote anti-crime de Moro talvez seja um termo meio impreciso. Quem sabe “corpo mole do governo” fosse uma definição mais exata?

As eleições estão longe, muito longe. Mas Moro na cabeça de chapa poderia ser um termômetro melhor para medir o “clamor da sociedade” em relação à luta anti-crime.

A voz do povo

Sempre que lia alguma análise dizendo que o Moro poderia ser candidato a presidente, eu descartava como coisa de analista que não tem o que fazer. Afinal, o Moro, com uma vaga garantida no STF, a troco do que vai arrumar essa sarna pra se coçar.

Isso foi até hoje, quando ouvi um diálogo na copa do escritório onde trabalho, entre a copeira e o office boy. Na TV, a noticia de que Moro tem o dobro da aprovação de Bolsonaro.

– Se ele se candidatar, meu voto é do Moro, diz o boy.

– Tenho pena de quem vai concorrer com ele, não vai ter nem 1% dos votos, completou a copeira.

Por essa voz do povo eu não esperava.

O fim da Lava-Jato

Destaquei dois trechos do jornal de hoje: o primeiro é uma fala de Bolsonaro, afirmando com todas as letras que o pacote anticorrupção fica pra depois. O segundo é um trecho de um artigo de Fernando Gabeira, analisando o episódio COAF.

Lidar com prioridades é tarefa de qualquer presidente. Compor com o Congresso para aprovar primeiro o mais importante é o mais racional a se fazer. Até aí, tudo certo. (Se bem que sou capaz de apostar que, em um censo nas hostes bolsonaristas, a luta contra a corrupção ganharia de lavada contra a agenda econômica em termos de prioridade. Mas isso é detalhe).

Entretanto, seria somente uma administração de prioridades não fosse por um detalhe chamado Flávio Bolsonaro. O cerco ao COAF, peça fundamental na estratégia de Moro de combate à corrupção, tem o beneplácito do Planalto, que se junta ao Congresso e ao Supremo na demolição de um dos pilares da Lava-Jato. E tudo isso porque o 01 não quer que suas movimentações financeiras sirvam como prova em um processo.

COAF cercado, Moro em banho-maria. Senhores, é triste, mas a Lava-Jato acabou.